Pareceres
IRS - Rendimentos empresariais e profissionais
4 Fevereiro 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRS - Rendimentos empresariais e profissionais
PT28326 – outubro de 2024

 


Determinado sujeito passivo de IRS, na categoria B, exerce como trabalhador independente a atividade 5010 - Enfermeiro, da tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS
Em 2023 escreveu um livro. O livro físico encontra-se à venda através de uma empresa portuguesa, mas ainda não concluiu nenhuma venda.
O livro em formato digital e-book encontra-se à venda numa plataforma online (NIF NLxxxx), onde já efetuou vendas. Contudo, segundo as regras da plataforma, dado que ainda não atingiu o volume mínimo de vendas exigidos pela mesma, ainda não recebeu qualquer pagamento resultante dessas vendas.
Dado que o sujeito passivo não efetuou nenhuma atualização da atividade (nem por introdução de nova atividade, nem reenquadramento em sede de IVA) por entender que ainda não tinha recebido nenhum valor sobre estas vendas, surgem questões sobre o que deve ser feito.
Em sede de IRS, qual o enquadramento CIRS/CAE mais correto? Direitos de autor? Royalties?
Em sede de IVA, por exercer atualmente a atividade de enfermagem, encontra-se isento ao abrigo do artigo 9.º do CIVA. Qual o enquadramento correto, dado que as vendas foram feitas numa plataforma intracomunitária? Quando deve ser declarado o rendimento, se este ainda não foi recebido?
Apesar de estar cativo, a venda ocorreu. Pode ser considerado como colocado à disposição e ser declarado no ano em que ocorreram efetivamente as vendas? Deve ser feita a alteração de atividade com efeitos retroativos?

 

Parecer técnico

 

Questiona-se sobre o enquadramento fiscal, em sede de IVA e IRS, da venda de livros designadamente e-books.
Consideramos estar perante uma prestação de serviços, face à inexistência física do produto, não obstante reconhecermos a característica híbrida da operação e que os nossos códigos fiscais possam não a prever objetivamente.
No que respeita ao correto enquadramento da classificação das atividades económicas (CAE), no âmbito das atividades a desenvolver por uma trabalhadora independente.
Referimos ainda que sobre os requisitos legais necessários para o desenvolvimento de determinada atividade tal informação encontra-se fora do âmbito deste consultório e da competência do contabilista certificado.
Para se determinar qual a classificação das atividades Económicas (CAE) adequada à atividade que a entidade desenvolve, deverá esta verificação ser validada junto do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Neste sentido, se a pessoa em causa pretende desenvolver esta atividade com caráter de continuidade, está a desenvolver uma atividade económica enquadrada no artigo 3.º do CIRS. Nesta situação, o sujeito passivo deverá coletar-se, entregando uma declaração de início de atividade.
Neste caso, dará início de atividade, na categoria B em sede de IRS, cumprindo assim o disposto no n.º 1 do artigo 112.º do CIRS, alínea a) do n.º 1 do CIVA, e do n.º 1 do artigo 31.º do CIVA, pelo que deverá escolher o regime de tributação previsto no n.º 1 do artigo 28.º do Código do IRS (CIRS) (no prazo de 15 dias a contar da data da alteração).
Se, de facto, no caso em concreto já iniciou a atividade, a alteração da atividade deve refletir a data em que em substância sob a forma iniciou a mesma, que não é especificamente a data em que disponibilizou o livro na modalidade e-book, mas a partir do momento em que iniciou a aquisição de serviços ou bens para efeitos da realização da referida atividade.
No que se refere ao código previsto no artigo 151.º do CIRS, sugerimos uma análise casuística do sujeito passivo. Não obstante, parece-nos o código mais adequado o 1519 -Outros prestadores de serviços.
No que se refere ao enquadramento em IRS, conforme previsto no artigo 28.º do CIRS, ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de 200 mil euros. Todavia, podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade. Esta opção deve ser feita na declaração de início de atividade, ou até ao fim do mês de março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante apresentação de uma declaração de alterações.
Relativamente à aplicação dos coeficientes definidos no artigo 31.º do CIRS, a mesma é feita em função da natureza dos rendimentos obtidos, pelo que terá sempre de se ter em consideração quais as prestações de serviços que efetivamente o sujeito passivo realiza para a correta aplicação destes coeficientes. Ou seja, a avaliação não pode ser efetuada pela análise genérica do CAE ou código de atividade, tendo de se atender à natureza do rendimento obtido.
No que se refere ao enquadramento destes rendimentos em concreto no âmbito do regime simplificado de tributação, consideramos ser enquadráveis na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS e assim sujeitos ao coeficiente de 0,35. Não obstante, para maior segurança, sugerimos que seja solicitado um pedido de informação vinculativa nos termos previstos no artigo 68.º da Lei Geral Tributária.
No que se refere ao momento a partir da qual são considerados rendimentos deverá  ter-se em conta o n.º 6 do artigo 3.º do CIRS: «Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de fatura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 18.º do Código do IRC, sempre que o rendimento seja determinado com base na contabilidade.»
Desta forma, independentemente do acordo contratual entre o sujeito passivo e a plataforma, se há a realização da venda/prestação de serviços, na qual se verifica a obrigação de emissão de faturas para efeitos de IVA, deverá ser considerado rendimento, independente do recebimento, uma vez que para efeitos de IVA não é essa a condição associada à obrigatoriedade de emissão de fatura.
Por forma a esclarecer, refira-se o enquadramento em IVA para esse efeito. Neste sentido, a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA determina que os sujeitos passivos devem «emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º, (...) bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços.»
No que se refere ao cumprimento da obrigação de faturação, estabelece a alínea a) do n.º 1 do artigo 36.º do CIVA que a fatura deve ser emitida o mais tardar no 5.º dia útil seguinte ao do momento em que o IVA é devido nos termos do artigo 7.º.
A este respeito, notamos que o imposto é devido e torna-se exigível:
- Nas transmissões de bens, quando os bens são postos à disposição do adquirente; e
- Nas prestações de serviços, no momento da sua realização.
No que se refere ao enquadramento de IVA da atividade do sujeito passivo, sendo os produtos vendidos por via eletrónica admitimos que os adquirentes possam ser particulares ou sujeitos passivos, assim como ser portugueses ou de outros países, pelo que iremos primeiramente proceder ao enquadramento em sede de IVA, à análise das regras de localização das operações e taxas de IVA aplicáveis quando a operação se localiza em território nacional.
Recorremos ao artigo 7.º do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/201,  do Conselho de 15 de março de 2011, para clarificação do que se entende por serviços prestados por via eletrónica:
«(...) 1. Entende-se por “serviços prestados por via eletrónica” a que se refere a Diretiva 2006/112/CE, os serviços que são prestados através da Internet ou de uma rede eletrónica e cuja natureza torna a sua prestação essencialmente automatizada, requerendo uma intervenção humana mínima, e que são impossíveis de assegurar na ausência de tecnologias da informação.
2. O n.º 1 abrange, em especial, o seguinte:
a) Fornecimento de produtos digitalizados em geral, nomeadamente os programas informáticos e respetivas alterações e atualizações;
b) Serviços de criação ou de apoio à presença de empresas ou de particulares numa rede eletrónica, tais como um sítio ou uma página Internet;
c) Serviços gerados automaticamente por computador através da Internet ou de uma rede eletrónica, em resposta a dados específicos introduzidos pelo destinatário;
d) Concessão, a título oneroso, do direito de colocar um bem ou um serviço à venda num sítio Internet que funciona como mercado em linha, em que os compradores potenciais fazem as suas ofertas através de um processo automatizado e em que as partes são prevenidas da realização de uma venda através de um correio eletrónico gerado automaticamente por computador;
e) Pacotes de fornecimento de serviços Internet (ISP) em que a componente telecomunicações constitui um elemento auxiliar e secundário (ou seja, pacotes que vão além do mero acesso à Internet e que compreendem outros elementos, tais como páginas de conteúdo que dão acesso a notícias e a informações meteorológicas ou turísticas, espaços de jogo, alojamento de sítios, acesso a debates em linha, etc.);
f) Serviços enumerados no anexo I.
3. O n.º 1 não abrange, em especial, o seguinte:
a) Serviços de radiodifusão e televisão;
b) Serviços de telecomunicações;
c) Bens cuja encomenda e respetivo processamento sejam efetuados por via eletrónica;
d) CD-ROM, disquetes e suportes materiais similares;
e) Material impresso, tal como livros, boletins, jornais ou revistas;
f) CD e cassetes áudio;
g) Cassetes vídeo e DVD;
h) Jogos em CD-ROM;
i) Serviços de profissionais, tais como juristas ou consultores financeiros, que aconselham os seus clientes por correio eletrónico;
j) Serviços de ensino, em que o conteúdo do curso é fornecido pelo docente através da Internet ou de uma rede eletrónica (ou seja, por conexão remota);
k) Serviços de reparação física fora de linha de equipamento informático;
l) Serviços de armazenamento de dados fora de linha;
m) Serviços de publicidade, nomeadamente em jornais, em cartazes ou na televisão;
n) Serviços de assistência por telefone;
o) Serviços de ensino exclusivamente prestados por correspondência, nomeadamente utilizando os serviços postais;
p) Serviços tradicionais de vendas em leilão, assentes na intervenção humana direta, independentemente do modo como são feitas as ofertas de compra;
q) Serviços telefónicos com uma componente vídeo, também designados serviços de videofonia;
r) Acesso à Internet e à World Wide Web;
s) Serviços telefónicos prestados através da Internet (...).»
Pela consulta ao anexo I do Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, verificamos que este vem exemplificar cada um dos pontos do anexo II à diretiva 2006/112/CE, que na legislação nacional se encontra transposto através do anexo D ao Código do IVA.
Anexo II da diretiva 2006/112/CE - Lista indicativa dos serviços prestados por via eletrónica:
«(...) 1) Fornecimento de sítios informáticos, domiciliação de páginas Web, manutenção à distância de programas e equipamentos;
2) Fornecimento de programas informáticos e respetiva atualização;
3) Fornecimento de imagens, textos e informações, e disponibilização de bases de dados;
4) Fornecimento de música, filmes e jogos, incluindo jogos de azar e a dinheiro, e de emissões ou manifestações políticas, culturais, artísticas, desportivas, científicas ou de lazer;
5) Prestação de serviços de ensino à distância (...).»
Como exemplos do ponto 3) verificamos a existência de «(...) conteúdo digitalizado de livros e outras publicações eletrónicas (...).»
Face ao exposto, as situações em análise configuram prestações de serviços, pelo que importa proceder ao enquadramento nestes termos.
Atualmente, temos duas regras gerais de localização que se encontram no n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA:
«(...) 6 - São tributáveis as prestações de serviços efetuadas a:
a) Um sujeito passivo dos referidos no n.º 5 do artigo 2.º, cuja sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, para o qual os serviços são prestados, se situe no território nacional, onde quer que se situe a sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio do prestador;
b) Uma pessoa que não seja sujeito passivo, quando o prestador tenha no território nacional a sede da sua atividade, um estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, a partir do qual os serviços são prestados (...).»
As duas regras gerais são vulgarmente designadas por B2B e B2C, isto é, na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA é tratada a territorialidade das operações realizadas entre dois sujeitos passivos (business to business), na alínea b) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA é tratada a territorialidade das operações realizadas com não sujeitos passivos (business to consumer).
As regras gerais patentes no n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA podem ser afastadas por aplicação das regras de exceção dos números seguintes da mesma norma. Assim, determinadas prestações de serviços devidamente identificadas devem ser enquadradas, caso as suas condições se verifiquem, nas normas (de territorialidade) em que as mesmas se inserem face ao disposto nos números 7 e 8 do artigo 6.º do Código do IVA.
Face ao exposto, sendo os adquirentes dos e-books e da formação online sujeitos passivos de outros países, aplicar-se-á na fatura a expressão «IVA autoliquidação», pois a operação não se localiza em território nacional.
Por sua vez, quando estas prestações de serviços são realizadas a não sujeitos passivos, são tributadas no lugar onde o destinatário está estabelecido ou tem o seu domicílio, conforme dispõe a alínea h) dos números 9 e 10 do artigo 6.º do Código do IVA.
A aplicação desta norma implicaria que os prestadores de serviços de telecomunicações, de radiodifusão e televisão e serviços por via eletrónica estivessem obrigados a registar-se em cada um dos países de residência ou domicílio dos respetivos clientes, não sujeitos passivos do imposto.
De forma a facilitar o cumprimento das obrigações declarativas relativas a tais prestações de serviços foi criado um mecanismo de balcão único para os operadores comunitários, que permite proceder à entrega da declaração e ao pagamento do respetivo IVA no portal eletrónico da administração tributária do Estado membro da sede ou, na falta de sede, do estabelecimento estável.
Quando falamos em prestações de serviços localizadas num Estado-membro, realizadas por um sujeito passivo sem estabelecimento estável nesse Estado, ocorre-nos falar das alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2020, que alargaram o âmbito do balcão único (OSS) a todas as prestações de serviços B2C que sejam localizadas nos Estados-membros nos quais o prestador não esteja estabelecido, às vendas à distância intracomunitárias de bens e a certas transmissões internas de bens, e, ainda, às vendas à distância de bens importados.
Daqui decorre que o regime da União, que entrou em vigor em 01/07/2021, passou a permitir aos sujeitos passivos que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio na UE, o cumprimento das obrigações referentes às prestações de serviços efetuadas a não sujeitos passivos, quando o prestador não esteja estabelecido no Estado-membro de consumo.
Aplicando o OSS, deverá o sujeito passivo liquidar IVA à taxa em vigor no Estado-membro onde os serviços sejam localizados, entregando, posteriormente, até ao fim do mês seguinte a cada trimestre, a declaração do Balcão Único, de modo que esse IVA seja entregue ao respetivo Estado-membro.
Embora não seja questionado, aproveitamos para relembrar que, nos termos do n.º 5 do artigo 35.º-A do CIVA, as faturas emitidas no âmbito do Balcão Único, pelos sujeitos passivos que escolham Portugal como EM de identificação para efeitos do OSS, deverão respeitar as regras do CIVA português e demais legislação complementar, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro.
Caso o sujeito passivo não opte por se registar no OSS, terá, à partida, de se inscrever no EM onde seja devido o imposto, entregando, para esse efeito, a respetiva declaração periódica.
Por fim, relativamente à situação do enquadramento de IVA, pelo facto do sujeito passivo realizar uma atividade que isenta e outra não isenta, deveremos atender ao disposto no artigo 81.º do CIVA.
«Artigo 81.º - Volume de negócios dos sujeitos passivos isentos com atividade acessória tributável
Os sujeitos passivos que pratiquem operações isentas, sem direito a dedução, e desenvolvam simultaneamente uma atividade acessória tributável podem calcular o seu volume de negócios, para efeitos do disposto nos artigos 42.º e 53.º, tomando em conta apenas os resultados relativos à atividade acessória.»