Pareceres
IVA - isenções em arrendamento de imóvel
10 Novembro 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IVA - isenções em arrendamento de imóvel
PT28867 – outubro de 2025


Determinada sociedade unipessoal com objeto social de alojamento local e arrendamento em regime de contabilidade organizada, possui um contrato de comodato através do qual o proprietário dos imóveis, e sócio único da empresa, cede à empresa os seus imóveis para exploração.
Nos contratos de arrendamento habitacionais que a empresa irá celebrar, tendo em conta que os imóveis estão devidamente equipados, beneficiam da isenção prevista no n.º 9 do artigo 29.º do CIVA?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal, em sede de IVA, do arrendamento de imóveis.
Em termos fiscais, e face à questão colocada, importa distinguir um contrato de cedência de exploração de um contrato de arrendamento.
O contrato de cedência de exploração de estabelecimento encontra-se regulado nos artigos 1 109.º e seguintes do Código Civil, consistindo num negócio jurídico através do qual o titular do estabelecimento (cedente) transfere para outrem (cessionário), temporariamente e mediante retribuição, o gozo de um prédio ou parte dele em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial nele instalado.
O objeto da cedência de exploração não é o imóvel em si - caso em que configuraria um contrato de locação comercial e os rendimentos obtidos teriam a natureza de rendimentos prediais - mas sim, o estabelecimento como bem unitário.
Pode definir-se estabelecimento comercial como a pluralidade de coisas, corpóreas (inventários, equipamentos, instrumentos de trabalho, entre outros) e incorpóreas (nome do estabelecimento, direitos provenientes de licenças concedidas pela gerência, entre outras), devidamente organizadas para a prática de uma atividade comercial.
Nas situações em que o contrato determina que o cessionário, além de ficar na posse de toda a documentação necessária para a prossecução da atividade do estabelecimento, fica autorizado, por determinado período e mediante o pagamento de um certo montante, a utilizar todos os equipamentos e utensílios, com vista à exploração económica do estabelecimento, os quais restituirá, finda a cessão, em bom estado de conservação, estamos perante uma cessão de exploração temporária.
A este respeito, note-se que a cedência de exploração de imóvel devidamente preparado para o exercício de uma atividade económica, configura uma prestação de serviços sujeita a IVA, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 4.º, ambos do Código do IVA (CIVA).
Esta operação, por não se enquadrar em nenhuma das verbas previstas nas listas anexas ao CIVA, será tributada à taxa normal de imposto, conforme resulta do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código deste imposto.
Por outro lado, a legislação nacional define o conceito de locação de imóveis como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, neste caso um imóvel, mediante uma retribuição, conforme o disposto no artigo 1 022.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano.
Ao conceito de locação de imóveis é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, que dispõe que «[s]empre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.» Ou seja, uma vez que se trata de conceito importado de outro ramo de direito, neste caso o Direito Civil, e por este não se encontrar definido pelo CIVA, deve ser interpretado no mesmo sentido que lhe é atribuído pelo Código Civil.
Também o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) define o conceito de locação de imóveis para efeitos da isenção do IVA como sendo a operação económica em que o proprietário de um imóvel cede ao locatário o direito de ocupar o imóvel contra o pagamento de uma renda (contraprestação) por um prazo convencionado.
Em termos de IVA, a locação de bens imóveis é considerada uma prestação de serviços sujeita a IVA, de acordo com o conceito residual de prestação de serviços previsto no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA.
No entanto, o princípio geral segundo o qual o imposto é liquidado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo de imposto prevê determinadas isenções, entre as quais o n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, que determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta de IVA.
Uma vez que as isenções de IVA devem ser analisadas de forma estrita, foi, durante muitos anos, entendimento da AT que apenas poderia beneficiar desta isenção a locação que, na sua génese, apenas consubstanciasse a colocação passiva do imóvel à disposição do arrendatário, sem qualquer tipo de serviço associado (conceito de "paredes nuas"), ficando igualmente excluídos bens móveis e equipamentos fixos que fizessem parte integrante do imóvel locado.
Na prática, para efeitos de aplicação desta isenção, ao longo dos anos, foi entendido que se deveria averiguar se o espaço locado se trata das vulgarmente denominadas “paredes nuas" (caso em que aplicaria a isenção), ou se estamos perante a locação de espaço devidamente apetrechado para o exercício de uma atividade económica, usufruindo o adquirente, além do espaço de diversos outros serviços, caso em que poderá não reunir as condições necessárias para manutenção da isenção.
Todavia, com a publicação da informação vinculativa referente ao processo n.º 19 426, por despacho de 28-01-2021, da diretora de serviços do IVA (por subdelegação), aproveitou a AT para alinhar o seu entendimento com a já vasta jurisprudência do TJUE relativamente a esta matéria, tendo ficado estabelecido que «(...) para beneficiar de isenção, a locação deve traduzir-se na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, estando ligada ao decurso do tempo e não gerando qualquer valor acrescentado significativo, não sendo acompanhada de quaisquer prestações de serviços que retirem à locação o carácter de preponderância na operação em causa.»
Foi ainda esclarecido que, no caso concreto apresentado, «(...) resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que a locação de bens móveis objeto do contrato de locação não parece poder ser dissociada da locação do bem imóvel em causa no processo principal. Aliás, nem se contesta que alguns desses bens móveis, como os equipamentos e aparelhos de cozinha, estão incorporados no imóvel e devem, nesta fase, ser considerados parte integrante do mesmo. Na medida em que os bens consumíveis que foram alugados ou, nalguns casos, vendidos, ao mesmo tempo que o imóvel, estavam igualmente afetos à exploração do restaurante, tal como este último, não se pode considerar que esta locação/cessão prossegue uma finalidade própria, mas deve ser vista como um meio para beneficiar nas melhores condições do serviço principal que é a locação do imóvel.»
Concluímos, deste modo, como aliás deveria ter sido o entendimento adotado pela AT, em linha com o do TJUE, que esta deixou de decompor artificialmente as locações dos bens imóveis que fossem acompanhas com bens físicos (móveis ou equipamentos materialmente ligados ao imóvel), passando a considerar que estamos, na verdade, perante uma única prestação de serviços principal (locação passiva do imóvel), sendo os bens e equipamentos um simples meio para beneficiar, em melhores condições, do serviço principal.
Resumidamente, considera-se assim que, mesmo em locações em que do imóvel faça parte integrante a locação de equipamentos ou máquinas, se está perante uma única prestação na qual a prestação principal é a colocação à disposição do bem imóvel, podendo, em tais casos, beneficiar da isenção do imposto.
Mas importa notar que esta análise é casuística e não deve ser tomada como uma «nova regra», pois o que está sempre em causa é determinar quando é que a locação do imóvel é a prestação principal e a locação de demais bens assume um carácter meramente acessório.
No caso deste processo analisado pela AT, não obstante da locação do espaço fazerem parte integrante diferentes equipamentos, como, por exemplo, sistema de ar comprimido, tubagens, compressores, equipamentos de ar condicionado e pontes rolantes, configura uma única operação, estando a locação do espaço como a prestação principal consequentemente enquadrado na isenção do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
Assim, importa analisar se estamos perante uma operação passiva (sem qualquer preparação personalizada/customização do local) e sem qualquer serviço associado (como gestão, limpeza, etc.), e se os bens e equipamentos que integrem a locação consistam numa locação independente da principal ou se, por outro lado, apenas são um meio para que o locatário usufrua em melhores condições do imóvel (como acontece, por exemplo, com um ar condicionado ou com umas escadas rolantes), situação em que a operação é consideradas como locações isentas de IVA nos termos do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
Se, pelo contrário, essas locações forem consideradas como cedências de exploração de estabelecimento comercial, por se tratar de um espaço devidamente preparado para o exercício de uma atividade económica, ou tiver serviços associados indissociáveis desse espaço, são consideradas como prestações de serviços tributáveis em IVA.
Para o enquadramento de cada operação, a entidade em causa deve atender às condições objetivas da cedência do uso do espaço.
Nesta situação, haveria dois possíveis cenários a considerar:
1.º - Caso a locação do espaço se enquadre no conceito "cedência passiva", ou seja, no conceito de arrendamento tal como estabelecido no Código Civil (artigo 1022.º), a operação ficaria abrangida pela fica isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
2.º - Se a locação do espaço for acompanhada de outros elementos, nomeadamente acompanhada de serviços como limpeza, comunicação, eletricidade, etc., em conjunto com as instalações (figura esta expressamente excluída da regra que determina a isenção, em sede deste imposto), qualifica-se em termos de IVA como uma prestação de serviços (conforme resulta do conceito delimitado no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA) não isenta, devendo proceder-se à liquidação de IVA à taxa geral de 23 por cento, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.
Face ao exposto, será indispensável aferir as condições acordadas entre as partes para, assim determinar os impactos fiscais inerentes.
A respeito do tema em análise, aconselhamos ainda a leitura da informação vinculativa processo n.º 26 088, com despacho de 2024-05-28, do diretor de serviços da DSIVA, por subdelegação, na qual a AT conclui que:
«46.1.3. a cedência de utilização de um espaço, demais equipamento (não identificado) e [] lugares de aparcamento, sem ser acompanhada de quaisquer outros bens, serviços ou fornecimentos, tais como, água, eletricidade, telecomunicações, serviços de supervisão, de gestão e/ou de manutenção constantes por parte da Requerente, em contrapartida de uma remuneração mensal única, consubstancia uma colocação passiva de instalações à disposição da arrendatária, por um tempo determinado, não gerando qualquer valor acrescentado significativo, pelo que beneficia da isenção prevista na alínea 29) do artigo 9.º do CIVA:»
Por referência à cedência de exploração, conclui também a AT no processo n.º 25 040, com despacho de 2023-12-29, do diretor de serviços da DSIVA, por subdelegação que «(...) a referida locação configurando uma cessão de exploração de estabelecimento comercial, encontra-se excluída da isenção do imposto, devendo ser liquidado imposto à taxa normal, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.»