Pareceres
IRS - rendimentos de categoria A
19 February 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IRS - rendimentos de categoria A
PT27855 - dezembro de 2023

 

Quais as obrigações a nível de impostos e declarações no processamento de salários de um empregado, residente em Portugal, que trabalha para uma empresa estrangeira sem estabelecimento estável em Portugal? Existe obrigação de cumprimento dos deveres impostos pela Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto?

 

Parecer técnico

 

A questão colocada refere-se às obrigações fiscais e declarativas relativamente a uma entidade empregadora não residente resultante da contratação de trabalhadores por conta de outrem residentes e território nacional, sendo o trabalho realizado em Portugal.
Desconhece-se qual a modalidade em que o trabalho é realizado em Portugal, nomeadamente teletrabalho ou outra. Também não se conhece o âmbito da atividade exercida pelos trabalhadores em Portugal.
Em princípio, o exercício de atividade da entidade não residente em Portugal deverá passar pela existência de um mero registo para efeitos de segurança social. Isto sem prejuízo dos comentários quanto à eventual existência de estabelecimento estável, para os quais se remete.
O mero registo para efeitos de Segurança Social (e IRS, conforme abaixo apresentado) não configura um estabelecimento estável, que é um conceito de matriz tributária, aplicável para efeitos de impostos sobre o rendimento e IVA.
O registo implica a inscrição da entidade no Instituto dos Registos e Notariado para obtenção de NIF, sem obrigação de nomeação de representante legal para efeitos contributivos ou fiscais, tendo em conta que a sociedade é residente na União Europeia.
Nesta medida, quando a entidade obtenha um NIF em Portugal, não deve proceder à entrega da declaração de início de atividade, não se encontrando, ainda, obrigada à entrega de declarações de IRC e/ou IVA.

 

Cumprimento de obrigações contributivas

 

Em termos do cumprimento das obrigações declarativas e de pagamento da entidade enquanto empregadora, há que distinguir entre as obrigações para efeitos de Segurança Social e IRS.
Em matéria de Segurança Social, após a entidade obter o NISS, poderá cumprir com as obrigações declarativas (entrega das declarações mensais de remunerações).
Quanto ao pagamento das quotizações e contribuições, este deverá ser feito a partir de uma conta bancária domiciliada numa instituição bancária estabelecida em Portugal, não sendo aceites transferências bancárias a partir de contas bancárias estrangeiras, tanto quanto é do nosso conhecimento. Em alternativa, a entidade pode abrir uma conta numa instituição bancária estabelecida em Portugal, tendo em vista a realização desses pagamentos, sem que tal abertura de conta constitua um indício da existência de um estabelecimento em Portugal.
Em regra, os empregadores estrangeiros não estabelecidos e com vários trabalhadores ao serviço em Portugal, têm conveniência em nomear um representante para efeitos de Segurança Social, figura distinta do representante legal ou do representante para efeitos fiscais; este representante será o responsável pelo cumprimento das obrigações declarativas e de pagamento.
Note-se que o representante pode ser um - e apenas um - dos trabalhadores da entidade. Contudo, nomear um deles como representante não é, habitualmente, a opção seguida, sendo mais comum contratar a prestação de serviços a um terceiro, que será o representante da entidade somente para efeitos contributivos.
A atuação da entidade não residente como entidade empregadora em Portugal decorre das disposições do Regulamento (CE) n.º 83/2004, de 29 de abril, e do Regulamento (CE) n.º 987/2009, de 16 de setembro.
Nos termos do Regulamento (CE) n.º 883/2004, a pessoa que exerce uma atividade por conta de outrem ou por conta própria no território de um Estado-membro está sujeita, em princípio, à legislação de Segurança Social desse Estado, mesmo que resida no território de outro Estado-membro ou mesmo que a entidade empregadora que emprega a pessoa por conta de outrem tenha a sua sede ou domicílio no território de outro Estado-membro [alínea a) do n.º 3 do artigo 11.º].
Assim, se uma entidade empregadora de um Estado-membro contratar um trabalhador em Portugal para aqui exercer atividade, será aplicável a legislação do Estado-membro do exercício da atividade.
Esta regra - critério do local da prestação da atividade - não tem em conta a modalidade de teletrabalho. É que, no teletrabalho, o que está em causa não é os trabalhadores estarem a prestar os seus serviços para a realização da atividade da entidade não residente em Portugal, mas somente estarem a exercer uma atividade em Portugal, por conveniência, não tendo a atividade da sociedade não residente, em princípio, qualquer conexão com Portugal.
De todo o modo, o n.º 3 do artigo 11.º contém uma disposição residual, nos termos da qual «outra pessoa à qual não sejam aplicáveis as alíneas a) a d) está sujeita à legislação do Estado-Membro de residência, sem prejuízo de outras disposições do presente regulamento que lhe garantam prestações ao abrigo da legislação de um ou mais outros Estados-membros.»
É ainda de assinalar que a Segurança Social já teve oportunidade de se pronunciar sobre os efeitos do teletrabalho, no guia prático sobre destacamento, onde se pode ler:
«Estou a trabalhar em Portugal, em situação de teletrabalho, para uma empresa sedeada noutro país. Onde tenho de descontar? Devo pedir o destacamento?
Neste caso, o trabalhador deverá inscrever-se com base no artigo 21.º, e efetuar os seus descontos para a Segurança Social Portuguesa, visto que Portugal é o país em que o trabalhador se encontra fisicamente a exercer a sua atividade. Não se trata de uma situação de destacamento. Se o trabalhador necessitar do formulário A1 deverá solicitá-lo à UCI, para o seguinte endereço de e-mail: ISS-IInternacionais@seg-social.pt»
Pelo exposto, é de concluir que, mesmo que a legislação comunitária não esteja adaptada à modalidade de teletrabalho, em princípio, Portugal constituirá o Estado-membro em que serão devidas as contribuições pelo trabalho prestado, quer se considere que o mesmo é aqui prestado (o que, como se viu, apenas é possível de ser equacionado em modo teletrabalho), quer porque Portugal é o Estado de residência dos trabalhadores.
Por outro lado, o artigo 21.º do Regulamento (CE) n.º 987/2009, estabelece no seu n.º 1 que um empregador que tenha a sua sede ou centro de atividades fora do Estado-membro competente deve cumprir as obrigações previstas pela legislação aplicável aos seus trabalhadores, nomeadamente a obrigação de pagar as contribuições previstas por essa legislação, como se tivesse a sua sede ou centro de atividades no Estado-membro competente.
O Estado-membro competente é, no caso, o do exercício do trabalho assalariado, Portugal, como já se referiu, com as notas relevantes.
Nestas situações, estabelece ainda o n.º 2 da mesma norma que um empregador que não tenha o centro de atividades no Estado-membro cuja legislação é aplicável, por um lado, e o trabalhador por conta de outrem, por outro, podem acordar que este último dê cumprimento às obrigações do empregador por conta deste no que respeita ao pagamento das contribuições, sem prejuízo das obrigações subjacentes do empregador. O empregador comunica tal acordo à instituição competente daquele Estado-membro.
Por fim, importa destacar que, desde 1 de julho de 2023, se encontra em vigor o Framework Agreement, que complementa os Regulamentos EU n.º 883/2004 e 987/2009.
No âmbito deste acordo, que complementa os referidos regulamentos, os Estados da UE, EEE e Suíça acordaram que a legislação relevante para efeitos de cobertura em matéria de Segurança Social dos trabalhadores habitualmente em teletrabalho em situações em que o Estado de residência do trabalhador e o local do estabelecimento do empregador são distintos, é a do Estado de residência do trabalhador.
O que o Framework Agreement agora vem determinar é que possa ser pedido pela entidade empregadora que o trabalhador fique sujeito à legislação do Estado da entidade empregadora no caso de o teletrabalho no Estado de residência do trabalhador representar menos de 50 por cento do seu tempo total de trabalho.
O que significa que, regra geral, se o trabalhador apenas trabalhar no seu Estado de residência, não pode ficar sujeito à legislação do Estado da entidade empregadora.
E se não trabalhar no seu Estado de residência, ainda assim, a sujeição à legislação do Estado da entidade empregadora só pode ocorrer a pedido.
Estas regras não se aplicam a trabalhadores independentes nem a trabalhadores por conta de outrem que não sejam considerados trabalhadores em teletrabalho.
O conceito de residência não é equivalente à definição para efeitos de IRS, sendo o conceito próprio dos regulamentos, assim como a própria definição de teletrabalho e trabalhadores abrangidos.
Pode encontrar a documentação relevante nesta ligação e nesta ligação.
Daqui resulta que a entidade não residente poderá cumprir com as suas obrigações contributivas através de um representante ou através de um trabalhador; já se indicou atrás que o cumprimento através de trabalhador não é, habitualmente, a opção, sobretudo quando estejam em causa vários trabalhadores contratados, por questões administrativas e de controlo.
Com efeito, a prática habitual destas entidades é contratar o processamento de salários a uma entidade externa e nomeá-la como sua representante, como sucede no caso em concreto.
É ainda de assinalar que a Segurança Social apenas aceita a realização dos pagamentos das contribuições e quotizações através de conta bancária domiciliada em Portugal (além da opção pelo pagamento em dinheiro), pelo que, não estando a entidade registada para efeitos fiscais em Portugal, terá de aqui abrir uma conta bancária como não residente sem estabelecimento estável (aspetos que devem ser confirmados junto de instituição bancária, as quais, contudo, desconhecem esta figura do registo contributivo, originando, por vezes, nos clientes a convicção de que estes têm de estar aqui registados para efeitos fiscais para poderem abrir uma conta bancária em Portugal) ou assegurar, contratualmente, através do representante, que este efetua os pagamentos em seu nome, mas por conta da entidade empregadora.

 

Cumprimento de obrigações fiscais

 

Os rendimentos obtidos pelos trabalhadores devem considerar-se de fonte portuguesa, pelo facto de o trabalho ser prestado em Portugal.
Embora, como se viu para efeitos contributivos, seja questionável onde é que o trabalho é «exercido», à luz das formulações atuais quer do Código do IRS quer das disposições do artigo correspondente às remunerações previsto nas Convenções (por norma, o correspondente ao 15.º da maioria das convenções) para evitar a dupla tributação, pelo facto de as normas não estarem adaptadas à realidade do teletrabalho, é de admitir que a interpretação mais plausível é a de que se considere que tal exercício ocorra no Estado onde o trabalhador preste o trabalho, no caso, Portugal.
A ser assim, a competência tributária de tais rendimentos é do Estado onde o trabalho é "exercido", ou seja, Portugal, pelo que, em princípio, não poderá haver lugar a qualquer tributação dos trabalhadores no estrangeiro, sob pena de a mesma, a existir, não ser admitida como crédito de imposto de IRS em Portugal, na esfera dos trabalhadores.
Nesse sentido, e sendo o trabalho "exercido" em Portugal, e aqui tributado para efeitos de IRS, impõe-se equacionar se há, também, lugar a retenções na fonte, já que a entidade empregadora não dispõe de estabelecimento estável em Portugal.
Em relação à retenção na fonte, nos termos do artigo 99.º do Código do IRS, as entidades devedoras de rendimentos de trabalho dependente são obrigadas a reter o imposto no momento do seu pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares.
É irrelevante para o efeito que se trate de uma entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal; neste sentido, veja-se que uma pessoa singular não residente solicitou a confirmação a título vinculativo desta mesma questão em relação a um trabalhador do serviço doméstico ao seu serviço em Portugal, tendo-lhe sido transmitido o entendimento de que a obrigação de retenção na fonte é aplicável mesmo para um não residente sem estabelecimento estável ou instalação fixa em Portugal (conforme processo n.º 461/2018, com despacho concordante da subdiretora de serviços do IR, de 29 de maio de 2018).
Há, contudo, entendimentos que apontam em sentido diverso, como o veiculado no processo: 5 942/2021, despacho de 1 de setembro de 2021, do diretor de serviços de Relações Internacionais.
Neste sentido, é possível entender que, sendo atribuído um NIF (e, nessa sequência, password para acesso ao Portal das Finanças), é possível efetuar retenções na fonte como se de uma entidade residente ou estabelecida em território nacional se tratasse. Do mesmo modo, a entidade pode cumprir com as obrigações declarativas fiscais como se de uma entidade residente ou estabelecida em território nacional se tratasse.
A ser feita retenção na fonte de IRS, esta é efetuada nos mesmos termos aplicáveis a quaisquer outros trabalhadores dependentes residentes.
Do nosso conhecimento prático desta questão, confirmamos que o registo pode, de facto, proceder à entrega das retenções na fonte e ao cumprimento das obrigações declarativas associadas, independentemente de apenas nomear representante para efeitos de Segurança Social. Diferentemente do que sucede com as contribuições para a Segurança Social, o pagamento das retenções na fonte pode ser feito a partir de uma conta bancária estrangeira.
Por fim, em relação ao trabalhador, os seus rendimentos são de fonte estrangeira, não obstante a entidade não residente dever cumprir com as obrigações declarativas e de pagamento como se de um sujeito passivo residente se tratasse.
Contudo, se a entidade não residente comunicar os rendimentos e retenções na fonte através das declarações mensais de remunerações, entendemos que o trabalhador verá os seus rendimentos e retenções pré-preenchidos no Anexo A, como se de rendimentos de fonte portuguesa se tratasse. De todo o modo, para o trabalhador a carga fiscal é a mesma, caso os rendimentos sejam declarados como de fonte portuguesa (no anexo A) ou estrangeira (no anexo J).
Por último, a propósito desta temática, aconselhamos a leitura do artigo intitulado «Teletrabalho numa ótica internacional», publicado na revista Contabilista 281, disponível aqui.
 

 

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