Pareceres
Enquadramento contabilístico e fiscal de entidade do setor não lucrativo
1 March 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

Enquadramento contabilístico e fiscal de entidade do setor não lucrativo
PT27880 – janeiro de 2024

 

Determinado centro de dia tem como rendimentos quotizações dos associados, mensalidades dos utentes (basicamente pelo pagamento das refeições), subsídio atribuído pela Segurança Social e donativos pontuais.
Os valores no seu conjunto nunca atingiram 150 mil euros, estando bastante longe desse valor, apesar de nos últimos anos verificar-se que têm sofrido um incremento. Qual o seu enquadramento em sede de IRC? A entidade está obrigada a possuir contabilidade organizada? Se sim, uma vez que já existe há alguns anos, terá de ser com efeitos retroativos ou pode ser a partir de 2024? Quais as obrigações declarativas anuais (modelo 22 e IES)?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal de uma Entidade do Setor não lucrativo (ESNL). Comecemos pelo enquadramento contabilístico.

De acordo com o artigo 9.º-E do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, às entidades do setor não lucrativo aplica-se a norma contabilística e de relato financeiro para entidades do setor não lucrativo (NCRF-ESNL), podendo estas entidades optar pela aplicação do conjunto das normas contabilísticas e de relato financeiro compreendidas no SNC, com as necessárias adaptações, ou pela aplicação das normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de julho de 2002, desde que observado o disposto no artigo 4.º.
As entidades do setor não lucrativo são obrigadas a preparar e apresentar o conjunto das demonstrações financeiras previsto no n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, incluindo o balanço, demonstração de resultados por naturezas, demonstração dos fluxos de caixa e anexo (conjugar com n.º 5 do mesmo artigo).
Têm ainda a opção de apresentar a Demonstração das Alterações nos Fundos Patrimoniais e uma Demonstração de Resultados por Funções, conforme os n.ºs 2 e 5 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho. A demonstração de alterações nos fundos patrimoniais pode ser exigida por entidades públicas financiadoras (é o caso, por exemplo, da Segurança Social para as IPSS).
As demonstrações financeiras referidas para as entidades do setor não lucrativo devem ser preparadas e apresentadas de acordo com os modelos específicos para essas entidades, que estão previstos nos anexos 11 a 16 da Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho, conforme o artigo 4.º dessa portaria.
No caso de as entidades do setor não lucrativo estarem dispensadas de possuir contabilidade organizada e não optarem pela aplicação do SNC, ficam obrigadas à prestação de contas em regime de caixa, conforme previsto no n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho.
De acordo com o n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho, estão dispensadas de possuir contabilidade organizada, as entidades do setor não lucrativo cujo volume de negócios líquido não exceda 150 mil euros em nenhum dos dois períodos anteriores, salvo quando integrem o perímetro de consolidação de uma entidade que apresente demonstrações financeiras consolidadas ou estejam obrigadas à apresentação de qualquer das demonstrações financeiras, por disposição legal ou estatutária ou por exigência das entidades públicas financiadoras.
Similar conclusão resulta do n.º 3 do artigo 124.º do CIRC:
«(...) O disposto no número anterior não se aplica quando os rendimentos totais obtidos em cada um dos dois exercícios anteriores não excedam 150 mil euros, e o sujeito passivo não opte por organizar uma contabilidade que, nos termos do artigo anterior, permita o controlo do lucro apurado nessas atividades. (...).»
Cumprindo-se as condições de dispensa, a entidade do setor não lucrativo não será obrigada a dispor de contabilidade organizada e consequentemente de contabilista certificado.
Caso não se aplique a dispensa (por obrigação ou opção), deverá nomear um contabilista certificado.
Quando seja aplicável o regime de caixa, as entidades do setor não lucrativo são obrigadas a divulgar informação sobre pagamentos e recebimentos, património fixo e direitos e compromissos futuros, conforme previsto no n.º 6 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 98/2015, de 2 de junho. Para esse efeito, devem utilizar os modelos previstos no anexo 17 da Portaria n.º 220/2015, de 24 de julho.

 

Enquadramento em sede de IRC

 

As entidades que não exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola são sujeitos passivos de IRC ao abrigo da segunda parte da alínea a) ou da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC.
O IRC incide sobre o seu rendimento global, o qual corresponde, de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRC, à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito.
Encontram-se nesta situação, em princípio, as associações, fundações, federações, confederações e outras entidades que não exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.
Estas entidades podem, caso verifiquem as respetivas condições e requisitos, beneficiar de isenção de IRC ao abrigo do artigo 10.º ou do artigo 11.º, ambos do CIRC:
- Artigo 10.º do CIRC - Pessoas coletivas com estatuto de utilidade pública e de solidariedade social;
- Artigo 11.º do CIRC - Atividades culturais, recreativas e desportivas.
Assim, encontram-se isentas de IRC, ao abrigo do artigo 10.º do respetivo Código:
- As instituições particulares de solidariedade social (IPSS), bem como as pessoas coletivas àquelas legalmente equiparadas;
- As pessoas coletivas com estatuto de utilidade pública que prossigam, exclusiva ou predominantemente, fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social, defesa do meio ambiente e interprofissionalismo agroalimentar. Esta isenção carece de reconhecimento pelo ministro das Finanças, a requerimento dos interessados, mediante despacho publicado no «Diário da República», que define a respetiva amplitude, de harmonia com os fins prosseguidos e as atividades desenvolvidas para a sua realização, pelas entidades em causa e as informações dos serviços competentes da Direção-Geral dos Impostos e outras julgadas necessárias (porém, ver norma transitória prevista no n.º 3 do artigo 17.º da Lei n.º 36/2021, de 14 de junho, relativa a pessoas coletivas classificadas como de utilidade pública administrativa à data de entrada em vigor desta lei).
De acordo com o n.º 3 do artigo 10.º do CIRC, a isenção prevista no n.º 1 desse artigo não abrange os rendimentos empresariais derivados do exercício das atividades comerciais ou industriais desenvolvidas fora do âmbito dos fins estatutários, bem como os rendimentos de títulos ao portador, não registados nem depositados, nos termos da legislação em vigor, e é condicionada à observância continuada dos seguintes requisitos:
- Exercício efetivo, a título exclusivo ou predominante, de atividades dirigidas à prossecução dos fins que justificaram a isenção;
- Afetação aos fins referidos na alínea anterior de, pelo menos, 50 por cento do rendimento global líquido que seria sujeito a tributação nos termos gerais, até ao fim do quarto período de tributação posterior àquele em que tenha sido obtido, salvo em caso de justo impedimento no cumprimento do prazo de afetação, notificado ao diretor-geral dos impostos, acompanhado da respetiva fundamentação escrita, até ao último dia útil do primeiro mês subsequente ao termo do referido prazo;
- Inexistência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários, por si mesmos ou por interposta pessoa, nos resultados da exploração das atividades económicas por elas prosseguidas.
O não cumprimento dos requisitos referidos nas alíneas a) e c) acima determina a perda da isenção, a partir do correspondente período de tributação, inclusive (n.º 4 do artigo 10.º do CIRC).
Em caso de incumprimento do requisito referido na alínea b) do n.º 3 do artigo 10.º do CIRC, fica sujeita a tributação, no quarto período de tributação posterior ao da obtenção do rendimento global líquido, a parte desse rendimento que deveria ter sido afeta aos respetivos fins (n.º 5 do artigo 10.º do CIRC).
No que respeita ao artigo 11.º do CIRC, este estabelece uma isenção de IRC, de caráter automático, para os rendimentos diretamente derivados de atividades culturais, recreativas ou desportivas, auferidos por associações constituídas para o exercício dessas atividades, desde que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos previstos no n.º 2 do mesmo artigo:
- Em caso algum distribuam resultados e os membros dos seus órgãos sociais não tenham, por si ou interposta pessoa, algum interesse direto ou indireto nos resultados de exploração das atividades prosseguidas;
- Disponham de contabilidade ou escrituração que abranja todas as suas atividades e a ponham à disposição dos serviços fiscais, designadamente para comprovação do referido na alínea anterior.
Estão fora do âmbito desta isenção os rendimentos provenientes de qualquer atividade comercial, industrial ou agrícola exercida, ainda que a título acessório, em ligação com as referidas atividades, designadamente os provenientes de publicidade, direitos respeitantes a qualquer forma de transmissão, bens imóveis, aplicações financeiras e jogo do bingo.
Porém, refira-se que nos termos do n.º 1 do artigo 54.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), ficam isentos de IRC os rendimentos das coletividades desportivas, de cultura e recreio, abrangidas pelo artigo 11.º do CIRC, desde que a totalidade dos seus rendimentos brutos sujeitos a tributação, e não isentos nos termos do mesmo Código, não exceda o montante de 7 500 euros.
Estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 15.º do CIRC, que a matéria coletável das entidades que não exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola obtém-se pela dedução ao seu rendimento global, incluindo os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito, determinado nos termos do artigo 53.º do CIRC, dos seguintes montantes:
- Gastos comuns e outros imputáveis aos rendimentos sujeitos a imposto e não isentos, nos termos do artigo 54.º do CIRC;
- Benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções naquele rendimento.
Consideram-se rendimentos não sujeitos a IRC, de acordo com o n.º 3 do artigo 54.º do CIRC, as quotas pagas pelos associados em conformidade com os estatutos, bem com os subsídios destinados a financiar a realização dos fins estatutários.
Consideram-se rendimentos isentos, de acordo com o n.º 4 do artigo 54.º do CIRC, os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito destinados à direta e imediata realização dos fins estatutários.
Sugere-se a consulta do Ofício-Circulado n.º 20219, de 16 de março de 2020, relativo ao preenchimento da Modelo 22 destas entidades.
Recomenda-se também a consulta da apresentação disponibilizada pela OCC na Reunião Livre de 16/03/2022, relativa ao cálculo do imposto das ESNL e preenchimento das declarações Modelo 22 e IES, a qual poderá obter através da Pasta CC > Documentos > Formação > Formação 2022 > Reuniões Livres > Entidades do Setor não Lucrativo (RL 16 março 2022) - Análise do departamento de consultoria da OCC.

 

Obrigações declarativas

 

A entrega da declaração modelo 22 encontra-se prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º do CIRC. Não obstante, a alínea b) do n.º 6 do mesmo artigo 117.º do CIRC, dispensa da sua apresentação:
«a) As entidades isentas ao abrigo do artigo 9.º, exceto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma ou quando obtenham rendimentos de capitais que não tenham sido objeto de retenção na fonte com caráter definitivo;
b) As entidades que apenas aufiram rendimentos não sujeitos a IRC, exceto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma.»
Neste sentido, as entidades que não exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, apenas ficarão dispensadas da entrega da declaração modelo 22 caso apenas obtenham rendimentos não sujeitos a IRC (n.º 3 do artigo 54.º do CIRC).
Por outro lado, caso aufiram outros rendimentos, ainda que isentos, (n.º 4 do artigo 54.º do CIRC), terão de proceder à entrega da declaração modelo 22.
A alínea c) do n.º 1 do artigo 117.º do CIRC, determina, também, a obrigatoriedade da entrega da IES, nos termos definidos pelo artigo 121.º do mesmo código, ou seja, com os anexos que para o efeito sejam mencionados no respetivo modelo.
Como tal, resulta que a obrigatoriedade da entrega da IES deve ser averiguada, anualmente, em função das instruções de preenchimento de cada um dos anexos que dela fazem parte. Caso não exista qualquer anexo a entregar, poderão estar dispensadas.
As entidades sem fins lucrativos, como as associações, não entregam o anexo A da declaração, dado que, à partida, não exercem, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola. Também não terão de entregar as anexos B e C porque, em princípio, não pertencerão ao setor financeiro, nem segurador.
A título de exemplo, poderão ter de entregar o anexo D, que deve ser apresentado pelas entidades residentes que não exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, desde que, obtenham rendimentos sujeitos a tributação e não isentos.
Adicionalmente, poderá surgir a obrigatoriedade de preenchimento de outros anexos, como os relacionados com o IVA (L, M, N, O e P) e anexo Q, relacionado com o imposto do selo. Como tal, deve analisar as instruções de preenchimento de cada um destes, de modo a verificar a necessidade do seu preenchimento.
Acerca das obrigações em sede de IRC, aconselhamos a leitura do Ofício-circulado n.º 20 219, de 2020-03-16.

 

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