Pareceres
IVA - dedução em gastos relativos a construção de hotel
8 March 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IVA - dedução em gastos relativos a construção de hotel
PT27897 - janeiro de 2024

 

Determinada empresa tem como atividade principal a hotelaria, embora ainda não esteja a exercer na prática a atividade porque está a construir o hotel. Na construção do hotel esta empresa está a deduzir o IVA com esses gastos. A empresa questiona se, emitindo fatura de cedência do hotel com IVA, na eventualidade de não querer explorar o hotel por conta própria e ceder a exploração a outra empresa, essa dedução do IVA na construção do hotel não terá de ser regularizada?


Parecer técnico


O pedido de parecer está relacionado com a dedutibilidade do IVA suportado nos gastos relativos à construção de um hotel por uma empresa que se dedica à atividade de hotelaria. Questiona-nos, na eventualidade da empresa em causa ceder a exploração do hotel a terceiros, liquidando IVA por essa operação, se haverá lugar a regularização do IVA deduzido na construção.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 19.º do Código do IVA, os sujeitos passivos podem deduzir ao imposto por si liquidado, nas operações tributáveis que realizaram, o imposto contido, nas aquisições de bens e serviços a outros sujeitos passivos, nas importações de bens e nas demais operações por si praticadas elencadas nesta norma.
O direito à dedução do imposto suportado está condicionado ao facto de este ser mencionado em documento processado de forma legal, o que se deve entender como contendo os requisitos previstos no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA.
O imposto suportado apenas é suscetível de dedução quando referente a operação em que o sujeito incorreu para a realização das operações por si praticadas e suscetíveis de tributação em sede deste imposto.
Ora, o contrato de cedência de exploração de estabelecimento encontra-se regulado nos artigos 1 109.º e seguintes do Código Civil, consistindo num negócio jurídico através do qual o titular do estabelecimento (cedente) transfere para outrem (cessionário), temporariamente e mediante retribuição, o gozo de um prédio ou parte dele em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial nele instalado.
O objeto da cedência de exploração não é o imóvel em si - caso em que configuraria um contrato de locação comercial e os rendimentos obtidos teriam a natureza de rendimentos prediais - mas sim, o estabelecimento como bem unitário.
Pode definir-se estabelecimento comercial como a pluralidade de coisas, corpóreas (inventários, equipamentos, instrumentos de trabalho, entre outros) e incorpóreas (nome do estabelecimento, direitos provenientes de licenças concedidas pela gerência, entre outras), devidamente organizadas para a prática de uma atividade comercial.
Nas situações em que o contrato determina que o cessionário, além de ficar na posse de toda a documentação necessária para a prossecução da atividade do estabelecimento, fica autorizado, por determinado período e mediante o pagamento de um certo montante, a utilizar todos os equipamentos e utensílios, com vista à exploração económica do estabelecimento, os quais restituirá, finda a cessão, em bom estado de conservação, estamos perante uma cessão de exploração temporária.
A cedência de exploração de imóvel devidamente preparado para o exercício de uma atividade económica, configura uma prestação de serviços sujeita a IVA nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º e n.º 1 do artigo 4.º, ambos do Código do IVA.
Esta operação, por não se enquadrar em nenhuma das verbas previstas nas listas anexas ao Código do IVA, será tributada à taxa normal de imposto, conforme resulta do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA.
Por outro lado, a legislação nacional define o conceito de locação de imóveis como o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, neste caso um imóvel, mediante uma retribuição, conforme o disposto no artigo 1 022.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano.
Ao conceito de locação de imóveis é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, que dispõe que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.» Ou seja, uma vez que se trata de conceito importado de outro ramo de direito, neste caso o Direito Civil, e por este não se encontrar definido pelo Código do IVA, deve ser interpretado no mesmo sentido que lhe é atribuído pelo Código Civil.
Também o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) define o conceito de locação de imóveis para efeitos da isenção do IVA como sendo a operação económica em que o proprietário de um imóvel cede ao locatário o direito de ocupar o imóvel contra o pagamento de uma renda (contraprestação) por um prazo convencionado.
Em termos de IVA, a locação de bens imóveis é considerada uma prestação de serviços sujeita a IVA, de acordo com o conceito residual de prestação de serviços previsto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA (CIVA).
No entanto, o princípio geral segundo o qual o imposto é liquidado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo de imposto prevê determinadas isenções, entre as quais o n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, que determina que a locação de bens imóveis se encontra isenta de IVA.
Uma vez que as isenções de IVA devem ser analisadas de forma estrita, foi, durante muitos anos, entendimento da AT que apenas poderia beneficiar desta isenção a locação que, na sua génese, apenas consubstanciasse a colocação passiva do imóvel à disposição do arrendatário, sem qualquer tipo de serviço associado (conceito de “paredes nuas"), ficando igualmente excluídos bens móveis e equipamentos fixos que fizessem parte integrante do imóvel locado.
Na prática, para efeitos de aplicação desta isenção, ao longo dos anos, foi entendido que se deveria averiguar se o espaço locado se trata das vulgarmente denominadas "paredes nuas" (caso em que aplicaria a isenção), ou se estamos perante a locação de espaço devidamente apetrechado para o exercício de uma atividade económica, usufruindo o adquirente, além do espaço de diversos outros serviços, caso em que poderá não reunir as condições necessárias para manutenção da isenção.
Todavia, com a publicação da informação vinculativa referente ao processo n.º 19 426, por despacho de 28-01-2021, da diretora de serviços do IVA (por subdelegação), aproveitou a AT para alinhar o seu entendimento com a já vasta jurisprudência do TJUE relativamente a esta matéria, tendo ficado estabelecido que:
«(...) para beneficiar de isenção, a locação deve traduzir-se na colocação passiva do imóvel à disposição do locatário, estando ligada ao decurso do tempo e não gerando qualquer valor acrescentado significativo, não sendo acompanhada de quaisquer prestações de serviços que retirem à locação o carácter de preponderância na operação em causa.»
Foi ainda esclarecido que, no caso concreto apresentado:
«(...) resulta dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que a locação de bens móveis objeto do contrato de locação não parece poder ser dissociada da locação do bem imóvel em causa no processo principal. Aliás, nem se contesta que alguns desses bens móveis, como os equipamentos e aparelhos de cozinha, estão incorporados no imóvel e devem, nesta fase, ser considerados parte integrante do mesmo. Na medida em que os bens consumíveis que foram alugados ou, nalguns casos, vendidos, ao mesmo tempo que o imóvel, estavam igualmente afetos à exploração do restaurante, tal como este último, não se pode considerar que esta locação/cessão prossegue uma finalidade própria, mas deve ser vista como um meio para beneficiar nas melhores condições do serviço principal que é a locação do imóvel.»
Deste modo, a AT, em linha com o do TJUE, deixou de decompor artificialmente as locações dos bens imóveis que fossem acompanhadas com bens físicos (móveis ou equipamentos materialmente ligados ao imóvel), passando a considerar que estamos, na verdade, perante uma única prestação de serviços principal (locação passiva do imóvel), sendo os bens e equipamentos um simples meio para beneficiar, em melhores condições, do serviço principal.
Resumidamente, considera-se assim que, mesmo em locações em que do imóvel faça parte integrante a locação de equipamentos ou máquinas, se está perante uma única prestação na qual a prestação principal é a colocação à disposição do bem imóvel, podendo, em tais casos, beneficiar da isenção do imposto.
Mas importa notar que esta análise é casuística e não deve ser tomada como uma "nova regra", pois o que está sempre em causa é determinar quando é que a locação do imóvel é a prestação principal e a locação de demais bens assume um caráter meramente acessório.
No caso concreto deste processo referido analisado pela AT, não obstante da locação do espaço fazerem parte integrante diferentes equipamentos, como, por exemplo, sistema de ar comprimido, tubagens, compressores, equipamentos de ar condicionado e pontes rolantes, configura uma única operação, estando a locação do espaço como a prestação principal consequentemente enquadrado na isenção do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
Assim, importa analisar se estamos perante uma operação passiva (sem qualquer preparação personalizada/customização do local) e sem qualquer serviço associado (como gestão, limpeza, etc.), e se os bens e equipamentos que integrem a locação consistam numa locação independente da principal ou se, por outro lado, apenas são um meio para que o locatário usufrua em melhores condições do imóvel (como acontece, por exemplo, com um ar condicionado ou com umas escadas rolantes), situação em que a operação é consideradas como locações isentas de IVA nos termos do n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
Se, pelo contrário, essas locações forem consideradas como cedências de exploração de estabelecimento comercial, por se tratar de um espaço devidamente preparado para o exercício de uma atividade económica, ou tiver serviços associados indissociáveis desse espaço, são consideradas como prestações de serviços tributáveis em IVA.
Para o enquadramento da operação, a entidade em causa deve atender às condições objetivas da cedência do uso do espaço. Nesta situação, haveria dois possíveis cenários a considerar:
- Caso a locação do espaço se enquadre no conceito "cedência passiva", ou seja, no conceito de arrendamento tal como estabelecido no Código Civil (artigo 1 022.º), a operação ficaria abrangida pela fica isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
Neste caso, a regularização do IVA deduzido, ocorrerá nos termos do artigo 24.º do CIVA, o qual dispõe:
«1 - São regularizadas anualmente as deduções efetuadas quanto a bens não imóveis do ativo imobilizado se entre a percentagem definitiva a que se refere o artigo anterior aplicável no ano do início da utilização do bem e em cada um dos quatro anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano de aquisição houver uma diferença, para mais ou para menos, igual ou superior a cinco pontos percentuais.
2 - São também regularizadas anualmente as deduções efetuadas quanto às despesas de investimento em bens imóveis se entre a percentagem definitiva a que se refere o artigo anterior aplicável no ano de ocupação do bem e em cada um dos 19 anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano da aquisição ou da conclusão das obras houver uma diferença, para mais ou para menos, igual ou superior a cinco pontos percentuais.»
No caso de bens imóveis, relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respetiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, haverá lugar à regularização quando o imóvel passe a ser objeto de uma locação isenta, nos termos do n.º 29) do artigo 9.º do CIVA [c) do n.º 6 do artigo 24.º do CIVA].
Neste âmbito, enquadrando-se a operação como isenta, poderá o sujeito passivo que procede à locação do imóvel a outro sujeito passivo, que o utilize, total ou predominantemente, em atividades que conferem direito à dedução, renunciar à isenção prevista no n.º 29) do artigo 9.º, conforme n.º 4 do artigo 12.º do CIVA.
2.º - Se a locação do espaço for acompanhada de outros elementos, nomeadamente acompanhada de serviços como limpeza, comunicação, eletricidade, etc., em conjunto com as instalações (figura esta expressamente excluída da regra que determina a isenção, em sede deste imposto), qualifica-se em termos de IVA como uma prestação de serviços (conforme resulta do conceito delimitado no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA) não isenta, devendo proceder-se à liquidação de IVA à taxa geral de 23% [alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA].
Concluindo, na medida em que a operação possa ser considerada uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, não haverá lugar a obrigação de regularização do IVA deduzido na construção.
Todavia, atendendo à especificidade da operação, assiste ao sujeito passivo a possibilidade de efetuar um pedido de informação vinculativa à Autoridade Tributária, nos termos do artigo 68.º da Lei Geral Tributária.
As informações vinculativas são requeridas ao diretor-geral dos Impostos, através do preenchimento de formulário e remetidas através de submissão eletrónica no portal da Autoridade Tributária, sendo o pedido obrigatoriamente acompanhado da descrição dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se requer.
Conforme determina o n.º 4 do artigo 68.º da LGT, o pedido pode ser apresentado por sujeitos passivos, outros interessados ou seus representantes legais, por via eletrónica e segundo modelo oficial a aprovar pelo dirigente máximo do serviço, e a resposta é notificada pela mesma via no prazo máximo de 150 dias.
Face ao n.º 5 do mesmo artigo, as informações vinculativas podem ser requeridas por advogados, solicitadores, revisores oficiais de contas e contabilistas certificados ou por quaisquer entidades habilitadas ao exercício da consultadoria fiscal acerca da situação tributária dos seus clientes devidamente identificados, sendo obrigatoriamente comunicadas também a estes.
A informação vinculativa é uma salvaguarda para todos os intervenientes da situação, porquanto o n.º 14 do artigo 68.º da LGT, refere que «a Administração Tributária, em relação ao objeto do pedido, não pode posteriormente proceder em sentido diverso da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial», ou seja, sendo prestada uma informação vinculativa e agindo o contribuinte em conformidade com o informado, não pode posteriormente a administração efetuar um enquadramento jurídico-tributário diferente.
Por último, importa referir que, praticando o sujeito passivo operações isentas e operações sujeitas a imposto e dele não isentas, que conferem direito à dedução, será considerado um sujeito passivo misto para efeitos deste imposto, ficando obrigado ao mecanismo do apuramento do direito à dedução a que se refere o artigo 23.º do CIVA. Assim, verificando-se o referido, deve o sujeito passivo proceder à entrega de uma declaração de alterações nos termos do artigo 32.º do CIVA.

 

Notícias & Comunicados