PT20376 –
Imparidades em dívidas de clientes - Correções de erros
Um contabilista certificado, responsável pela contabilidade de uma IPSS, pretende saber o seguinte:
Ao verificar o saldo na conta de clientes/utentes em mora há mais de 12 meses, a Instituição efetuou várias tentativas de recebimento da divida da utente, havendo provas disso, sem qualquer êxito. A Direção decidiu que deveria ser constituída a perda por imparidade face a este crédito.
Contabilisticamente a dívida a receber foi considerada de cobrança duvidosa, efetuando se o seguinte lançamento: 21x - clientes cobrança duvidosa/ a 211- clientes c/c
Relativamente à perda por imparidade, visto que o valor da dívida é o acumulado de vários anos anteriores, de 2012 a 2014, o mesmo deve ser registado na conta 6511 - Perdas por imparidade - clientes, por contrapartida da conta 219 - Perdas por imparidade acumuladas? É incorreto registar numa conta de Fundos Patrimoniais? Visto que o valor se refere a anos anteriores e terá um impacto bastante negativo no exercício em que está a ser reconhecida a imparidade, por se considerar numa conta de resultados (classe 6).
Parecer técnico
Na normalização contabilística prevista para as entidades do setor não lucrativo, as dívidas a receber, nomeadamente dívidas de clientes, têm o seu tratamento contabilístico previsto no § 17 da NC-ESNL - Instrumentos Financeiros.
Como exemplo de ativos financeiros com maturidade definida, refere-se as dívidas a receber de clientes, que devem ser mensuradas ao custo (ou custo amortizado) menos perdas por imparidade.
O reconhecimento das perdas por imparidade destas dívidas a receber de clientes deve ser avaliada em cada data de relato, ou seja, no final do período contabilístico. Este reconhecimento de perdas por imparidade é efetuado apenas se existir uma evidência objetiva de um evento de perda, conforme referido no parágrafo 17.6 da NC-ESNL.
No parágrafo 17.7, a norma estabelece alguns tipos de evidências objetivas de eventos de perda para se verificar se existe a necessidade, ou não, do reconhecimento da perda de imparidade, como por exemplo: significativa dificuldade financeira do devedor; não pagamento ou incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida no prazo estabelecido contratualmente; probabilidade do devedor entrar em falência (insolvência); entre outras.
Com a verificação de evidências objetivas da existência destes eventos de perda, a entidade passará a reconhecer a perda por imparidade, reduzindo, ou anulando na totalidade, o valor do ativo.
Note que este procedimento depende de uma avaliação da situação do crédito em causa, pelos órgãos estatutários, que deverá apreciar se, de acordo com as informações que disponha, existe, ou não, risco que deva ser devidamente refletido, não sendo esta uma decisão do Contabilista Certificado, sem prejuízo do apoio que este possa oferecer nessa apreciação.
Verificando-se a existência do risco de cobrança de uma dívida de um cliente (após a apreciação acima) deverá a informação ser refletida em conformidade na contabilidade, transferindo-se o valor de uma conta corrente de clientes (211 - Clientes e utentes c/c) para uma conta de evidência do risco (por exemplo: 217 - Clientes e utentes de cobrança duvidosa) e reconhecendo-se a imparidade respetiva.
A documentação de suporte atenderá à situação específica e terá em conta as particularidades da situação (em termos de controlo interno) mas deverá conter, pelo menos, as referências ao cliente em causa, às faturas em dívida (valores e datas), à mora (se existir), aos procedimentos infrutíferos de cobrança, bem como outras informações que existam que atestem a existência do risco de cobrança que justifica a constituição da imparidade.
A perda por imparidade será registada na conta 219 - Clientes - Perdas por imparidade acumuladas, por contrapartida de gastos, conta 65 - Perdas por imparidade, passando esta conta de ativo a estar valorizada pela respetiva quantia escriturada (custo menos qualquer perda por imparidade acumulada).
Quando, e se, deixarem de existir esses eventos de perda (por exemplo, se o cliente começar a pagar a dívida), deverá ser desreconhecida a referida imparidade, procedendo-se à reversão da perda por imparidade, conforme previsto no parágrafo 17.11da NC-ESNL.
Essa reversão será efetuada através do crédito da conta 76211 - Reversões - De perdas por imparidade - Em dívidas a receber - Clientes, por contrapartida do débito da conta 219 - Clientes - Perdas por imparidade acumuladas, pela reversão (anulação) da perda por imparidade.
Questão diferente será o desreconhecimento dessas dívidas de clientes (ativo financeiro) que deve apenas ocorrer quando se receberem os referidos montantes ou se de alguma forma se extinguir o direito a receber os valores, por exemplo, por declaração de que os créditos se tornarem incobráveis em processo de insolvência ou por outro ato administrativo, legal ou judicial, conforme disposto no parágrafo 17.13 da NC-ESNL.
O tratamento contabilístico para o desreconhecimento de dívidas a receber, que já se encontram ajustadas pelo reconhecimento de perdas por imparidade em períodos anteriores, passará pelo débito da conta 219 - perdas por imparidade por crédito da conta 217 - clientes - cobrança duvidosa.
Quando as dívidas não se encontram ajustadas pelo reconhecimento de perdas por imparidade em períodos anteriores (i.e., não tenha sido reconhecida qualquer perda por imparidade), o desreconhecimento passará pela movimentação a crédito da conta 211 - Clientes c/c por contrapartida do débito da conta 683 - Dívidas incobráveis. Ou seja, aqui não se movimenta a conta 219 já que o que se pretende é desreconhecer o ativo.
Como suporte ao movimento deverá ser utilizado (para além da informação relativa ao crédito e às imparidades que tenham, ou não, sido já registadas) o documento ou documentos que atestem a situação que lhe dá origem, seja esta uma decisão da gestão ou resultante de um processo judicial.
Concretamente em relação à questão colocada, importa definir quando é que o órgão de gestão concluiu pela imparidade dos clientes. Pois, ainda que se tratem de dívidas de vários anos, poderá entender-se que o risco de cobrabilidade só agora se verificou.
Não sendo o caso, ou seja, se admitirmos que se tratou de um erro, pois, efetivamente o risco de cobrabilidade já se verificava no ano anterior, então ter-se-á que analisar o disposto nos parágrafos 6.8 a 6.10 da NC-ESNL. Apenas se admite a correção via resultados transitados, caso a correção seja materialmente relevante.