Pareceres
Doação de veículo ligeiro de passageiros
27 March 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


Doação de veículo ligeiro de passageiros
PT27915 – janeiro de 2024

 

Determinada empresa pretende doar a um particular um veículo ligeiro de passageiros, que faz parte do imobilizado da empresa, mas está totalmente amortizado. Quais os envolvimentos fiscais desta situação?


Parecer técnico


O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal da doação de «(...) um veículo ligeiro de passageiros, que faz parte do imobilizado da empresa, (...), a um particular.» É-nos também referido que a viatura em causa se encontra totalmente depreciada.
O n.º 1 do artigo 940.º do Código Civil define que «[d]oação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício de outro contraente.»
Estando a empresa em causa a efetuar uma doação de uma viatura do seu imobilizado, tal facto implica em termos contabilísticos o desreconhecimento do item do ativo e o consequente registo da perda resultante (caso o bem não esteja totalmente depreciado).
Por outro lado, se o bem do ativo se encontra totalmente depreciado, o que se verifica no caso em concreto, então não existirá qualquer perda a registar.
De acordo com o parágrafo 66 da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) 7 - Ativos fixos tangíveis, os ativos fixos tangíveis deverão ser desreconhecidos, ou seja, retirados do balanço, sempre que os mesmos já não desempenhem qualquer função para a empresa ou não sejam suscetíveis de proporcionar benefícios futuros, independentemente de estarem, ou não, totalmente depreciados, ou então, sejam alienados.
Os itens do ativo fixo tangível, deverão ser desreconhecidos pela respetiva quantia escriturada, conforme refere o mesmo parágrafo 66. Efetivamente, de acordo com a NCRF 1 - Estrutura e conteúdo das demonstrações financeiras, o balanço no âmbito do SNC deverá ser preparado e apresentado com base nas quantias recuperáveis ou liquidáveis dos vários itens ativos ou passivos.
Por definição, a quantia escriturada de um ativo deverá ser a sua quantia recuperável no final do período, ou seja, será o respetivo custo líquido de quaisquer depreciações e/ou perdas por imparidade já reconhecidas nesse período.
Como exemplo de retiradas de ativos fixos tangíveis do balanço, existirão as alienações, abates por obsolescência, sinistros ou doações.
A doação de um ativo fixo tangível deverá originar o apuramento de uma perda, sendo o valor líquido contabilístico (quantia escriturada) do mesmo item, conforme disposto no parágrafo 70 da NCRF 7.
Por sua vez, o valor líquido contabilístico (quantia escriturada) resulta da diferença entre o custo de aquisição do bem e o valor das respetivas depreciações e perdas por imparidade acumuladas, conforme definição prevista no parágrafo 6 da NCRF 7.
No caso de doações, pressupondo que não existe o recebimento de qualquer compensação, a operação irá sempre originar uma menos-valia (perda), se o bem não estiver totalmente depreciado à data da doação.
Por outro lado, se o bem do ativo se encontra totalmente depreciado, o que se verifica no caso em concreto, então não existirá qualquer perda a registar.
Em termos de registos contabilísticos, tendo em consideração que o ativo se encontra totalmente depreciado, poderá efetuar:
Pela anulação das depreciações acumuladas e determinação da quantia escriturada:
- Débito da conta 4384X - Ativos fixos tangíveis - Depreciações acumuladas; e/ou
- Débito da conta 4394X - Ativos fixos tangíveis - Perdas por imparidade acumuladas;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 434X - Ativos fixos tangíveis - Equipamento de transporte (pelo montante das depreciações e/ou perdas por imparidade acumuladas).
Caso nos encontrássemos perante um ativo que não esteja totalmente depreciado, posteriormente, seria necessário proceder à contabilização da perda, nomeadamente:
- Débito da conta 6875 - Doações;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 434X - Ativos fixos tangíveis - Equipamento de transporte (pela quantia escriturada (valor líquido contabilístico).
No entanto, no caso em concreto, tal contabilização não será necessária.
No âmbito do SNC, apenas deverá efetuar depreciações ao ativo fixo tangível até ao período imediatamente anterior ao da transmissão (ano anterior ou mês anterior, se estiver a utilizar o regime dos duodécimos das depreciações).
Para efeitos de IRC, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
No entanto, no caso em concreto, estando a viatura totalmente depreciada, não será contabilizado qualquer gasto, pelo que a sua aceitação em termos fiscais, não será colocada em causa.
No tratamento, em sede de IVA, das doações de bens efetuadas por sujeitos passivos do imposto, há que se atender às regras estabelecidas no Código do IVA (CIVA) para as transmissões gratuitas de bens.
O artigo 1.º do CIVA estabelece que as transmissões de bens, tal como definidas no artigo 3.º, estão sujeitas a imposto, sendo esse imposto devido e exigível, ao Estado, quando os bens são postos à disposição, conforme disposto no n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Código.
Por sua vez, a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA considera como assimiladas a transmissão de bens, a transmissão gratuita quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto.
Assim, se o imposto suportado na aquisição da viatura em causa tiver sido deduzido, ainda que parcialmente, pela empresa, a transferência a título gratuito será assimilada a uma transmissão onerosa de bens, devendo essa operação ser sujeita a tributação em sede de IVA.
Por outro lado, chamamos a atenção de que, caso não tenha sido exercido o direito à dedução, nomeadamente por enquadramento no artigo 21.º do CIVA, esta transmissão a título gratuito poderá não configurar uma transmissão de bens, podendo estar, deste modo, fora do âmbito de incidência do imposto, e, consequentemente, não sendo por isso tributada em sede de IVA.
Tratando-se, como referido no parágrafo anterior, de uma operação não sujeita a IVA, não terá a mesma de ser suportada através de um documento emitido nos termos do CIVA e respetiva legislação complementar, pelo que não será necessário, emitir uma fatura.
Porém, a sua emissão é aconselhada, ainda que possa tratar-se, como referido, de uma operação não sujeita a IVA.
Esta operação também não deverá, por falta de campo, ser inscrita na declaração periódica do IVA.
Por outro lado, caso se conclua que se trata de uma operação sujeita a IVA, atendendo a que estamos perante uma transmissão efetuada a título gratuito, que reúne, ainda assim, os pressupostos de incidência do imposto, conforme artigo 3.º, n.º 3 alínea f) e n.º 7, deverá ser emitida fatura e liquidado o IVA relativo a essa operação cujo valor tributável determinado nos termos do artigo 16.º do CIVA, n.º 2 alínea b) será:
«b) Para as operações referidas nas alíneas f) e g) do n.º 3 do artigo 3.º, o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.»
De acordo com entendimento da Autoridade Tributária, constante do Ofício-Circulado n.º 12370, de 1 de fevereiro de 1989, o preço de custo reportado ao momento da realização das operações deverá ter em conta o valor das depreciações praticadas e aceites para efeitos fiscais, bem como o valor da correção monetária (por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda publicados anualmente em portaria do Ministro das Finanças) quando sobre a data de aquisição tenham decorrido mais de dois anos.
Sendo possível determinar (e comprovar) o preço de custo do bem ao momento e lugar a que se reporta a operação (no caso, a operação de doação), será este a considerar para a liquidação do imposto. Caso não esteja disponível, ou a entidade não tenha forma de o comprovar, tomará como base o preço de aquisição reportado ao momento da operação de acordo com o referido acima.
O imposto liquidado, neste caso, não é obrigatoriamente repercutido na fatura ao adquirente, de acordo com o n.º 3 do artigo 37.º do CIVA, podendo ser liquidado com base em documento interno.
Na declaração periódica deverá ser indicada a base tributável no campo 3 e o imposto liquidado no campo 4 do quadro 3, em simultâneo deverá constar no campo 103 do quadro 06-A.
Efetuado o enquadramento da operação, cumpre, contudo, notar que o mesmo é efetuado assumindo que nos encontramos perante uma doação a um particular, sem relação com a entidade.
No entanto, se a referida doação for efetuada a um dos seus sócios, estamos perante uma operação que envolve partes relacionadas (entidades com relações especiais). Assim devem estas operações respeitar as regras de preços de transferência previstas no artigo 63.º do CIRC (cuja análise recomendamos), pelo que deverão ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.
De facto, será importante recordar que existe distinção jurídica entre o sócio e a sociedade, não se podendo, deste modo, confundir os patrimónios de ambos, pelo que não poderão os sócios gerir o património da sociedade de forma danosa para a mesma.
Por último, no caso de se tratar de um colaborador ou sócio-gerente, podemos estar na presença de um rendimento em espécie na sua esfera particular.
Para efeitos de IRS, de acordo com o disposto no artigo 2.º do Código do IRS (CIRS), consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado.
Nesta aceção, o n.º 2 do mesmo artigo clarifica que as remunerações referidas compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas, bem como as remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.
Por sua vez, a redação da alínea b) do n.º 3 do referido artigo 2.º do CIRS dispõe que se consideram ainda rendimentos do trabalho dependente as remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica.
Ora, nestes termos, entende-se que todas as remunerações, direitos, benefícios ou regalias que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta, e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem, são considerados rendimentos do trabalho dependente.
Em suma, ao definir um conceito amplo de remuneração para efeitos fiscais, o legislador pretendeu abranger uma extensa diversidade de prestações que os colaboradores recebem no âmbito da sua relação laboral, quer se trate de rendimentos pecuniários quer se trate de rendimentos em espécie ou outras vantagens que consistam em compensações relacionadas com a prestação de trabalho.
Acrescenta explicitamente a subalínea 10) da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS que é considerado rendimento do trabalho dependente o resultante «(...) da aquisição pelo trabalhador ou membro de órgão social, por preço inferior ao valor de mercado, de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal.»
Nesse sentido, a doação da viatura a um colaborador ou sócio-gerente, configurando uma transmissão abaixo do valor de mercado, será então enquadrada num rendimento em espécie, tributado em sede de IRS como rendimento da categoria A.

 

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