PT20582 - IRC - Regime simplificado e dação em cumprimento
01-04-2018
Uma sociedade (que aplica a norma das microentidades) está inscrita no regime simplificado de IRC. Dedica-se à compra e venda de imóveis.
A sociedade pretende fazer uma dação em cumprimento com determinados imóveis que estão no seu inventário para pagamento de suprimentos a um dos sócios. O valor da dação será pelo custo histórico dos imóveis (inferior ao VPT).
Questão 1: deve aplicar-se o coeficiente de 0,04 à operação, como se de uma venda se tratasse?
Questão 2: aplica-se o disposto no artigo 64.º do CIRC, isto é, o valor da operação deve ser corrigido para o VPT?
Questão 3: em caso afirmativo às duas anteriores, o volume de negócios para efeitos de definição do limite do regime simplificado deve considerar a operação pelo VPT ou custo histórico?
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico e fiscal da entrega de bens imóveis, classificados como inventários, para efetuar a liquidação de suprimentos a um sócio. Esta entrega dos bens imóveis para liquidar a dívida corresponde a uma dação em cumprimento.
A entidade em causa está a adotar a Norma Contabilística para Microentidades (NC-ME), estando enquadrada no regime simplificado de determinação da matéria coletável de IRC.
A dação em cumprimento é um pagamento em espécie, que se traduz na liquidação da dívida ao credor através de bens em substituição de dinheiro, podendo ser efetuada desde que o credor dê o seu consentimento.
Em termos legais, o artigo 837.º do Código Civil prevê a dação em cumprimento como prestação de coisa diversa da que for devida que pode ser, de valor superior, exonerando o devedor desde que o credor dê o seu assentimento.
Em termos financeiros, a dação em cumprimento corresponde a um encontro de contas entre dívida ao sócio e o valor dos bens entregues, isto é, a entidade anula (desreconhece) a dívida a pagar ao sócio e o sócio aceita em troca um bem de valor igual ou superior.
Em termos contabilísticos, a operação de entrega dos bens para liquidar a dívida deve ter um tratamento normal, tal como se fosse uma venda normal de inventários, havendo que reconhecer o rédito pela venda do inventário nos termos do capítulo 12 da Norma Contabilística para Microentidades (NC-ME) e o respetivo do gasto de vendas nos termos do capítulo 11 da NCM.
Com a dação em cumprimento dos imóveis, a empresa deve proceder ao reconhecimento do rédito proveniente da venda de bens, pressupondo que estejam satisfeitas todas as condições previstas no parágrafo 12.4 da NCM, a seguir referidas:
- A entidade tenha transferido para o comprador os riscos e vantagens significativos da propriedade dos bens;
- A entidade não mantenha envolvimento continuado de gestão com grau geralmente associado com a posse, nem o controlo efetivo dos bens vendidos;
- A quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada;
- Seja provável que os benefícios económicos associados com a transação fluam para a entidade; e
- Os custos incorridos ou a serem incorridos referentes à transação possam ser fiavelmente mensurados.
Esse rédito deve ser mensurado pela quantia da contraprestação acordada a qual, em geral, é determinada por acordo entre a entidade e o comprador do ativo. No caso em concreto, o montante do rédito pode ser determinado pelo montante dos suprimentos a liquidar ao sócio.
Simultaneamente, há que efetuar o reconhecimento do gasto das vendas, correspondente ao custo específico do imóvel alienado, conforme previsto no parágrafo 11.9 da NCM.
Os registos contabilísticos da dação em cumprimento dos imóveis para a liquidação dos suprimentos ao sócio podem ser:
Pelo reconhecimento rédito pela venda do imóvel:
- Débito da conta 21 - "Clientes" por contrapartida a crédito da conta 71 - "Vendas", pelo montante do rédito.
Pelo desreconhecimento do imóvel do inventário e reconhecimento do gasto de vendas:
- Débito da conta 61 - "Custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas" por contrapartida a crédito da conta 32 - "Mercadorias", pelo custo específico do imóvel.
Pelo encontro de contas, em resultado da dação em cumprimento:
- Débito da conta 2532 - "Outros participantes - Suprimentos e outros mútuos" por contrapartida a crédito da conta 21 - "Clientes", pelo valor acordado entre as partes da dação em cumprimento.
Em termos de IRC, no âmbito do regime simplificado de determinação da matéria coletável, ao valor do rédito de venda dos imóveis, apurado de acordo com o valor dos suprimentos a liquidar, deve ser aplicado o coeficiente 0,04, atendendo a que se trata da venda de inventários (mercadorias ou produtos), conforme a alínea a) do n.º 1 do artigo 86.º-B do CIRC.
De acordo com o n.º 4 do artigo 86.º-B do CIRC, tratando-se da transmissão onerosa de um bem imóvel (através da escritura de permuta), há que efetuar a correção ao valor de venda para o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel à data da venda, quando este último for superior ao primeiro nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 64.º do CIRC.
Para efeitos do volume de negócios, deve atender-se ao respetivo valor do rédito pela venda dos bens, contabilizado nos termos da NC-ME, não sendo relevante o valor patrimonial tributário.