IRC - regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas
PT27920 - janeiro de 2024
No caso de empresas elegíveis para aplicar o regime fiscal de incentivo à capitalização de empresas, como deve ser preenchida a declaração modelo 22 e quais as contas do SNC a movimentar?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao regime fiscal de incentivo à capitalização das empresas (ICE), criado pelo artigo 251.º da Lei do Orçamento do Estado para 2023 (Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro), através do aditamento ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) do artigo 43.º-D.
Posteriormente, esta norma veio a ser alterada pelo artigo 5.º da Lei n.º 20/2023, de 17 de maio.
Tanto a Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, como, posteriormente, a Lei n.º 20/2023, de 17 de maio, estabeleceram, respetivamente, nos seus artigos 252.º e 12.º, regimes transitórios aplicáveis ao ICE.
Recomenda-se a análise da legislação referida e do Ofício-Circulado n.º 20 261, de 2023-10-16, entretanto publicado pela Autoridade Tributária (AT) para esclarecer diversas dúvidas sobre este novo benefício.
Entretanto, a Lei do Orçamento do Estado para 2024 introduziu alterações relevantes a este benefício.
Todavia, visto que, na questão colocada, pressupomos que estará em causa a utilização do ICE no exercício de 2023, iremos responder de acordo com a redação em vigor para esse período.
Âmbito subjetivo
Em termos genéricos, este regime fiscal aplica-se a sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, cooperativas, empresas públicas, e demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português que, no exercício em causa, exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e que preencham, cumulativamente, as seguintes condições:
- Não sejam entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal ou da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, nem sucursais em Portugal de instituições de crédito, de outras instituições financeiras ou de empresas de seguros;
- Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;
- O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos; e
- Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada.
Dedução ao lucro tributável
O benefício fiscal opera por dedução ao lucro tributável, devendo ser inscrito no campo 774 do quadro 07 da declaração modelo 22 e preenchido o campo 437 do quadro 04 do anexo D à declaração modelo 22.
Para o exercício de 2023, o benefício fiscal consiste na dedução de uma importância correspondente à aplicação da taxa de 4,5 por cento ao montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis. Sendo que esta taxa pode ser majorada em 0,5 pontos percentuais caso o sujeito passivo se qualifique como micro, pequena ou média empresa ou empresa de pequena-média capitalização (Small Mid Cap), de acordo com os critérios previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.
Para este efeito, a legislação vigente no exercício de 2023 determinava que o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis deve ser apurado por referência ao somatório dos valores apurados no próprio exercício e em cada um dos nove períodos de tributação anteriores (a Lei do Orçamento do Estado para 2024 alterou para seis períodos de tributação anteriores), considerando-se que o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis corresponde a zero nas situações em que desse somatório resulte uma diferença negativa.
No exercício de 2023, essa dedução não pode exceder dois milhões de euros ou 30 por cento do resultado antes de depreciações, amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos nos termos do artigo 67.º do Código do IRC, dos dois o maior, sendo que a parte da dedução que exceda este último limite é dedutível na determinação do lucro tributável de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, após a dedução relativa a esse mesmo período, com os referidos limites previstos no n.º 4 do artigo 43.º-D do EBF.
«Aumentos de capitais próprios elegíveis» e «Aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis»
Para o cálculo deste benefício fiscal é muito importante analisar os conceitos de «Aumentos de capitais próprios elegíveis» e de «Aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis», previstos no referido artigo 43.º-D do EBF (vide n.º 6).
Assim, para efeitos de aplicação deste incentivo, considera-se «Aumentos de capitais próprios elegíveis»:
- As entradas realizadas em dinheiro no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital social da sociedade beneficiária;
- As entradas em espécie realizadas no âmbito de aumento do capital social que correspondam à conversão de créditos em capital;
- Os prémios de emissão de participações sociais;
- A aplicação dos lucros contabilísticos passíveis de distribuição, de acordo com a legislação comercial, em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital.
Nos termos da subalínea iv) da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º-D do EBF, na redação dada pela Lei n.º 20/2023 de 17 de maio, considera-se aumentos de capitais próprios elegíveis «(...) A aplicação dos lucros contabilísticos passíveis de distribuição, de acordo com a legislação comercial, em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital (...).»
Importa esclarecer que os «lucros contabilísticos» aí mencionados correspondem ao «resultado líquido do período» a ser inscrito no campo 701 da correspondente declaração modelo 22 sem qualquer ajustamento para efeitos fiscais, por a norma assim não o prever, não relevando, nestes termos, o lucro tributável, mas sim o resultado líquido do período de tributação em causa, determinado nos termos das normas contabilísticas aplicáveis.
Contudo, haverá que ter em consideração que no âmbito do presente benefício apenas são de considerar os lucros contabilísticos «passíveis de distribuição», pelo que, para o efeito, deverá considerar-se o que determina a legislação comercial aplicável quanto a esta matéria, designadamente, o que se encontra estabelecido nos artigos 32.º e 33.º do Código das Sociedades Comerciais.
Quanto ao período de tributação em que devem relevar os aumentos de capitais próprios elegíveis a que se refere a subalínea iv) da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º-D do EBF, importa salientar que o referido normativo alude expressamente à aplicação dos lucros que reúnam as condições aí definidas.
A referência a «aplicação» dos lucros reporta-se ao período em que a aplicação é efetivamente efetuada e contabilizada, por exemplo, ao período em que, após a deliberação, ocorre a aplicação em resultados transitados ou, diretamente, em reservas ou no aumento do capital, conforme resulta da conjugação do disposto no n.º 9 do artigo 43.º-D do EBF com o disposto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 20/2023 (regime transitório).
Neste aspeto concreto, o ICE é um regime mais abrangente do que o previsto na remuneração convencional do capital social.
Na remuneração convencional do capital social, a única aplicação possível do resultado líquido do período era por aumento de capital social com recurso aos lucros gerados no próprio exercício.
O ICE mantém a possibilidade de aumentar capital social com recurso aos lucros, mas, neste caso, os gerados no exercício anterior. Porém, se não houver interesse dos sócios nesse aumento de capital social, bastará que os lucros contabilísticos sejam passíveis de distribuição de acordo com a legislação comercial e com o contrato de sociedade, e sejam aplicados em resultados transitados ou, diretamente, em reservas livres.
Quanto à contabilização da aplicação dos resultados do período anterior, esta é efetuada nos termos gerais previstos nas normas contabilísticas.
Para efeitos do ICE, considera-se «Aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis», a diferença, positiva ou negativa, entre:
- Os aumentos dos capitais próprios elegíveis (conceito acima descrito); e,
- As saídas, em dinheiro ou em espécie, a favor dos titulares do capital, a título de redução do mesmo ou de partilha do património, e as distribuições de reservas ou resultados transitados.
Nos termos do n.º 9 do artigo 43.º-D do EBF, apenas se consideram os aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis verificados nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2023.
Pelo que, o cálculo do benefício deverá ser efetuado por recurso a uma conta-corrente em que é considerado o somatório dos valores dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis apurados no próprio período e em cada um dos nove períodos de tributação anteriores (redação de 2023), relevando apenas os que se verifiquem nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2023 e considerando-se que, para efeitos da dedução a que se refere o n.º 1 do artigo 43.º-D do EBF, o montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis corresponde a zero nas situações em que desse somatório resulte uma diferença negativa.
Muito dificilmente se conseguirá efetuar o controlo desta conta-corrente somente pelos valores do balancete, recomendando-se que o controlo seja efetuado de forma extracontabilística, designadamente mediante a utilização de uma folha de cálculo.
De facto, os valores relevantes para determinação dos aumentos líquidos dos capitais próprios elegíveis poderão estar dispersos por diversas contas da classe 5 (contas 51x, 54x, 55x e 56x). Mas também poderão existir movimentos nestas contas que não são relevantes nem devem ser tidos em conta para efeitos do ICE.
Recomenda-se a análise do exemplo prático disponível no Ofício-Circulado n.º 20 261, de 2023-10-16, publicado pela AT.
Regime transitório
De acordo com o regime transitório vertido no n.º 1 do artigo 252.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro (Lei do OE/2023), apenas são de considerar, no âmbito do ICE, os aumentos líquidos dos capitais próprios que ocorram nos períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2023.
Porém, veio o regime transitório ínsito no artigo 12.º da Lei n.º 20/2023 esclarecer, no seu n.º 2, que, «sem prejuízo do disposto no n.º 1, não são considerados para efeitos da subalínea iv) da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º -D do EBF os aumentos de capital efetuados com recurso aos lucros gerados no período de tributação com início em 2022 que tenham beneficiado do regime da remuneração convencional do capital social previsto no anterior artigo 41.º-A deste Estatuto.»
Conclui-se assim que, caso uma determinada entidade tenha beneficiado do regime previsto no artigo 41.º-A do EBF (remuneração convencional do capital social) relativamente a aumentos de capital efetuados com recurso aos lucros gerados no período de tributação de 2022, não poderá, relativamente às mesmas importâncias, beneficiar do ICE.
Normas antiabuso
Nos termos do n.º 8 do artigo 43.º-D do EBF, na redação em vigor em 2023, são excluídas algumas situações que, não obstante poderem ser de considerar como aumentos de capitais próprios elegíveis face à redação da alínea a) do n.º 6 do mesmo normativo, não devem ser consideradas como tal, para efeitos do presente regime, designadamente:
- Entradas realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital da sociedade beneficiária, que sejam financiadas por aumentos de capitais próprios elegíveis na esfera de outra entidade;
- Entradas realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital da sociedade beneficiária por entidade com a qual o sujeito passivo esteja em situação de relações especiais que sejam financiadas através de mútuos concedidos pelo próprio sujeito passivo ou por outra entidade com a qual essa entidade e o sujeito passivo estejam em situação de relações especiais;
- Entradas realizadas em dinheiro, no âmbito da constituição de sociedades ou do aumento do capital da sociedade beneficiária, por uma entidade que não seja residente para efeitos fiscais noutro Estado-membro da União Europeia ou no Espaço Económico Europeu ou noutro Estado ou jurisdição com o qual esteja em vigor convenção para evitar a dupla tributação internacional, acordo bilateral ou multilateral que preveja a troca de informações para fins fiscais.