PT20857 – Goodwill negativo
Junho 2018
Existiu um trepasse de um estabelecimento comercial (neste caso, de um restaurante) no valor de 70.000 euros. Nesse trespasse existiu a transmissão de mercadorias/móveis/utensílios (facas, pratos, forno, televisão, software de faturação, mesas, etc) e essa transmissão perfez um valor de 73.000 euros (superior ao valor do trespasse). Como contabilizo o trespasse? E quanto às amortizações? A diferença dos 73.000 euros para os 70.000 euros não é considerada um goodwill negativo e não tem que ser reconhecida imediatamente nos resultados (rendimento)? Se sim, qual a conta mais adequada?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao tratamento com o tratamento contabilístico e fiscal de uma concentração de atividade empresarial, na esfera do adquirente, quando este efetua a compra da atividade empresarial a baixo preço.
O tratamento contabilístico das concentrações de atividades empresariais está previsto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 14 – "Concentrações de atividades empresariais”.
Em primeiro lugar, há a referir que o Decreto-Lei nº 98/2015, de 02 de junho, procedeu a uma alteração à NCRF 14 (através do Aviso nº 8256/2015, 29/07), nomeadamente quanto ao tratamento contabilístico do designado "goodwill negativo”, ou seja, quando a adquirente efetua a aquisição de uma atividade empresarial a baixo preço.
Até ao período de 2015, inclusive, o parágrafo 36 da NCRF 14 estabelecia que se o interesse da adquirente no justo valor líquido dos ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis reconhecidos de acordo com o parágrafo 23 exceder o custo da concentração de atividades empresariais, a adquirente devia reavaliar a identificação e a mensuração dos ativos, passivos e passivos contingentes identificáveis da adquirida e a mensuração do custo da concentração, e de seguida reconhecer imediatamente nos resultados qualquer excesso remanescente após a reavaliação.
Na prática, até essa data, o goodwill negativo deveria ser imediatamente reconhecido nos resultados do período, com registo numa conta 78 – "Outros rendimentos”.
Em termos de IRC (até 2015), o referido rendimento reconhecido no período (conta 78) decorrente do "goodwill negativo” deveria ser considerado como um rendimento tributável no período, nos termos genéricos do artigo 20º do Código desse imposto.
Como não existe qualquer norma específica no Código de IRC que determine o diferimento da sujeição a tributação do referido rendimento de goodwill negativo, esse rendimento é relevante fiscalmente no período em que for contabilizado, atendendo ao modelo de dependência parcial do IRC face à contabilidade (artigo 17º do CIRC).
No caso em concreto, não se pode aplicar as normas de diferimento da tributação previstas nos nº 8 e 9 do artigo 18º do CIRC, pois o rendimento reconhecido referente ao goodwill negativo não resulta da utilização do método de equivalência patrimonial, nem de ajustamentos decorrentes da aplicação de mensuração por modelos de justo valor.
Tal entendimento está previsto no Relatório do Grupo de Trabalho criado por Despacho de 23 de janeiro de 2006 do Secretário dos Assuntos Fiscais relativo ao "Impacto fiscal das Normas Internacionais de Contabilidade”, que teve por objetivo adaptar o Código do IRC ao Sistema de Normalização Contabilística.
A partir do período de 2016, inclusive, através da alteração da NCRF 14, nas compras a baixo preço (atualmente previstas nos parágrafos 48 a 50), a referida diferença negativa entre o custo da concentração e os justos valores dos ativos adquiridos e passivos e passivos contingentes assumidos identificáveis deve ser reconhecida como ganho nos resultados à data da sua realização.
Como se constata, com a versão de 2016 da NCRF 14, o parágrafo 48 determina que a adquirente deve reconhecer o ganho nos resultados apenas à data da realização, ao contrário do anteriormente estipulado, que era imediatamente.
Em princípio, este ganho deve permanecer diferido até à data que se demonstre a sua realização, obrigando a adquirente a justificar o reconhecimento de um ganho proveniente do que é essencialmente um acumulado de estimativas contabilísticas (justo valor dos ativos, passivos e passivos contingentes da adquirida).
A NCRF 14 não é clara quanto ao momento do reconhecimento desse ganho nos resultados, remetendo para o momento da sua realização. Essa realização pode suceder com a venda ou utilização da atividade empresarial na esfera da adquirente, não sendo claro se é possível efetuar o reconhecimento desse ganho ao longo dessa atualização ou num período definido (p.e. no âmbito do POC o goodwill negativo era diferido e reconhecido como proveito durante cinco anos).
Em termos de IRC, o respetivo Código não foi alterado relativamente a esta questão, mantendo-se a tributação do referido ganho decorrente do goodwill negativo para o período em que o mesmo for contabilizado.