Pareceres
IVA - cedência de pessoal
12 April 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.

IVA - cedência de pessoal
PT27940 - janeiro de 2024

 

A empresa “A”, cujo objeto social é construção civil, cede trabalhadores à empresa “B”, com o objeto social igualmente de construção civil.
A empresa cedente (“A”) tem o custo total com o trabalhador, pese embora a empresa cessionária (“B”) tenha os serviços desse trabalhador.
Como se procede em regime de IVA nestes casos em que os encargos com o trabalhador estejam a cargo da empresa cedente?
Qual o entendimento para a mesma questão, mas numa empresa que não tenha como objeto social a construção civil?

 

Parecer técnico

 

Questiona-nos sobre o enquadramento em sede de IVA da cedência de pessoal entre duas entidades.
Importa, em primeiro lugar, face ao descrito na questão, definir se a operação se qualifica como uma mera prestação de serviços de cedência de pessoal (1.º cenário) ou se qualifica como prestação de serviços, qualquer que seja natureza do serviço (2.º cenário). Se a cedência de pessoal ocorre sob a orientação do cedente, ou seja, da empresa “A” (2.º cenário), nestas circunstâncias podemos considerar que tal cedência se consubstancia numa prestação de serviços na medida em que o pessoal cedido fica sob orientação da própria empresa cedente ficando esta responsável pelo resultado contratado entre as partes.
Neste cenário (2.º cenário) será aplicada a regra geral de tributação em função dos serviços que possa estar em causa, sendo que o enquadramento em sede de IVA vai depender do serviço em concreto; poderemos estar perante um serviço que beneficie de alguma isenção do artigo 9.º do CIVA, um serviço sujeito a uma taxa reduzida ou intermédia, ou um serviço sujeito à regra de inversão, como seja, por exemplo, uma empreitada de construção civil aplicar-se-ia a inversão a que se refere a alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA. Pelo que neste caso o enquadramento em sede de IVA dependerá sempre da especificidade do serviço em causa.
Por outro lado, se se considerar estar perante o 1.º cenário, as operações referentes a cedência de pessoal (temporárias, ou não) configuram-se como prestações de serviços conforme disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, o qual estabelece um conceito residual de prestações de serviços, considerando-as como tal as operações efetuadas a título oneroso que não se constituam como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.
Por conseguinte, se a empresa se faz remunerar por tais serviços de um determinado trabalhador resulta que são prestações de serviços sujeitas a IVA, e não isentas.
Nestes termos, deverá a empresa emitir uma fatura relativamente aos serviços de cedência temporária dos trabalhadores, sendo que à partida o valor tributável será o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, e será uma operação sujeita a IVA à taxa de 23 por cento (no Continente) nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA.
Sem prejuízo do exposto, salientamos a existência do Ofício-Circulado n.º 30 019/2000, de 4 de maio.
Apesar de recomendarmos a sua leitura integral, destacamos apenas o quarto e último ponto deste ofício-circulado, que passamos, de seguida, a transcrever:
«4. Esta doutrina administrativa, ou seja, a inexistência de prestação de serviços e, consequentemente, a não sujeição a imposto, é igualmente aplicável em todas as situações em que o montante debitado comprovadamente corresponda ao reembolso exato de despesas com ordenados ou vencimentos, quotizações para a segurança social e quaisquer outras importâncias obrigatoriamente suportadas pela empresa a que pertence o trabalhador, por força de contrato de trabalho ou previstas na legislação aplicável (v.g. prémios de seguros de vida, complementos de pensões, contribuições para fundos de pensões, etc.).»
Deste modo, sempre que exista uma cedência de pessoal, se o débito efetuado corresponder ao montante exato dos encargos enumerados no parágrafo anterior incorridos pela entidade patronal, tal operação encontra-se não sujeita a IVA.
Por outro lado, se o montante debitado não corresponder ao reembolso exato das despesas referentes à remuneração do trabalhador (assim como as inerentes à mesma), podemos estar perante uma prestação de serviços sujeita a IVA, em conformidade com o n.º 1 do Ofício-Circulado n.º 30 019/2000, referido anteriormente. Nesse cenário, a totalidade do valor cobrado pela empresa cedente é sujeito e não isento de IVA.
Sobre esta temática, alertamos que, embora os montantes debitados pela entidade que cede os trabalhadores, que comprovadamente correspondam ao reembolso exato das suas despesas relacionadas com esse pessoal, tenham vindo a ser considerados como não sujeitos a IVA, temos conhecimento de terem já sido emanadas por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) algumas decisões que vão em sentido contrário ao disposto no Ofício-Circulado n.º 30 019, pelo que alertamos que poderá a Autoridade Tributária vir a rever o enquadramento destas operações que até agora tem vindo a ser considerado.
Damos como exemplo o processo C-94/19, de 11 de março de 2020, em que o TJUE apreciou uma situação de um destacamento, a qual tem similitudes com a cedência de trabalhadores, sem margem, tendo em conta que ao abrigo da lei aplicável no caso concreto (a italiana), não eram consideradas relevantes para efeitos de IVA as afetações ou os destacamentos de pessoal pelos quais apenas é pago o reembolso do respetivo custo.
Ora, o TJUE considerou que a diretiva IVA se opõe a uma legislação nacional em virtude da qual não são considerados relevantes para efeitos de IVA os destacamentos de pessoal realizados exclusivamente mediante o reembolso dos custos respetivos, quando os montantes pagos e o destacamentos estiverem reciprocamente condicionados, ou seja, que se os montantes faturados pelo prestador ao adquirente são a condição para que o prestador destaque o pessoal e que o cliente só paga esses montantes como contrapartida do destacamento, deverá concluir-se pela existência de um nexo direto entre as duas prestações (fluxo financeiro e fluxo de prestação de serviço). O que vale por dizer que a operação deve ser considerada realizada a título oneroso e é sujeita a IVA, se os demais requisitos da Diretiva IVA estiverem cumpridos.
É irrelevante, para este efeito, o montante da contrapartida, designadamente o facto de ele ser igual, superior ou inferior aos custos que o sujeito passivo suportou no âmbito da realização da sua prestação (v., neste sentido, Acórdãos do TJUE de 20 de janeiro de 2005, Hotel Scandic Gåsabäck, C-412/03, e de 2 de junho de 2016, Lajvér, C-263/15, e jurisprudência referida). Com efeito, essa circunstância não é suscetível de afetar o nexo direto entre a prestação de serviços efetuada e a contrapartida recebida (Acórdão de 2 de junho de 2016, Lajvér, C-263/15, e jurisprudência referida).
Em conclusão: não obstante o entendimento mais ou menos pacífico que tem dominado a doutrina da AT, não parece possível, à luz da jurisprudência do TJUE, considerar que uma prestação de serviços de cedência de pessoal, mesmo que fixando como preço o exato reembolso dos custos com o pessoal cedido, possa não ser sujeita a IVA. Contudo, tendo em conta a referida convicção generalizada induzida pela doutrina da AT, e o facto de a jurisprudência citada ser recente e não ser conhecida nenhuma mudança de entendimento da Autoridade Tributária, recomenda-se que submeta pedido de informação vinculativa a este respeito.

 

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