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IRC – Dupla tributação internacional - Juros
28 September 2018
PT21009
IRC – Dupla tributação internacional - Juros

Uma empresa portuguesa contraiu junto de um banco espanhol um financiamento com a duração de 36 meses. Neste período é amortizado o empréstimo e são pagos os juros respetivos. Paga-se imposto do selo? Em caso afirmativo, incide sobre o valor do empréstimo e sobre os juros? Qual o momento para pagar o imposto do selo? Tem de ser a empresa portuguesa a entregar o imposto do selo ao Estado? Na ótica do IRC, está-se a pagar juros a não residentes. É necessário ativar a convenção entre os dois países para a empresa portuguesa não fazer a retenção?

Parecer técnico

A questão em apreço prende-se com a tributação, em sede de IRC, dos juros devidos por uma empresa portuguesa a um banco espanhol, questionando-se, concretamente, se terá que ser acionada a convenção celebrada entre os dois países para a empresa portuguesa não fazer a retenção nos rendimentos pagos à entidade bancária não residente.
De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRC (doravante deixaremos de mencionar o diploma), as entidades não residentes são sujeitos passivos do imposto, incidindo o mesmo, na falta de estabelecimento estável, sobre os rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS, conforme dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 3.º (categoria E, rendimentos de capitais, no caso concreto).
Tratando-se de entidade não residente (banco espanhol sem sede nem direção efetiva em território português, conforme o n.º 3 do artigo 2.º, a contrario), estará vinculada ao designado princípio da fonte, plasmado no n.º 2 do artigo 4.º, que determina que o IRC incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.
Ora, de acordo com o disposto na subalínea 3) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º, tratando-se de (outros) rendimentos de capitais auferidos por não residentes, devidos por uma sociedade residente em território nacional, estarão os mesmos sujeitos a IRC uma vez que se consideram obtidos em território português (o elemento de conexão corresponde ao local da fonte financeira, local da entidade devedora/pagadora dos rendimentos).
De referir que não se verificam os requisitos previstos no n.º 12 e seguintes do artigo 14.º, uma vez que, tudo indica, não se trata de entidades associadas nos termos definidos no normativo referido, o que significa que o rendimento obtido pela entidade bancária está sujeito a IRC e não se encontra isento (ou seja, na prática, não está dispensado, à luz da lei interna, da retenção na fonte a que se fará alusão em seguida).
Por outro lado, dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º que tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte, a qual será efetuada a título definitivo, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo, sendo que, na falta de acionamento da CDT, a taxa de retenção será a prevista no Código e corresponderá a 25%, nos termos do n.º 4 do artigo 87.º, aplicável por força do n.º 5 do artigo 94.º.
Acresce referir que não se aplica a dispensa de retenção na fonte prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º, uma vez que a mesma apenas se aplicaria se se tratasse de juros pagos a um banco português, o que não é o caso.
Resta a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 98.º, que estipula que poderá não haver retenção na fonte (no todo ou em parte, consoante o caso) quando, por força de uma Convenção celebrada por Portugal, o poder tributário não seja atribuído ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
Para que tal benefício (dispensa total ou parcial de retenção na fonte) seja concedido, é necessário que sejam cumpridos os formalismos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 98.º, implicando a apresentação do formulário n.º 21 RFI à entidade devedora do rendimento, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que é obrigatório efetuar a retenção na fonte (que corresponde à data limite de entrega dos impostos retidos), no qual conste, entre outras informações, a certificação de residência pela AT espanhola ou, alternativamente, ao qual seja anexado o certificado de residência fiscal de modelo em vigor em Espanha.
De referir, ainda, que o formulário terá a validade de um ano, ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 98.º, não se aplicando, a este respeito, o disposto no n.º 4, que prevê um prazo mais alargado, uma vez que o banco espanhol não é nem um banco central nem uma agência governamental (presume-se).
Caso seja acionada a Convenção, nos moldes descritos, a retenção na fonte ascenderá a apenas 15% do valor dos juros, ao abrigo do disposto no artigo 11.º da Convenção, tratando-se de um tipo de rendimento que, tal como os dividendos e as royalties (regulados nos artigos 10.º e 12.º, respetivamente), pode ser tributado nos dois Estados contratantes: no Estado da residência (Espanha, ao abrigo do n.º 1) e também no Estado da fonte (Portugal, ao abrigo do n.º 2), embora neste caso a tributação esteja limitada à taxa prevista na Convenção, que no caso em apreço é de 15% conforme já exposto (competindo à Espanha, enquanto Estado da residência, proceder à eliminação da dupla tributação jurídica, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º da Convenção).
Conclui-se que, caso a Convenção não seja acionada, nos termos e prazo descritos, a retenção na fonte deverá ser efetuada à taxa de 25 por cento prevista no Código. Caso a Convenção seja acionada, a retenção na fonte deverá ser efetuada à taxa da Convenção, ou seja, à taxa de 15 por cento, conforme referido.
Note-se que o acionamento da Convenção não permite dispensar a retenção na fonte na totalidade, conforme refere a exponente, mas apenas em parte, ou seja, será apenas uma dispensa parcial que corresponde à diferença entre a taxa do Código (25 por cento) e a taxa da CDT (15 por cento).
Note-se, igualmente, que a retenção na fonte à taxa reduzida, prevista na Convenção, pressupõe a comprovação através do formulário (e certificado de residência, se for o caso, conforme já explicado), sendo que, caso a empresa portuguesa não disponha da documentação, poderá vir a ser-lhe exigido, a si diretamente, enquanto substituto tributário, o imposto não retido (diferença entre a taxa do Código e a taxa da Convenção).
Relembramos que a empresa portuguesa, tendo que proceder a pagamentos a entidade não residente, estará obrigada ao cumprimento de várias obrigações, para além da obrigação principal que se prende com a entrega ao Estado das retenções na fonte efetuadas (no prazo previsto no n.º 6 do artigo 94.º, ou seja, até ao dia 20 do mês seguinte), nomeadamente as seguintes:
- Solicitar um NIF especial (português) para a entidade não residente, caso a mesma ainda não o possua, o qual é atribuído a entidades não residentes que aufiram rendimentos tributados a título definitivo, sendo que tal NIF possui 9 dígitos como normalmente, mas tem a particularidade de o primeiro, no caso de pessoas coletivas, ser um 7 (7XX.XXX.XXX).
- Arquivar o formulário (e o certificado de residência, se for o caso) no dossiê fiscal, pelo prazo de 10 anos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 130.º;
- Entregar a declaração modelo 30, nos termos do disposto do n.º 7 do artigo 119.º do Código do IRS, aplicável ao IRC por força da remissão contida no artigo 128.º do respetivo Código, até ao final do 2.º mês seguinte àquele em que seja obrigatório efetuar a retenção na fonte.
Relativamente ao imposto do selo, de acordo com o art.º 4.º do Código do Imposto do Selo (CIS), n.º 1, este «incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional», sendo que o artigo 1.º determina a sujeição a este imposto de «todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.»
Os juros relativos a operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras encontram-se previstos na referida tabela, verba 17.2.1. Assim como também se encontra ali prevista a utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, na verba 17.1.
Por outro lado, o n.º 2 do mesmo art.º 4.º do CIS, na sua alínea c), determina a sujeição a imposto de «juros (...) cobrados por instituições de crédito ou sociedades financeiras sedeadas no estrangeiro ou por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sedeadas no território nacional a quaisquer entidades domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável das entidades que intervenham na realização das operações» e ainda na alínea b) «…operações de crédito realizadas e as garantias prestadas por instituições de crédito, por sociedades financeiras ou por quaisquer outras entidades, independentemente da sua natureza, sediadas no estrangeiro, por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito, de sociedades financeiras, ou quaisquer outras entidades, sediadas em território nacional, a quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, domiciliadas neste território, considerando-se domicílio a sede, filial, sucursal ou estabelecimento estável».
Donde retiramos que a operação em causa, cobrança de juros relativos a um empréstimo efetuada por uma instituição financeira não residente, bem como a correspondente utilização do crédito, fica sujeita a imposto do selo em território português, já que são cobrados a uma entidade domiciliada neste território.
No que toca à responsabilidade pela entrega do imposto, o art.º 2.º do CIS, n.º 1, alínea d), atribui-a à entidade mutuária e devedora dos juros, quando as operações não tenham sido intermediadas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, e cujo credor não exerça a atividade, em regime de livre prestação de serviços, no território português, cabendo, por isso, a obrigação da entrega do imposto à entidade portuguesa utilizadora do crédito e dos juros.