Opinião
Ordem nos media
Os vírus da Democracia
10 November 2006
Um artigo de Domingues Azevedo, presidente da CTOC

Pese embora os progressos registados na Administração Fiscal, indiscutivelmente mais eficiente e mobilizada, o grau de fraude e evasão fiscal não nos deve deixar de atormentar. Prova disso é o volume de queixas - mais de dois milhares desde 2005 - que a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas remeteu para o Ministério Público. O conceito interiorizado pelo cidadão, que o Estado era inoperante e que não agia perante o incumprimento, criou no contribuinte um certo laxismo e uma preocupante tendência para prevaricar. Essa atitude perdurou durante tempo demasiado na nossa Administração Fiscal. Os tempos mudaram. Fugir ao fisco já não compensa como outrora, mas a tentação para incorrer em comportamentos desviados dos aceitáveis, permanece bem viva. Se o método da repressão tarda em surtir os efeitos desejados, o melhor é enveredar por uma lógica mais pedagógica e preventiva, que passa por uma fiscalização permanente, dir-se-ia mesmo, intensiva. Não baixar a guarda é fundamental numa actividade que movimenta milhões e milhões.

A sofisticação das acções ilícitas e dos que as perpetram é outra matéria que deve preocupar a «máquina fiscal». E o que se constata é que geralmente quem viola o estipulado, segue muito à frente no nível do engenho de quem zela pela licitude e pelo bom funcionamento do sistema. 

No submundo da ilegalidade, há um conjunto de ocorrências que se interligam entre si. Situações ardilosamente elaboradas e que não passam pela cabeça dos cidadãos que pagam religiosamente os seus impostos. É o caso que acontece com o célebre artigo 53.º do código do IVA. Um sujeito passivo que cumpra os requisitos constantes no regime do artigo 53.º do código do IVA está isento do seu pagamento até ao montante de 9.900 euros, isto é, quando passa uma factura não liquida o imposto. Mas o mais extraordinário, é que só em dois casos que nos apareceram recentemente, um deles tinha facturado cinco milhões de euros em IVA¿É perante situações de escandaloso incumprimento e que configuram crime, que o Ministério Público e a PJ, em articulação com a Administração Fiscal, devem ser intransigentes. Pela nossa parte, cumprimos, dentro das nossas possibilidades, o nosso papel de serviço público que o legislador no incumbiu.

Paralelamente à fraude e evasão fiscal, a corrupção tem sido um tema na ordem do dia. O discurso do Presidente da República na cerimónia do 5 de Outubro, as palavras sintonizadas com Cavaco do novo Procurador-Geral da República, bem como as louváveis  iniciativas do deputado socialista João Cravinho em sede parlamentar, relançaram um tema que, tal qual a problemática dos impostos, foi tabu durante décadas neste país. Segundo relata a imprensa, o ex-ministro está a dinamizar a constituição de uma plataforma anticorrupção, uma espécie de grupo de trabalho que proponha medidas, mas que também se possa constituir em assistente perante processos judiciais concretos. A magistrada Maria José Morgado tem alertado em sucessivas intervenções, que se não for suficientemente debelada, a corrupção (bem como a fraude e a evasão) será um vírus que não cessará de contaminar o sistema democrático. Urge combater as causas deste fenómeno e porventura menos as suas consequências, que são de todos conhecidas. A transparência da vida pública e quem nela exerce funções de visibilidade nacional deve ser um imperativo. O poder político tem que dar o exemplo. Que a coragem que o Governo tem demonstrado perante os lóbis e outros grupos de pressão afectos às mais variadas áreas sociais não esmoreça. O esforço de combate à fraude e evasão fiscais deve ser acompanhado por uma vontade firme de lutar contra um fenómeno, a corrupção, que há muito mina as entranhas da sociedade portuguesa. Poucos se lembrarão, mas em 1983, foi criada a Alta Autoridade Contra a Corrupção (AACC), que funcionou durante uma década, sob a liderança de Manuel Costa Braz. Milhares de processos foram enviados para a Justiça, mas os resultados palpáveis foram residuais. A morosidade do aparelho judicial e as pouco apertadas teias da lei, goraram avanços significativos. Os partidos maioritários em São Bento mostraram-se relutantes a reforçar as competências deste organismo e a AACC extinguiu-se. Mais de 13 anos depois da sua extinção, agora que o tema ganha novo fôlego, seria oportuno encontrar-se um modelo eficaz, obviamente, dotado de uma eficácia que a experiência iniciada na década de 80 não teve. Parafraseando o novo PGR, Pinto Monteiro, que curiosamente exerceu as funções de adjunto de Costa Braz na defunta AACC, «todo o crime deve ser investigado».

 

P.S.  - O II Congresso dos Técnicos Oficiais de Contas congregou, no Pavilhão Atlântico, a 3 e 4 últimos, cerca de 4 mil participantes. Entre eles importantes delegações de todos os países da CPLP. Uma vitória para os que não acreditam que se conseguem congregar vontades e fazer coisas, em língua portuguesa.