IVA - alienação de viatura de turismo
PT27974 - fevereiro de 2024
Uma empresa tem no seu ativo uma viatura de turismo elétrica com valor contabilístico líquido que ascende a sete mil euros. Pretende vender a um dos seus sócios por 500 euros.
Na aquisição da viatura deduziu o IVA e na venda irá liquidar a respetiva taxa de 23 por cento de IVA dos 500 euros.
Terá de fazer algum acerto do IVA que deduziu na aquisição da viatura em questão?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com a alienação de uma viatura de turismo, por uma empresa. A empresa pretende vender a viatura ao sócio por 500 euros.
A este respeito, é-nos referido que nos encontramos perante uma viatura elétrica, sendo o seu valor contabilístico à data de sete mil euros.
Face ao exposto, apesar de na questão apenas ser referido o IVA, deixamos de seguida um enquadramento geral com os impactos desta operação.
Em sede de IRC, cumpre desde logo notar que uma vez que estamos perante operações entre o sócio e a entidade de que é acionista, a empresa deverá dar cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC (CIRC), que nos transmite que:
«Nas operações efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticas aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.»
Por sua vez, os n.ºs 9 e 10 do referido artigo 63.º do CIRC determinam que:
«9 - Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, a Autoridade Tributária e Aduaneira pode efetuar as correções na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente ao que teria sido obtido se as operações se tivessem efetuado numa situação normal de mercado.
10 - As correções a que se referem os n.ºs 8 e 9, devem ser imputadas ao período ou períodos de tributação em que os efeitos das operações se tornem relevantes para efeitos da determinação do lucro ou do rendimento tributável dos sujeitos passivos de IRC ou de IRS.»
Face ao exposto, deverão ser consideradas todas as condicionantes da operação em causa, por forma a aferir se o valor da operação corresponde ao valor de mercado da viatura, à data da venda, suportando assim os montantes considerados, em caso de a operação ser questionada pela AT.
Neste sentido, cumpridos que se encontrem os referidos requisitos, nomeadamente quanto ao valor da operação, em resultado da alienação da viatura (ativo fixo tangível), ao sócio, deverá ser determinada uma mais-valia ou menos-valia fiscal, nos termos do artigo 46.º e seguintes do CIRC.
Face ao exposto, se em resultado desta venda for apurada uma mais-valia, esta configura um rendimento tributável nos termos do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC.
Por sua vez, caso seja apurada uma menos-valia, esta configura um gasto ou perda dedutível nos termos da alínea l) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC. Contudo, deverá ainda ter-se em consideração a não-aceitação fiscal, de parte dessa menos-valia, conforme alínea l) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 46.º do CIRC, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas, decorrentes da alienação onerosa de bens do ativo fixo tangível.
A mais-valia ou menos-valia resulta da diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes (valor da respetiva contraprestação recebida) e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas no artigo 31.º-B do CIRC, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente.
No n.º 2 do artigo 46.º do CIRC consta que «[a]s mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A.»
Tendo em consideração o n.º 2 do artigo 46.º e artigo 47.º, ambos do CIRC, a fórmula de cálculo das mais-valias ou menos-valias fiscais é a seguinte:
Mvf ou mvf = VR líquido - (Vaq - Pim - Daf - Vgf) x Coef
Sendo:
Mvf - Mais-valia fiscal;
mvf - Menos-valia fiscal;
VR líquido - Valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes;
Vaq - Valor de aquisição;
Pim - Perdas de imparidade (aceites fiscalmente);
Daf - Depreciações ou amortizações (acumuladas) aceites fiscalmente;
Vgf - Valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A do CIRC;
Coef - Coeficiente de desvalorização da moeda (Portaria do Ministro das Finanças).
A componente deste cálculo designada de Vgf - Valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A do CIRC, só tem relevância no cálculo da mais ou menos-valia, relativamente às operações sobre ativos intangíveis, propriedades de investimento e ativos biológicos de produção (nas condições referidas neste preceito) adquiridos em períodos de tributação que se iniciem em, ou após, 1 de janeiro de 2014.
Caso se trate de viatura ligeira de passageiros adquirida acima do limite legal previsto importa considerar o disposto na circular n.º 6/2010, de 5 de maio, nomeadamente a questão de se utilizarem as depreciações praticadas (e não as fiscalmente aceites).
Nos termos do n.º 1 do artigo 48.º do CIRC, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias pode ser considerada em apenas 50 por cento, para efeitos de determinação do lucro tributável, desde que haja reinvestimento do valor de realização da totalidade dos ativos.
A intenção de efetuar o reinvestimento deve ser mencionada no quadro 09 do anexo A da IES. Igualmente, devem ser declarados neste quadro os reinvestimentos efetuados em cada período relevante.
Campos relevantes do quadro 07 da declaração modelo 22:
- Correção das mais-valias contabilísticas (a deduzir): campo 767;
- Correção das menos-valias contabilísticas (a acrescer): campo 736;
- Diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais sem intenção de reinvestimento (a acrescer): campo 739;
- 50 por cento da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias fiscais com intenção expressa de reinvestimento (a acrescer): campo 740;
- Diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias fiscais (a deduzir): campo 769.
Em sede de IVA, na situação apresentada, estamos perante a transmissão de bens de um item pertencente ao ativo fixo tangível de uma sociedade.
A transmissão de bens pertencentes ao ativo fixo tangível, realizadas por sujeitos passivos de IVA, enquadrados como tal nos termos do artigo 2.º do Código do IVA (CIVA), são, em condições normais, operações sujeitas a este imposto, conforme decorre do n.º 1 do artigo 3.º do CIVA.
Contudo, tenha-se em atenção o número 32) do artigo 9.º do CIVA, que refere:
«32) As transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução e bem assim as transmissões de bens cuja aquisição ou afetação tenha sido feita com exclusão do direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 21.º.»
De acordo com este normativo legal, concluímos que estão isentas deste imposto:
- As transmissões de bens afetos exclusivamente a uma atividade isenta, quando não tenham sido objeto do direito à dedução; e
- As transmissões de bens cuja aquisição ou afetação a alguma atividade tenha sido feita com exclusão do direito à dedução, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA.
Contudo, no caso em concreto, entendemos que não será aplicável a isenção do n.º 32 do artigo 9.º do CIVA, uma vez que é referido que foi deduzido o IVA da aquisição.
Assim, tendo ainda em consideração que existem relações especiais entre os intervenientes e estando o adquirente a agir na sua esfera privada (enquanto particular), na determinação do valor tributável desta viatura terá, de se seguir as regras do n.º 10 do artigo 16.º do CIVA, que nos transmite que (passamos a citar):
«O disposto no n.º 1 não tem aplicação nas transmissões de bens ou prestações de serviços efetuadas por sujeitos passivos que tenham relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, com os respetivos adquirentes ou destinatários, independentemente de estes serem ou não sujeitos passivos, caso em que o valor tributável é o valor normal determinado nos termos do n.º 4, quando se verifique qualquer uma das seguintes situações:
a) A contraprestação seja inferior ao valor normal e o adquirente ou destinatário não tenha direito a deduzir integralmente o imposto;
b) A contraprestação seja inferior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o imposto e a operação esteja isenta ao abrigo do artigo 9.º;
c) A contraprestação seja superior ao valor normal e o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços não tenha direito a deduzir integralmente o IVA.»
Por conseguinte, caso se verifique algum dos casos referidos nesse preceito (n.º 10 do artigo 16.º do CIVA - vide também o artigo 64.ºdo CIRC), o valor tributável para efeito de cálculo do imposto será o valor normal dos bens (valor de mercado) apurados nos termos do n.º 4 do artigo 16.º do CIVA.
Em termos de IRS, caso nos encontremos perante um sócio-gerente, e se na alienação da viatura não for aplicado o valor de mercado, podem existir diferenças de valor que serão tributadas como rendimento em espécie na esfera do sócio-gerente (categoria A de IRS).
Neste sentido, a atribuição de qualquer viatura que tenha originado encargos para a entidade patronal ao trabalhador, se a mesma for efetuada por preço inferior ao valor de mercado, é considerado rendimento do trabalho dependente, nos termos do n.º 10 da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, fazendo-se uso do estipulado no artigo 24.º do mesmo Código.
O valor tributável corresponde à diferença positiva entre o valor de mercado e o somatório dos rendimentos anuais tributados como rendimentos da atribuição do uso com a importância paga pela aquisição, conforme dispõe o n.º 6 do artigo 24.º do CIRS.
Nos termos do n.º 7 do artigo 24.º, o valor de mercado a considerar no cálculo do rendimento tributável, corresponde à diferença entre o valor de aquisição e o produto desse valor pelo coeficiente de desvalorização acumulada constante de tabela a aprovar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
Presume-se, nos termos do n.º 13 do artigo 2.º do CIRS, que a viatura foi adquirida pelo trabalhador ou membro do órgão social quando seja registada no seu nome, no de qualquer pessoa que integre o seu agregado familiar ou no de outrem por si indicada, no prazo de dois anos a contar do exercício em que a viatura deixou de originar encargos para a entidade patronal.
A aquisição da viatura por parte do trabalhador ou gerente apenas gera um rendimento sujeito a IRS se a aquisição tiver sido efetuada abaixo do valor de mercado - ponto 10 do da alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.
Assim, temos que primeiramente calcular o valor de mercado que se obtém deduzindo ao valor de aquisição, o coeficiente de desvalorização acumulada das viaturas, previsto na Portaria n.º 383/2003, de 14/05, em função do n.º de anos de antiguidade da viatura (nos termos do artigo 24.º, n.º 7). Ou seja, o valor de mercado da viatura = valor de aquisição - (valor de aquisição x Coeficiente de desvalorização acumulada).
Posteriormente, na medida em que na análise do valor de mercado, o mesmo se mostre superior ao valor da venda da viatura, este rendimento será considerado um rendimento da categoria A (artigo 2.º do CIRS), devendo ser declarado na DMR.
Face ao exposto, e no caso em concreto, previamente à transmissão da viatura, deve ser aferido o seu valor de mercado para assim concluir se o valor da venda cumpre, ou não, com os requisitos legais impostos, sendo que caso o valor de venda seja inferior ao valor de mercado resultarão impactos fiscais, nos termos anteriormente aferidos.
No caso em concreto do IVA, relembramos que é aplicável o n.º 10 do artigo 16.º do Código deste imposto, sendo o valor tributável da operação onerosa, o valor normal apurado nos termos do n.º 4 do artigo 16.º do CIVA na medida em que a contraprestação comercializada seja inferior a este valor normal e o adquirente esteja em situação de relações especiais com a entidade vendedora (n.º 4 do artigo 63.º do CIRC), conforme anteriormente verificado.