PT23241 – IVA – Vendas à distância
16-08-2019
A empresa portuguesa "ABC”, sujeito passivo nacional com estabelecimento estável em Portugal, enquadrado no regime de IVA e IRC, vende os seus produtos essencialmente para particulares da comunidade e fora da comunidade. Relativamente a estas operações, a empresa liquida IVA quando vende a particulares da Comunidade e, em termos declarativos, leva ao campo 3 da declaração periódica do IVA e o IVA liquidado ao campo 4; quando vende a países terceiros não líquida IVA e leva ao campo 8 da declaração de IVA. Este é o procedimento correto?
Pelo facto da empresa portuguesa "ABC” ter ultrapassado o limite de determinados países, neste caso o Reino Unido, fez o registo nesse país como sujeito passivo de imposto, tendo obtido o respetivo número de contribuinte. No Reino Unido a empresa opera de duas formas:
- Vendas através do sítio e neste caso o stock sai da empresa "ABC”;
- Vendas através da Amazon, em que o stock sai do Reino Unido (existe uma fatura de mercadorias da empresa "ABC” para a registada no Reino Unido);
Dado que estas operações não estarão sujeitas a IVA em Portugal, mas sim no Reino Unido, as vendas realizadas pela empresa neste país e, portanto, com o número de contribuinte britânico são de relevar na declaração periódica de IVA a enviar pela empresa "ABC”, para as duas situações de vendas atrás descritas? Em caso afirmativo, qual o campo(s) a ser preenchido? Apesar da empresa, relativamente a estas operações, não estar sujeita a IVA em Portugal, mas ser sujeita a IRC, como contabilizar as vendas e as despesas da empresa registada no Reino Unido nas contas da empresa portuguesa e o respetivo IVA a pagar/receber às entidades fiscais em inglesas?
Parecer técnico
Questiona-nos relativamente ao procedimento a adotar em sede de IVA no âmbito do regime das vendas à distância.
Refira-se que as transmissões de bens efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal são operações sujeitas a IVA, atentos ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA.
E que estas, quando o início do transporte para o cliente ocorra em território nacional, são aqui localizadas, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IVA, «(…) são tributáveis as transmissões de bens que estejam situados no território nacional no momento em que se inicia o transporte ou expedição para o adquirente ou, no caso de não haver expedição ou transporte, no momento em que são postos à disposição do adquirente (…).»
Por sua vez, resulta da alínea a) do artigo 14.º do Código do IVA que estão isentas de imposto «(…) as transmissões de bens expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por um terceiro por conta deste (…).»
O n.º 8 do artigo 29.º do Código do IVA estabelece que «(…) as transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado (…).»
Face ao exposto diremos que as vendas de bens são operações sujeitas a IVA, sendo que estarão isentas de imposto caso sejam expedidas para fora da União Europeia e o sujeito passivo esteja na posse do documento alfandegário apropriado.
Por sua vez, o RITI prevê também uma isenção de IVA. Contudo, esta só será aplicável quando o adquirente dos bens é sujeito passivo num outro Estado-membro. A alínea a) do artigo 14.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI) estabelece que estão isentas de imposto «(…) as transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens (…).»
Efetivamente, existem três condições essenciais e cumulativas para que se possa aplicar a referida isenção:
- Tratar-se de uma transmissão de bens entre um sujeito passivo de IVA português e um sujeito passivo de outro Estado-membro, ambos identificados com o número de identificação fiscal;
- Essa transmissão terá que ter como destino o adquirente (sujeito passivo do outro Estado-membro), existindo a expedição do bem de Portugal para esse Estado-membro);
- O adquirente dos bens terá que estar abrangido pelo regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.
No caso exposto, o sujeito passivo apenas vende bens a particulares pelo que ou estamos perante operações sujeitas a IVA e não isentas (quando os bens não saem do espaço comunitário) ou são isentas de IVA por se tratarem de exportações (e o sujeito passivo está na posse dos documentos alfandegários apropriados).
Quando estamos perante transmissões de bens sujeitas a IVA, estas devem ser incluídas na declaração periódica de IVA nos campos 3 e 4, base tributável e imposto liquidado, respetivamente, considerando a utilização da taxa normal de imposto. Enquadramento que se aplicará nas vendas a particulares de outros Estados-membros (sem prejuízo de análise do regime das vendas à distância). Por sua vez, as exportações deverão ser incluídas no campo 8 da declaração periódica de IVA, quando as mesmas se encontrem isentas de IVA nas condições referidas.
Regra geral, conforme já referimos, uma transmissão de bens é localizada no Estado-membro onde se inicia o transporte para o seu adquirente, ou seja, no local onde são colocadas à disposição, conforme disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IVA. Esta regra de localização poderia traduzir-se numa utilização menos apropriada das regras do IVA face às diferentes taxas de imposto que vigoram nos diversos Estados-membros. Foi no sentido de evitar estas situações que se criou o regime das vendas à distância.
Considera-se que existe venda à distância quando, entre outros requisitos, o sujeito passivo transmite bens expedidos ou transportados, por si ou por sua conta, a partir do território nacional, com destino a outro Estado-membro. Nestes termos, para existir uma venda à distância o transporte dos bens deverá necessariamente ser efetuado pelo fornecedor ou por um terceiro agindo por sua conta. Isto é, desde que o fornecedor intervenha, mesmo que a título indireto, o regime será aplicável. Pelo contrário, se o cliente se encarregar do transporte, aplicar-se-á o princípio geral da tributação no país de origem.
Para existir uma venda à distância é ainda necessária a observância cumulativa de certos requisitos, relativos quer à natureza do adquirente quer à natureza dos próprios bens:
- O adquirente deve ser ou um sujeito passivo totalmente isento, ou o Estado ou qualquer outra pessoa coletiva de direito público, que não se encontrem abrangidos pelo regime de tributação das aquisições intracomunitárias, ou um particular.
- Os bens não devem ser meios de transporte novos, bens a instalar ou montar, nem bens sujeitos a impostos especiais de consumo, exceto, no caso deste último tipo de bens, se o adquirente for um particular, circunstância que fará com que o regime seja ainda aplicável.
De conformidade com o artigo 35.º da diretiva do IVA (Diretiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de novembro de 2006) o regime das vendas à distância não se aplica aos bens em segunda mão, objetos de arte, de coleção e antiguidades e aos meios de transporte usados.
O regime das vendas à distância consiste, por consequência, em localizar a transmissão de bens no Estado-membro de chegada da expedição ou transporte dos bens, desde que o adquirente seja um consumidor final ou equiparado.
Não obstante o princípio definido, até determinado limiar as transmissões de bens são localizadas no território do Estado-membro onde se inicia a respetiva expedição ou transporte. No caso do Reino Unido esse limite é de 70 mil libras.
Assim, a partir do momento em que o sujeito passivo português realiza vendas à distância para o Reino Unido cujo valor ultrapasse o limite desse país, ou mesmo que não ultrapasse tal limite, seja essa a sua opção, este sujeito passivo deverá proceder ao seu registo nesse país, passando a partir desse momento a tributar tais transações nesse território, à taxa de imposto aí vigente.
Admitimos que o sujeito passivo português, aquando do preenchimento da declaração periódica de IVA em Portugal, inscreva o montante de tais operações no campo 8 do quadro 06 da declaração periódica de IVA. Estas transações não têm qualquer interferência com o exercício do direito à dedução do imposto aqui suportado, conforme subalínea ii) da alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
Em termos contabilísticos haverá todo o interesse na evidenciação de tais transações em subcontas de vendas criadas para o efeito, identificativas deste regime especial de tributação.
Situação com diferente enquadramento em sede de IVA, que não se enquadra no regime das vendas à distância é a venda de bens que já se encontram no Reino Unido, aquando do início do transporte para o cliente.
Este sujeito passivo português envia mercadorias do território nacional para um armazém/ operador logístico no Reino Unido. Posteriormente efetua vendas a clientes desse país que são entregues a partir desse local.
Para o efeito, importa ter presente o disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (RITI): «(…) considera-se transmissão de bens efetuada a título oneroso, para além das previstas no artigo 3.º do Código do IVA, a transferência de bens móveis corpóreos expedidos ou transportados pelo sujeito passivo ou por sua conta, com destino a outro Estado membro, para as necessidades da sua empresa (…).»
Ora, qualificando-se a operação como transmissão de bens, encontra-se abrangida pelas normas de incidência do IVA, conforme resulta do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA. Ou seja, a mera transferência dos bens de Portugal para o Reino Unido (para aí serem utilizadas para as necessidades do sujeito passivo que vai efetuar vendas a partir desse local) qualifica-se como transmissão de bens. Não obstante a sujeição, esta operação é isenta de IVA nos termos previstos na alínea c) do artigo 14.º do RITI.
No Reino Unido, esta operação é assimilada a aquisição intracomunitária de bens atentos ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º do RITI, como norma reflexa, uma vez que o IVA é um imposto cujas regras se encontram harmonizadas na União Europeia.
Resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do RITI:
«(…) 1 - Consideram-se assimiladas a aquisições intracomunitárias de bens, efetuadas a título oneroso, as seguintes operações:
a) A afetação por um sujeito passivo às necessidades da sua empresa, no território nacional, de um bem expedido ou transportado, por si ou por sua conta, a partir de outro Estado membro no qual o bem tenha sido produzido, extraído, transformado, adquirido ou importado pelo sujeito passivo, no âmbito da sua atividade; (…).»
As transmissões de bens cujo início do transporte ou colocação à disposição do adquirente se realize a partir do armazém localizado no Reino Unido, são operações localizadas nesse território, atentos ao disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Código do IVA, interpretado também como norma reflexa da legislação vigente nesse país, sem prejuízo da aplicação das normas quanto às transmissões intracomunitárias de bens quando verificados os requisitos.
Pelo que, as vendas realizadas no Reino Unido, cujo início de transporte ocorre nesse país, são transmissões de bens realizadas no Reino Unido, sujeitas a IVA nos moldes gerais previstos.
O sujeito passivo português deverá registar-se ou nomear representante no Reino Unido, situação que já se verificou no caso exposto, para aí cumprir com as suas obrigações fiscais. Pois efetivamente ele realiza aquisições intracomunitárias nesse país (onde deve proceder à liquidação do IVA, podendo exercer o direito à dedução do mesmo nos termos gerais previstos na legislação em sede de IVA vigente no Reino Unido) e transmissões internas (com lugar a liquidação do IVA).
Neste caso, para efeitos de preenchimento da declaração periódica de IVA admitimos que apenas seja relevada a transmissão intracomunitária de bens.