PT23299 – Donativos de bens a instituições
23-08-2019
Determinadas pastelarias e padarias doam bens a instituições particulares de solidariedade social para distribuição dos bens a pessoas carenciadas. O documento que estão a elaborar é interno, que é somente feito na empresa e assinado pela pessoa da instituição que carrega os produtos.
A menção que está no documento é «n.º 10 do artigo 15.º CIVA.» Este documento não está a ir para o e-fatura nem a ser incluído no campo 8 do quadro 6 da declaração periódica do IVA. O lançamento contabilístico feito é 6884 a 38313. Será que estão corretos estes procedimentos?Parecer técnico
A questão colocada refere-se com o enquadramento contabilístico e fiscal das doações de inventários, efetuadas por uma entidade, que se dedica a exploração da atividade de pastelaria e padaria. Na questão é mencionado que as doações são efetuadas a instituições de solidariedade social para distribuição por pessoas carenciadas.
No tratamento em sede de IVA dos donativos em espécie efetuados por sujeitos passivos de imposto haverá que se atender às regras estabelecidas no CIVA para as transmissões gratuitas de bens.
O n.º 1 do artigo 3.º do CIVA define como regra geral que as transferências onerosas de bens, em que exista alteração do exercício do direito de propriedade, serão consideradas transmissões de bens para efeitos de IVA.
O artigo 1.º do CIVA estabelece que as transmissões de bens, tal como definidas no artigo 3.º, estão sujeitas a imposto, sendo esse imposto devido e exigível, ao Estado, no momento em que os bens serão postos à disposição, conforme disposto no n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Código.
Em complemento a esta regra geral, o n.º 3 do artigo 3.º do CIVA refere outras realidades jurídicas distintas das transferências onerosas como assimiladas a transmissão de bens, entre as quais se inclui «(...) a sua transmissão gratuita quando, relativamente a esses bens ou aos elementos que os constituem, tenha havido dedução total ou parcial do imposto (alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º CIVA).»
Assim, quando os sujeitos passivos não tenham deduzido (total ou parcialmente) o imposto suportado a montante dos bens que vão ser objeto de doação, tais entregas, não consistindo numa transmissão de bens nem sendo uma operação assimilada, estão fora do âmbito de incidência do imposto, não sendo, portanto, tributadas em IVA.
Para além do referido na parte final da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA, existe, ainda, uma outra exclusão à incidência de imposto relativamente à transmissão gratuita de bens, conforme referido na última parte do n.º 7 do artigo 3.º do CIVA, referentes a ofertas de reduzido valor.
Essas ofertas de bens, que tenham um valor unitário igual ou inferior a 50 euros, e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais, não estarão sujeitas à liquidação de imposto.
Atendendo a estas normas, se os donativos em causa respeitarem a entrega de bens, cuja oferta tenha um valor unitário até 50 euros, essa transmissão gratuita não deverá ser tributada em IVA, pressupondo que o valor anual das ofertas não exceda cinco por mil do volume de negócios da empresa no ano anterior.
Não estando perante as duas situações descritas em cima, ou seja, o donativo exceda o valor unitário de 50 euros ou o seu valor anual exceda cinco por mil do volume de negócios do ano anterior, e ainda, se o imposto suportado na aquisição desses bens tenha sido deduzido, ainda que parcialmente, pela empresa, quando existir donativo sobre esses bens, essa entrega será assimilada a uma transmissão onerosa de bens, devendo ser sujeita a tributação de IVA (e consequentemente haverá obrigação de emissão de fatura).
O valor tributável desta operação será constituído pelo preço de aquisição dos bens ou de bens similares ou, na sua falta, pelo preço de custo, reportados ao momento das realizações das operações (alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA), sendo definido pelo preço que um adquirente, em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor independente, por um bem similar (custo de reposição), conforme o n.º 4 do artigo 16.º do CIVA.
No entanto, de acordo com o n.º 10 do artigo 15.º do CIVA, se essas transmissões gratuitas de bens forem destinadas à posterior distribuição a pessoas carenciadas, efetuadas ao Estado, a instituições particulares de solidariedade social e a organizações não-governamentais sem fins lucrativos, encontram-se isentas de imposto. Não obstante não ser liquidado IVA, a isenção não interfere com o direito à dedução do IVA suportado a montante.
Quanto à obrigação de emissão de fatura, refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA, que os sujeitos passivos de imposto serão obrigados a emitir uma fatura por cada transmissão de bens, conforme conceito definido pelo artigo 3.º do mesmo Código, incluindo-se nesta obrigação as entregas de bens a título gratuito quando se qualifiquem como operações sujeitas a IVA.
A emissão desta fatura deverá cumprir com os requisitos mencionados no artigo 36.º do CIVA, ou nos termos do artigo 40.º do CIVA (faturas simplificadas), se aí forem cumpridos os requisitos.
Por outro lado, caso o donativo se enquadre no conceito de mecenato, a entidade beneficiária do donativo (por exemplo, IPSS) será também obrigada a emitir um documento comprovativo dos montantes dos donativos recebidos, a entregar à entidade mecenas (artigo 66.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)), devendo tal documento conter a indicação do seu enquadramento como entidade beneficiária de donativos, de acordo com as definições estabelecidas nos artigo 61.º e seguintes do EBF e, ainda com a menção de que o donativo será concedido sem contrapartidas, conforme conceito estabelecido no artigo 61.º do EBF.
E, nos termos do artigo 66.º do EBF (passamos a citar):
«1 - As entidades beneficiárias dos donativos são obrigadas a:
a) Emitir documento comprovativo dos montantes dos donativos recebidos dos seus mecenas, com a indicação do seu enquadramento no âmbito do presente capítulo e, bem assim, com a menção de que o donativo é concedido sem contrapartidas, de acordo com o previsto no artigo 60.º;
b) Possuir registo atualizado das entidades mecenas, do qual constem, nomeadamente, o nome, o número de identificação fiscal, bem como a data e o valor de cada donativo que lhes tenha sido atribuído, nos termos do presente capítulo;
c) Entregar à Direcção-Geral dos Impostos, até ao final do mês de fevereiro de cada ano, uma declaração de modelo oficial referente aos donativos recebidos no ano anterior.
2 - Para efeitos da alínea a) do número anterior, o documento comprovativo deve conter:
a) A qualidade jurídica da entidade beneficiária;
b) O normativo legal onde se enquadra, bem como, se for caso disso, a identificação do despacho necessário ao reconhecimento;
c) O montante do donativo em dinheiro, quando este seja de natureza monetária;
d) A identificação dos bens, no caso de donativos em espécie.
3 - Os donativos em dinheiro de valor superior a 200 euros devem ser efetuados através de meio de pagamento que permita a identificação do mecenas, designadamente transferência bancária, cheque nominativo ou débito direto.»
Assim, ainda que a doação não se encontre abrangida pelas regras de incidência do IVA, deverá, de igual modo, ser emitido um documento interno para efeitos de stock e o recibo emitido pela entidade beneficiária (IPSS se for o caso) para documentar a operação.
Resumidamente, as doações de bens em sede de IVA configuram-se como «transmissões gratuitas.» E, nos termos da alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA (CIVA), se relativamente aos bens que se pretende doar foi exercido o direito à dedução (total ou parcial) significa que estamos perante uma transmissão de bens sujeita a IVA. Note-se que se trata de uma liquidação de IVA e não de uma regularização.
Porém, considerando que no caso em concreto as transmissões gratuitas são efetuadas a instituições que sejam Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) para posterior distribuição a pessoas carenciadas, neste caso, significa, que o sujeito passivo («pastelarias e padarias») poderá aplicar a isenção do n.º 10 do artigo 15.º do CIVA. Na fatura deverá colocar esta norma de isenção de IVA, e não terá de liquidar ou regularizar IVA.
Em termos declarativos, apenas terá que ser relevado as doações que obrigam à liquidação do IVA, o que não parece ser este caso em concreto, uma vez que, parece reunir as condições de isenção previstas no n.º 10 do artigo 15.º do CIVA.
No caso de liquidação do IVA, esse IVA autoliquidado deve ser incluído nos campos 3 (valor tributável) e campo 4 (IVA liquidado), com indicação de «SIM» na resposta inicial do quadro 06. O referido valor tributável (custo dos bens) deve ser ainda incluído no campo 103 do quadro 06A.
Em termos contabilísticos, os inventários têm o tratamento previsto na norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 18 - Inventários.
São considerados como inventários, todos os ativos adquiridos ou produzidos destinados a venda ou a inclusão na produção (ou na execução de prestação de serviços), no âmbito da atividade ordinária da entidade.
De acordo com o parágrafo 9 da NCRF 18, os inventários são mensurados pelo custo (de aquisição ou de produção) ou pelo valor realizável líquido, dos dois o mais baixo.
Como a entidade irá efetuar a entrega a título gratuito de bens produzidos para venda, classificados como inventários, deve reconhecer uma perda nos resultados do período, pelo custo de produção desses inventários, com classificação na conta de outros gastos e perdas, e não na conta de variação dos inventários do período, conforme previsto no parágrafo 34 da NCRF 18.
A entrega dos bens de inventário, sendo efetuada a título gratuito, não deve gerar qualquer rédito pela venda de bens (conta 71) e gasto de vendas (conta 73).
Os registos contabilísticos podem ser:
Pela retirada dos bens produzidos entregues a título gratuito:
- Débito da conta 384 - Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos - Produtos acabados e intermédios, por contrapartida a crédito da conta 34 - Produtos acabados e intermédios, pelo custo do inventário, determinado pela fórmula de custeio utilizada pela empresa.
Pelo reconhecimento da perda de inventários pela doação:
- Débito da conta 6882 - Donativos por contrapartida a crédito da conta 384 - Reclassificação e regularização de inventários e ativos biológicos - Produtos acabados e intermédios, pelo custo do inventário, determinado pela fórmula de custeio utilizada pela empresa.