Opinião
Ordem nos media
O aliado do incumprimento fiscal está na lei
15 December 2006
Artigo de A. Domingues Azevedo, presidente da CTOC

                                                                  

Neste "jardim à beira-mar plantado", temos vindo a acumular hábitos e tradições com que pacificamente nos habituamos a viver e, em simultâneo, a criticar.
Constatamos desequilíbrios, reclamamos a necessária mudança, mas quando ela nos toca, criticamo-la.
É uma espécie do "era e não era". Sempre que as mudanças afectam apenas os outros, aplaudimos exaustivamente as medidas adoptadas, mas quando nos atingem, independentemente da sua necessidade ou até do seu mérito, usamos todos os meios para manifestarmo-nos contra.
Aqueles comportamentos, em substância, encerram conceitos e valores de vida onde o egoísmo, o individualismo e o desenrasca prevalece sobre todos os restantes.
Não é pois de estranhar que, por vezes, ouçamos os nossos governantes afirmarem que não podem governar em função desta ou daquela crítica, mas sim em função dos objectivos de interesse nacional.
Numa tradição em que imperou o chicoespertismo, não é pois de estranhar a resistência e a perplexidade com que às vezes algumas pessoas demonstram, perante alguns factos, extremamente positivos, que ultimamente têm surgida na gestão da fiscalidade portuguesa.
A estratégia da Administração Fiscal, com o meu inteiro aplauso, tem sido de através da publicitação das situações de incumprimento, criar na sociedade um estado de espírito pedagógico: se não cumprem com as obrigações fiscais, serão descobertos e, para além de sofrerem as penalizações previstas na lei, sofrem ainda a censura social.
Esta é a ideia que melhor se adequa à nossa realidade e ao nosso estado cultural, no que ao cumprimento dos deveres de cidadania diz respeito.
Estou de acordo com a publicitação dos actos inerentes à "operação furacão", das listas dos devedores e de todas as acções que conduzam à criação de um novo espírito de cidadania. Sempre o defendi!
Evidentemente que, quanto mais os erros e incumprimentos dos contribuintes são publicamente expostos, maiores têm que ser os cuidados da Administração Fiscal no seu relacionamento com os sujeitos passivos e no cumprimento escrupuloso das normas legais que regem aquele relacionamento. As diferenças injustificadas de tratamento e visionamento das normas legais, quando se trata dos contribuintes no cumprimento das suas obrigações ou da Administração Fiscal na sua aplicação, é o mais poderoso antídoto para a criação de hábitos de cumprimento das obrigações de cidadania.
Só num relacionamento equilibrado, emergente de uma estrutura legal e, porquanto, que tem de começar com a concepção das próprias leis, complementado com um culto rígido de obediência da Administração e dos contribuintes ao seu cumprimento, é que valerá a pena todas as alterações e factos que têm constituído o nosso quotidiano.
Há cerca de dez anos, o Professor Sousa Franco, então Ministro das Finanças, perguntava-me: "O que acha que teria maior impacto na mudança de hábitos dos comportamentos de cidadania fiscal dos portugueses?".
Porque era, e continua a ser essa a minha convicção, respondi. "Portugal tem duas culturas muito enraizadas, a de incumprimento fiscal e a de horror a ser descoberto pelo fisco".
Continuo a pensar da mesma maneira, por isso estou de acordo com a grande maioria das medidas que ultimamente têm sido adoptadas.
Mas estando de acordo, também tenho a certeza que o maior aliado do incumprimento é a injustiça das próprias leis ou as desigualdades que se provocam, por quem tem o dever da sua aplicação.
Daí continuar a defender que só um estado de direito na concepção e aplicação das leis pode constituir uma base segura para a criação e desenvolvimento de uma sociedade com igualdade de oportunidades.