Opinião
Ordem nos media
Os dois pesos e as duas medidas do Estado
5 January 2007
Artigo de Domingues Azevedo, presidente da CTOC

                                     

Na sequência de uma acção previamente anunciada, muitas empresas e cidadãos viram os seus créditos perante terceiros ou vencimentos, nos termos da lei, penhorados pela Administração Fiscal.
Aquela iniciativa espelha com elevado rigor, o nível de eficácia do nosso ordenamento jurídico, no que respeita à salvaguarda dos direitos do Estado.
Julgo que por opção estratégica, por ser muito mais rápido, socialmente menos oneroso e muito facilitada a sua conversão em moeda corrente, a Administração Fiscal abandonou a instituição dos processos de longa duração, enveredando por aqueles mais céleres.
Na verdade, é muito mais fácil notificar uma entidade patronal para reter no vencimento mensal um sexto do seu montante e entregá-lo, líquido e gratuitamente, em qualquer banco à ordem da Direcção-Geral do Tesouro, do que percorrer a «via sacra» administrativa de marcar uma praça para proceder à venda de um determinado bem.
É muito mais fácil notificar o devedor de determinada importância de que o seu pagamento fica, nos termos dos normativos aplicáveis (CPT e CPPT), à ordem daquela entidade, do que outro qualquer mecanismo.
Subscrevo e aplaudo os comportamentos descritos. Os deveres de cidadania, que em princípio revertem a favor do próprio cidadão, não podem ser postergados para último plano.
Estando de acordo com o processo e defendendo que a sua filosofia seja extensível a outros procedimentos, é necessário que não nos deixemos embalar pela euforia que tal facto é capaz de gerar.
Só faz sentido a implementação do rigor e eficiência, se estas características estiver associado um carácter generalista e integral. Isto é, o Estado, através da Direcção-Geral dos Impostos, não pode ser parte privilegiada do processo, mas apenas e só, parte interveniente no mesmo.
O rigor, a rapidez, a eficiência e a organização que ele exige das empresas, dos contribuintes e dos cidadãos, tem que ter uma contrapartida equivalente por parte do Estado, quando ele se relaciona com aqueles.
Quando temos um Estado que exige obediência aos sujeitos passivos, quando ele não cumpre com aqueles a quem exige cumprimento, estamos a criar distorções que envenenam e limitam a relação transparente e igualitária entre a Administração Fiscal e a sociedade. Quando o Fisco demora mais de dois anos a dar resposta a um requerimento dos contribuintes, não estamos a falar em planos de igualdade.
É que se os sujeitos obrigados não cumprirem com o estabelecido nas normas aplicadas, sofrem as inerentes consequências. Já quando é a Administração a não cumprir, o contribuinte fica completamente desprotegido, não podendo aplicar coimas àquela Administração. E mesmo quando se quer ver ressarcido dos prejuízos que o atraso lhe causa, não vê os tribunais satisfazerem a sua pretensão.
Em meu entender, já era tempo de se conceber um normativo jurídico que enquadrasse de uma forma igualitária e transparente as relações do Estado com os seus obrigados, num plano de igualdade, em que se possibilitasse de uma forma célere e eficiente a compensação dos direitos e deveres, uma vez que os montantes fossem líquidos e exigíveis.
A continuação dos desequilíbrios existentes, mais tarde ou mais cedo, gerará sentimentos de frustração e vitimação, o que conduzirá às naturais resistências ao cumprimento dos deveres de cidadania.
Por isso, continuo a pensar que a forma mais segura de convencer os cidadãos ao cumprimento do seu dever de cidadania, embora com um poderoso e eficiente sistema de controlo, não é o controlo de per si, mas sim a criação de hábitos de cumprimento dos deveres de cidadania, sem quaisquer sentimentos de injustiça ou de desigualdade de tratamento.