Opinião
Ordem nos media
A escola e a cidadania fiscal
26 January 2007
Artigo de Domingues de Azevedo, presidente da CTOC

                                            

Diz o povo na sua infinita sabedoria, que há duas coisas certas na vida: a morte e os impostos. A atitude dos portugueses relativamente às suas obrigações fiscais tem vindo a mudar nos anos mais recentes, mas perdura ainda uma lógica de uma certa resignação no cumprimento de um acto que devia ser encarado do modo mais natural possível. Convidado para encerrar uma das acções de formação da CTOC, que decorreu esta semana em Lisboa, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais congratulou-se com as "boas notícias" da execução orçamental referente ao sub-sector Estado, em 2006, tendo destacado o comportamento do IRC, que registou um crescimento de 16%. Na ocasião, afirmou o seguinte, que passo a citar: "apesar da economia estar a crescer menos do que seria desejável, as receitas subiram, mas isso não se deve a um aumento do voluntarismo das empresas, mas sim a um grau de cumprimento tributário mais elevado". É aqui que reside o ponto-chave. A máquina do Fisco e da Segurança Social estão indiscutivelmente mais eficazes e o montante de receitas acumulado é disso prova, mas porventura será necessário mudar o paradigma e resgatar a cidadania fiscal perdida. Por exemplo, a lista "negra" dos devedores, o cruzamento de dados e as penhoras automáticas são estratégias bem pensadas e melhor executadas, para dar resposta às dificuldades com que os ministérios das Finanças e da Segurança Social se debatem para cumprir as regras. Mas, nestes casos, é o Estado que "persegue" o cidadão, no bom sentido da palavra, claro está. É preciso prevenir em vez de reprimir. Não sou lírico e pensar que tudo pode mudar com um passe de mágica, mas acredito que enveredar por métodos pedagógicos pode contribuir para alterar comportamentos e fomentar uma noção de voluntarismo que se encontra ausente. Estou em crer que os resultados seriam mais construtivos e isso "normalizaria" o relacionamento entre o cidadão e a Administração Fiscal que, lamentavelmente, continua a ser perspectivado numa dinâmica de "rato e de gato".
Reconheço que descristalizar as mentalidades em Portugal é uma tarefa hercúlea, mas, como se está a fazer noutros domínios com reformas arrojadas, é necessário agir. Pagar impostos ou fugir impunemente a eles é uma questão de elementar cidadania (ou da falta dela) e de saber estar (ou não) em comunidade. Trata-se, acima de tudo, de uma matéria do foro educativo. Numa altura em que o sistema escolar está a sofrer uma forte remodelação, não sendo de espantar, por isso, a reacção encolerizada dos sindicatos, porque não ensinar nos bancos das escolas, a alunos de tenra idade, que pagar impostos é uma inevitabilidade? Obviamente desde que explicitando, a utilidade das receitas dos impostos para a sua vida futura, em termos de assistência médica, Segurança Social, (continuo a acreditar que o sistema não vai falir e que o "público" terá de ser, forçosamente, tão ou melhor que o privado). Numa linguagem simples, "descodificada", mas pedagógica. A base da cidadania fiscal reside na escola e na capacidade do sistema de ensino se adaptar às novas realidades. Se começarmos já, os resultados palpáveis poderão vislumbrar-se dentro de duas ou três gerações. É altura de arrepiarmos caminho e escaparmos da senda crónica de perder oportunidades de ouro e virar a cara a desafios. Não sou dos que acredita que está nos genes dos portugueses a tendência para infringir. Se tivermos cidadãos, desde muito novos, conscientes dos seus direitos e deveres, teremos uma sociedade mais competitiva e mais respeitada além-fronteiras.