PT25339 – Transparência fiscal
04-08-2020
A questão prende-se com a forma (e valor) como podem ser deduzidos prejuízos de anos anteriores, na esfera do IRS dos sócios, nas sociedades de transparência fiscal. As instruções de preenchimento do anexo D da Modelo 3 de IRS, referem que nos campos 401 e 402 se coloca o valor da matéria coletável. Num parecer publicado no «Jornal de Negócios», em 2017, refere-se que "Essa tributação opera através da imputação dos resultados fiscais aos sócios". Portanto, a dúvida está, precisamente, aqui. É que a matéria coletável obtém-se deduzindo os prejuízos fiscais, dedutíveis, de anos anteriores, ao lucro fiscal obtido. A este propósito, apresenta-se o seguinte exemplo: No ano "N-1" a empresa XX (empresa no regime de transparência fiscal), registou um prejuízo fiscal de 1.000 euros. No ano "N" registou um lucro fiscal de 10.000 euros. Neste ano (N), qual o valor a imputar aos sócios? O lucro fiscal de 10.000 euros, ou a matéria coletável de 9.000 euros?
Parecer técnico
Na situação em análise a questão colocada refere-se ao enquadramento fiscal de uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal. Em concreto é questionada de que forma são deduzidos os prejuízos fiscais.
O regime da transparência fiscal é um regime de tributação de aplicação obrigatória. Assim, as entidades que se encontrem por ele abrangidas devem referenciar tal enquadramento aquando do preenchimento da declaração periódica de rendimentos Modelo 22. De referir que tal enquadramento é informação que não consta do cadastro do sujeito passivo na Administração Tributária.
Grosso modo, este regime de tributação determina o rendimento gerado pela sociedade ao longo de um exercício económico, de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis e eventualmente corrigido pelas imposições fiscais do Código do IRC, nomeadamente no que se refere à não aceitação de gastos, à dedução de rendimentos não tributados e à dedução de prejuízos e benefícios fiscais.
Esse rendimento, designado de matéria coletável, não está sujeito a IRC, sendo imputado aos sócios na proporção da sua quota, se outro critério não for definido no contrato de sociedade, para ser tributado em sede de IRS, como Categoria B, juntamente com os restantes rendimentos destes.
Numa sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal a dedução dos prejuízos fiscais processa-se na esfera da própria sociedade, ocorrendo a imputação do rendimento aos sócios apenas após este procedimento.
Não sendo relevante para o efeito o facto de os prejuízos fiscais terem sido obtidos num ano em que o sujeito passivo se encontrava no regime geral e a sua utilização ocorra aquando do enquadramento deste no regime de transparência fiscal ou vice-versa.
De acordo com as instruções de preenchimento do Anexo D, nos campos 401 e 402, deve indicar-se o valor da matéria coletável imputada ao sócio da sociedade sujeita ao regime de transparência fiscal, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º do CIRC. Se a sociedade apurou prejuízo fiscal, este não é inscrito em nenhum campo do Anexo D.
Assim, no caso em concreto, se a entidade obteve um prejuízo fiscal de 1.000 euros no ano N-1, na declaração de rendimentos (Modelo 3 de IRS), não deverá ser imputado qualquer rendimento ao sócio.
Por sua vez, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 15.º do Código do IRC, a matéria coletável "... obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado nos termos dos artigos 17.º e seguintes, dos montantes correspondentes a:
1) Prejuízos fiscais, nos termos do artigo 52.º;
2) Benefícios fiscais eventualmente existentes que consistam em deduções naquele lucro;...".
Deste modo, o prejuízo apurado na sociedade enquadrada no regime de transparência fiscal não é imputável ao sócio, pois a sociedade utilizará o mecanismo do reporte de prejuízos fiscais previsto no artigo 52.º do CIRC.
Assim, se nos exercícios seguintes a sociedade tiver lucros, o valor a imputar ao sócio será menor, em resultado da dedução dos prejuízos fiscais de exercícios anteriores no cálculo do lucro tributável da sociedade, nos termos do CIRC.
Tal como já referido, é o artigo 52.º do Código do IRC que se refere quanto à dedução de prejuízos fiscais, estabelecendo o n.º 1 desta norma que:
"... sem prejuízo do disposto no número seguinte, os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos cinco períodos de tributação posteriores, à exceção dos sujeitos passivos que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial e que estejam abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, os quais podem fazê-lo em um ou mais dos doze períodos de tributação posteriores...".
A dedução a efetuar em cada um dos períodos de tributação, nos prazos referidos, não pode exceder o montante correspondente a 70% do lucro tributável desse período, não ficando prejudicada a dedução da parte que não tenha sido deduzida, nas mesmas condições e até ao final do respetivo prazo.
Assim no caso em concreto, considerando que no ano "N” a sociedade obteve um lucro de 10.000 euros, poderá deduzir a este o prejuízo fiscal apurado no ano "N-1”. Assim sendo, o lucro tributável a atribuir ao sócio em "N" é o valor de 9.000 euros (10.000 euros - 1.000 euros).