Provisões para riscos e encargos
PT28080
Uma empresa de construção edificou e vendeu duas moradias em finais de 2023. No encerramento do ano teve um resultado de 279 637,73 euros. Pode criar-se uma provisão de garantia a clientes de cinco por cento, para defeitos de construção?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o reconhecimento de provisões para garantias a clientes.
No caso apresentado, a entidade exerce a atividade de construção e venda de imóveis. Em concreto é questionado se pode constituir uma provisão de cinco por cento pela venda de dois imóveis em finais de 2023.
Considerando que não é indicado o normativo contabilístico adotado pela entidade, iremos abordar esta temática no âmbito das normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) previstas no aviso n.º 8 256/2015, de 29 de julho. Para o caso apresentado, o tratamento contabilístico é comum em todos os normativos.
Contabilisticamente, as provisões são tratadas na NCRF 21 - Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes, cujo objetivo é prescrever critérios de reconhecimento e bases de mensuração apropriados a provisões, passivos contingentes e ativos contingentes.
Uma provisão é um passivo de tempestividade ou quantia incertos (parágrafo 8 da NCRF 21) e só deve ser reconhecida quando, cumulativamente (parágrafo 13 da NCRF 21):
- Uma entidade tenha uma obrigação presente, legal ou construtiva, como resultado de um acontecimento passado;
- Seja provável que um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos será necessário para liquidar a obrigação; e
- Possa ser feita uma estimativa fiável da quantia da obrigação.
Para que um passivo se qualifique para reconhecimento precisa de haver não somente uma obrigação presente, mas também a probabilidade de um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos para liquidar essa obrigação. Para a finalidade da NCRF 21, um exfluxo de recursos ou outro acontecimento é considerado como provável se o acontecimento for mais provável do que não de ocorrer, isto é, se a probabilidade de que o acontecimento ocorrerá for maior do que a probabilidade de isso não acontecer. Quando não for provável que exista uma obrigação presente, uma entidade divulga um passivo contingente, a menos que a possibilidade de um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos seja remota (§ 22 da NCRF 21).
Quando houver várias obrigações semelhantes (por exemplo, garantias de produtos ou contratos semelhantes), a probabilidade de que um exfluxo será exigido na liquidação é determinada considerando-se a classe de obrigações como um todo. Se bem que a probabilidade de exfluxo de qualquer item possa ser pequeno, pode bem ser possível que algum exfluxo de recursos será necessário para liquidar a classe de obrigações como um todo. Se esse for o caso, é reconhecida uma provisão, se os outros critérios de reconhecimento forem satisfeitos (parágrafo 23 da NCRF 21).
As provisões são, portanto, passivos incertos, devendo ser reconhecidas apenas quando for mais provável do que não o exfluxo de recursos e possa ser efetuada uma estimativa fiável da quantia da obrigação.
A obrigação presente poderá resultar da própria atividade desenvolvida pela empresa que obriga a que esta execute qualquer reparação nos inventários vendidos ou prestações de serviços efetuadas a clientes, durante um período estabelecido, após venda ou conclusão e entrega. Este período poderá variar em função de qualquer obrigação legal ou construtiva (política adotada pela entidade).
A quantia reconhecida como uma provisão deve ser a melhor estimativa do dispêndio exigido para liquidar a obrigação presente à data do balanço, devendo ter em consideração o disposto nos parágrafos 35 a 52 da NCRF 21.
De acordo com o parágrafo 37 da NCRF 21, as estimativas do desfecho e do efeito financeiro são determinadas por julgamentos, complementados pela experiência de transações semelhantes e, em alguns casos, por relatos de peritos independentes. Assim, a estimativa da provisão para garantias a clientes poderá ser efetuada tendo por base o histórico (se existir) dos encargos normalmente incorridos com as reparações no âmbito da garantia. A evidência considerada inclui qualquer evidência adicional proporcionada por acontecimentos após a data do balanço.
Quando o efeito do valor temporal do dinheiro for material, a quantia de uma provisão deve ser o valor presente dos dispêndios que se espera que sejam necessários para liquidar a obrigação, conforme disposto no parágrafo 45 da NCRF 21. Atendendo a que os encargos com garantias prestadas aos clientes se poderão estender por vários períodos contabilísticos, haverá que registar o correspondente passivo (e gasto) pelo respetivo valor presente, atualizando os custos que se estimam incorrer durante o período da garantia para o momento presente.
Os encargos a ter em conta com a garantia prestada ao cliente deverão ser os encargos que efetivamente se irão incorrer com a reparação de algum aspeto relacionado com o inventário vendido ou pela prestação de serviços efetuada, incluindo-se dispêndios com deslocações e estadas, mão-de-obra utilizada, materiais aplicados, subcontratos, entre outros.
Em conformidade com o disposto no parágrafo 58 da NCRF 21, as provisões devem ser revistas à data de cada balanço e ajustadas para refletir a melhor estimativa corrente. Se deixar de ser provável que será necessário um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos futuros para liquidar a obrigação, a provisão deve ser revertida.
Quando forem utilizadas quantias descontadas, a quantia de uma provisão aumenta em cada período para refletir a passagem do tempo. Este aumento é reconhecido como um gasto financeiro, conforme estabelecido no parágrafo 59 da NCRF 21.
De acordo com os parágrafos 60 e 61 da NCRF 21, uma provisão deve ser usada somente para os dispêndios relativos aos quais a provisão foi originalmente reconhecida. Somente os dispêndios que se relacionem com a provisão original são contrabalançados com a mesma. Contrabalançar os dispêndios com uma provisão que foi originalmente reconhecida para uma outra finalidade esconderia o impacto de dois acontecimentos diferentes.
Os registos contabilísticos relacionados com as garantias prestadas aos clientes poderão ser os seguintes:
No início do período de garantia, pelo reconhecimento da provisão para garantias a clientes:
- Débito da conta 672 - Provisões do período - Garantias a clientes, por contrapartida a crédito da conta 292 - Provisões - Garantias a clientes, pela estimativa (eventualmente o valor presente) dos encargos a incorrer no âmbito da garantia;
Durante e até ao final do período da garantia, pelo gasto de juros relacionado com a provisão de garantia a clientes, pela atualização ao valor presente:
- Débito da conta 691 - Gastos de financiamento - Juros suportados, por contrapartida a crédito da conta 292 - Provisões - Garantias a clientes, pela diferença referente ao juro do período decorrido, nos termos do parágrafo 59 da NCRF 21;
Durante e até ao final do período da garantia, pelo uso da provisão, nos termos dos parágrafos 60 e 61 da NCRF 21:
- Débito da conta 292 - Provisões - Garantias a clientes, por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem ou conta 22 - Fornecedores ou conta 23 - Pessoal, pelos encargos efetivamente incorridos no âmbito da garantia a clientes, incluindo-se dispêndios com deslocações e estadas, mão-de-obra utilizada, materiais aplicados, subcontratos, entre outros, conforme acima referido.
Esses dispêndios e outros encargos poderão ser identificados e determinados numa folha de obra por cada assistência efetuada no âmbito da garantia.
Na situação apresentada, em termos contabilísticos, faz sentido a constituição de uma provisão para riscos de garantias a clientes.
De referir que a provisão deverá manter-se reconhecida como passivo até que a obrigação de prestar a garantia ao cliente deixe de existir ou seja reduzida.
Em termos fiscais, o artigo 23.º do Código do IRC, mais concretamente a alínea i) do n.º 2, estabelece que são fiscalmente dedutíveis as provisões incorridas ou suportadas para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Em termos fiscais, as provisões são tratadas no artigo 39.º do Código do IRC, que determina que são dedutíveis:
- As que se destinem a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os gastos do período de tributação;
- As que se destinem a fazer face a encargos com garantias a clientes previstas em contratos de venda e de prestação de serviços;
- As provisões técnicas constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, de caráter genérico e abstrato, pelas empresas de seguros sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de empresas seguradoras com sede em outro Estado-membro da União Europeia;
- As constituídas com o objetivo de fazer face aos encargos com a reparação dos danos de caráter ambiental dos locais afetos à exploração, sempre que tal seja obrigatório nos termos da legislação aplicável e após a cessação desta.
As provisões para garantias a clientes são, assim, fiscalmente dedutíveis nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 39.º do Código do IRC, definindo o n.º 5 do mesmo artigo que «o montante anual da provisão para garantias a clientes (...) é determinado pela aplicação às vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia efetuadas no período de tributação de uma percentagem que não pode ser superior à que resulta da proporção entre a soma dos encargos derivados de garantias a clientes efetivamente suportados nos últimos três períodos de tributação e a soma das vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia efetuadas nos mesmos períodos.»
A aplicação prática da referida disposição legal foi clarificada através da Circular n.º 10/2011, da Direção de Serviços do IRC, a qual menciona que:
- O montante anual a que se refere o n.º 5 do artigo 39.º do Código do IRC corresponde à dotação anual (dotação da provisão reconhecida como um gasto) determinada pela aplicação da percentagem ao volume de vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia a clientes do ano em causa e não ao montante acumulado da provisão no fim de cada período de tributação.
- Para efeitos do cálculo do limite que pode ser fiscalmente aceite nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do Código do IRC, é necessário conhecer o histórico de encargos com garantias respeitantes a vendas e prestações de serviços, nos últimos três períodos de tributação.
- A referência aos «últimos três períodos de tributação» permite considerar os dados do período em que se está a constituir ou a reforçar a provisão (ano “N”) e dos dois períodos anteriores (anos “N-1” e “N-2”), uma vez que no final do período de tributação “N” são já conhecidas as vendas e as prestações de serviços desse período bem como os encargos suportados com garantias a clientes.
- No período de tributação em que se inicia a atividade, a provisão fiscalmente aceite é a que corresponde aos encargos suportados nesse período com as garantias a clientes.
- No período de tributação seguinte, a provisão é calculada pela aplicação às vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia da percentagem que resulta da proporção entre a soma dos encargos com garantias a clientes efetivamente suportados nesse período e no período anterior e a soma das vendas e das prestações de serviços sujeitas a garantia efetuada nos mesmos períodos.
- Idêntico entendimento é de aplicar às situações em que o sujeito passivo, no decurso da sua atividade, comece a efetuar vendas ou a prestar serviços sujeitos a garantia.
Face ao exposto, considerando o caso em concreto, entendemos que, existindo estimativas fiáveis dos gastos com garantia que serão suportados, deverão estar reunidas as condições para que seja reconhecida uma provisão. Contabilisticamente, debitar-se-á a conta «672 - Provisões do período - Garantias a clientes» e creditar-se-á a conta «292 - Provisões - Garantias a clientes.»
Pressupondo que a provisão para garantias a clientes será reconhecida no período de 2023, o limite fiscal dessa provisão resultará da aplicação, às vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia reconhecidas no período de 2023, de uma percentagem que decorrerá da proporção entre a soma dos encargos derivados de garantias a clientes efetivamente suportados nos últimos três períodos de tributação (2021, 2022 e 2023) e a soma das vendas e prestações de serviços sujeitas a garantias efetuadas nos mesmos períodos.
Relevamos, no entanto, que o critério fiscal não tem de ser seguido no reconhecimento contabilístico das provisões para garantias a clientes.
Note-se que o uso de estimativas é uma parte essencial da preparação de demonstrações financeiras e não prejudica a sua fiabilidade. Isto é especialmente verdade no caso de provisões, que pela sua natureza são mais incertas do que a maior parte de outros elementos do balanço. Exceto em casos extremamente raros, uma entidade será capaz de determinar uma gama de desfechos possíveis e pode, por isso, fazer uma estimativa da obrigação que seja suficientemente fiável para usar ao reconhecer uma provisão (parágrafo 24 da NCRF 21). No caso extremamente raro em que nenhuma estimativa fiável possa ser feita, existe um passivo que não pode ser reconhecido. Esse passivo é divulgado como um passivo contingente ( parágrafo 25 da NCRF 21).
No âmbito das provisões, das diferenças existentes entre os normativos contabilístico e fiscal, podemos concluir que apenas as provisões constantes no artigo 39.º do Código do IRC são de considerar no apuramento do lucro tributável. O que significa, por outro lado, que todas as provisões reconhecidas nas demonstrações financeiras que não se encontrem refletidas no artigo 39.º do Código do IRC, ou que ultrapassem os limites nele consagrados, devem ser acrescidas no campo 721 do quadro 07 da declaração periódica de rendimentos (declaração modelo 22).
Se, no final do período de cinco anos, a provisão reconhecida não tiver sido utilizada, proceder-se-á à sua reversão, debitando-se a conta 292 e creditando-se a conta 7632 - Reversões - De provisões - Garantias a clientes. Se o gasto inicialmente reconhecido pela constituição da provisão não for fiscalmente dedutível, então o rendimento que decorre da reversão da provisão também não será tributado, pelo que se deduzirá no campo 764 do quadro 07 da declaração modelo 22.