PT25565 – Provisão
16-10-2020
A questão prende-se com a alínea a), n.º 1 do artigo 39.º do CIRC, no que diz respeito à aceitação fiscal das provisões para processos judiciais em curso. Uma empresa contabilizou em 2020 uma provisão para processos judiciais, no valor de 81 500 euros. Este valor corresponde ao exigido por herdeiros de um advogado. Em princípio são serviços jurídicos prestados e não faturados.
Pela leitura do n.º 1 do artigo 18.º do CIRC parece que só pode ser aceite o gasto fiscal, aquando da sentença do tribunal. Se assim for, no preenchimento da declaração modelo 22 do ano 2020, é necessário acrescer ao quadro 07, campo 721 e depois quando for paga a indemnização ou anulada a provisão, deduzir na declaração modelo 22, quadro 07, campo 764. Está correto este procedimento?
Parecer técnico
Questiona sobre a possibilidade de proceder ao registo de uma provisão para um processo judicial em curso. Trata de uma quantia que os herdeiros de um advogado estão a exigir para pagamento dos serviços prestados mas não faturados.
Remetemos, num primeiro momento para a definição de gastos prevista no parágrafo 69 da estrutura concetual:
«(…) Gastos são diminuições nos benefícios económicos durante o período contabilístico na forma de exfluxos ou deperecimentos de ativos ou na incorrência de passivos que resultem em diminuições do capital próprio, que não sejam as relacionadas com distribuições aos participantes no capital próprio (…).»
O regime do acréscimo ou periodização económica, patente no parágrafo 22 da estrutura concetual refere o seguinte:
«(…) a fim de satisfazerem os seus objetivos, as demonstrações financeiras são preparadas de acordo com o regime contabilístico do acréscimo (ou da periodização económica). Através deste regime, os efeitos das transações e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transações passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona-se informação acerca das transações passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas (…).»
Neste sentido, os gastos e os rendimentos devem ser imputados ao período a que efetivamente respeitam, independentemente do momento em que ocorra o seu pagamento ou recebimento. Tal procedimento não está dependente do valor da operação ou sua materialidade, devendo sempre ser respeitado.
No que se refere ao tratamento contabilístico com o reconhecimento de uma provisão para um processo judicial em curso, como passivo e gastos, então esta resulta de existir uma obrigação presente que com probabilidade irá originar saída de recursos da empresa no futuro, e cujo custo possa ser estimado com fiabilidade, nos termos do parágrafo 13 da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 21 – «Provisões, passivos contingentes e ativos contingentes.»
A obrigação presente resulta do facto de existir um processo judicial em curso, no período presente, que com probabilidade poderá originar a saída de fluxos no futuro.
De acordo com o parágrafo 15 da NCRF n.º 21, essa obrigação presente deverá ser determinada com ajuda de peritos, neste caso, dos advogados da entidade.
A probabilidade dessa obrigação presente vir a ocorrer deverá ser considerada se o acontecimento for mais provável, do que não, ocorrer, isto é, se a probabilidade do acontecimento ocorrer for maior do que a probabilidade de isso não acontecer, conforme previsto no parágrafo 22 da NCRF n.º 21. Na prática, se existir uma probabilidade de mais de 50 por cento, da entidade ter de vir a pagar a situação solicitada no processo judicial em curso, então estará cumprido este critério.
De acordo com o parágrafo 37, a estimativa desse passivo (e gasto) relacionado com a provisão de um processo judicial em curso poderá ser efetuada tendo por base juízos e opiniões dos referidos peritos independentes (advogados). Será, então, com base num relatório do advogado da entidade, que esta deverá verificar se estão cumpridos os requisitos para o reconhecimento da provisão.
Atendendo a que esse processo em tribunal se poderá estender durante longo tempo, tendo a entidade que apenas efetuar o pagamento após o decorrer de vários períodos, haverá que registar esse passivo (e gasto) pelo respetivo valor presente, atualizando os custos que se estimam incorrer com esse processo judicial para o momento presente, nos termos do parágrafo 45 da norma.
Os registos contabilísticos relacionados com o reconhecimento da provisão relativa ao processo judicial em curso poderão ser os seguintes:
No momento presente, em que se estima que existe a obrigação presente:
Débito: 671/3 – Provisões do período – Impostos/Processo judiciais em curso
Crédito: 291/3 – Provisões – Impostos/Processos judiciais em curso
(pela estimativa, eventualmente o valor presente, do valor a pagar)
No momento do pagamento:
Débito: 291/3 – Provisões – Impostos/Processos judiciais em curso
Crédito: 12 - Depósitos à ordem
(pelo uso da provisão, nos termos dos parágrafos 60 e 61 da NCRF n.º 21)
Se por alguma razão deixar de existir a obrigação presente referente ao processo judicial em curso, ou esta for reduzida, por se ter alterado a estimativa do valor a pagar, poderá reverter-se a provisão:
Débito: 291/3 – Provisões – Impostos/Processos judiciais em curso
Crédito: 7631/3 - Reversões - De provisões – Impostos/Processos judiciais em curso
(pela anulação ou redução da provisão)
Por outro lado, se o advogado da entidade estimar que a probabilidade de se vir a pagar é apenas possível, mas não provável, ou seja, sendo a probabilidade inferior a 50 por cento, então, a entidade não deverá reconhecer a referida provisão, devendo apenas divulgar nas notas do anexo, a existência do passivo contingente, conforme previsto nos parágrafos 26 a 29 da NCRF n.º 21.
Ainda, se o advogado prever que a obrigação presente de vir a pagar é apenas remota, não haverá que fazer nada: nem reconhecer a provisão, nem divulgar passivo contingente.
Em termos fiscais, o Código do IRC acompanha o tratamento contabilístico preconizado pela NCRF n.º 21, aceitando como gasto fiscal as provisões de processos judiciais em curso, conforme disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 39.º desse Código.
Importa analisar o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 39.º do Código do IRC, que dispõe:
«(…) 1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a) As que se destinem a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os gastos do período de tributação (…).»
No caso exposto, segundo entendemos, a provisão (o processo judicial) diz respeito a gastos com a aquisição da prestação de serviços de um advogado. Assim, importa determinar em que momento foram adquiridos estes serviços. Caso estes serviços tenham sido adquiridos em 2020, então, o gasto com a constituição da provisão em 2020 será fiscalmente aceite. Por outro lado, se os gastos foram incorridos em 2019 ou anos anteriores (ainda que a fatura pelo advogado possa não ter sido emitida), então o gasto com a constituição da provisão em 2020 não será fiscalmente aceite, pois não respeita o regime do acréscimo ou da periodização económica.