Pagamentos por conta
10-12-2020
O cliente de um contabilista certificado registou uma quebra de faturação de 76% no primeiro semestre deste ano face a igual período do ano anterior e, por isso, não efetuou o primeiro e segundo pagamento por conta. Até ao presente não faturou nada mais apresentando uma estimativa de prejuízo fiscal para 2020. Terá cerca de 100 euros de tributações autónomas. Deverá efetuar o terceiro pagamento por conta?
A questão versa sobre o cálculo do terceiro pagamento por conta e necessidade de certificação por parte do contabilista certificado em virtude das medidas excecionais no ano de 2020 sobre este tema.
Começamos por fazer o enquadramento genérico do tema, conforme previsto no Código do IRC.
Os pagamentos por conta encontram-se previstos nos artigos 104.º, 105.º e 107.º do Código do IRC.
Estes pagamentos de IRC, como o nome indica, são adiantamentos por conta do imposto que será pago a final. Como regra, são entregues em três prestações durante o exercício, com os seguintes vencimentos: julho, setembro e 15 de dezembro. Ou, no caso de empresas com período de tributação diferente do ano civil, o vencimento de cada uma das prestações dá-se nos seguintes meses do período de tributação: 7º mês, 9º mês e dia 15 do 12º mês.
Os pagamentos por conta são calculados com base no imposto liquidado relativamente ao período imediatamente anterior àquele em que se devam efetuar esses pagamentos, líquido de retenções na fonte.
Existem dois patamares, em função do volume de negócios:
- Volume de negócios igual ou inferior a € 500.000,00
Pagamento por Conta = (Coleta do período anterior - retenções na fonte ano anterior) x 80%
- Volume de negócios superior a € 500.000,00
Pagamento por Conta = (Coleta do período anterior - retenções na fonte ano anterior) x 95%
O montante assim obtido é dividido pelas três prestações.
Os sujeitos passivos são dispensados de efetuar pagamentos por conta quando o imposto do exercício de referência para o respetivo cálculo for inferior a € 200 (limite alterado pela Lei de Reforma do IRC).
Como regra, os sujeitos passivos de IRC estão sempre obrigados a proceder à primeira e segunda prestação do pagamento por conta, podendo utilizar o mecanismo da limitação, previsto no artigo 107º do Código do IRC, na terceira prestação.
Resulta do artigo 107º do Código do IRC que:
"… 1 - Se o sujeito passivo verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável do período de tributação, pode deixar de efetuar o terceiro pagamento por conta.
2 - Verificando-se, face à declaração periódica de rendimentos do exercício a que respeita o imposto, que, em consequência da suspensão da terceira entrega por conta prevista no número anterior, deixou de ser paga uma importância superior a 20% da que, em condições normais, teria sido entregue, há lugar a juros compensatórios desde o termo do prazo em que a entrega deveria ter sido efetuada até ao termo do prazo para o envio da declaração ou até à data do pagamento da autoliquidação, se anterior.
3 - Se a terceira entrega por conta a efetuar for superior à diferença entre o imposto total que o sujeito passivo julgar devido e as entregas já efetuadas, pode aquele limitar o terceiro pagamento a essa diferença, sendo de aplicar o disposto nos números anteriores, com as necessárias adaptações…”
Ou seja, a terceira prestação do pagamento por conta, pode não ser realizada, ou ser realizada parcialmente, caso o valor já entregue por conta seja igual ou superior ao imposto devido a final. Para garantir que não há lugar a aplicação de coima nem juros compensatórios, a quantia paga tem que corresponder a 80% do imposto devido (entenda-se campo 367 do quadro 10 da modelo 22).
Excecionalmente, no ano de 2020, importa considerar as medidas extraordinárias implementadas a este respeito pela Lei do Orçamento Suplementar – Lei n.º 27ºA/2020, de 24 de julho.
No que se refere ao pagamento por conta em sede de IRC importa considerar o disposto nos números 2 e 3 do artigo 12º da Lei n.º 27ºA/2020:
"… 2 - O regime previsto no artigo 107.º do Código do IRC é aplicável, com as necessárias adaptações, ao primeiro e segundo pagamentos por conta relativos ao período de tributação de 2020, até ao limite de 50% do respetivo quantitativo, desde que a média mensal de faturação comunicada através do E -fatura referente aos primeiros seis meses do ano de 2020 evidencie uma quebra de, pelo menos, 20% em relação à média verificada no período homólogo do ano anterior ou, para quem tenha iniciado a atividade em ou após 1 de janeiro de 2019, em relação à média do período de atividade anteriormente decorrido.
3 - O regime previsto no artigo 107.º do Código do IRC é também aplicável, com as necessárias adaptações, à totalidade do quantitativo do primeiro e segundo pagamentos por conta relativos ao período de tributação de 2020, desde que a média mensal de faturação comunicada através do E-fatura referente aos primeiros seis meses do ano de 2020 evidencie uma quebra de, pelo menos, 40% em relação à média verificada no período homólogo do ano anterior ou, para quem tenha iniciado a atividade em ou após 1 de janeiro de 2019, em relação à média do período de atividade anteriormente decorrido, ou quando a atividade principal do sujeito passivo se enquadre na classificação de atividade económica de alojamento, restauração e similares, ou quando o sujeito passivo seja classificado como cooperativa ou como micro, pequena e média empresa, de acordo com os critérios definidos no artigo 2.º do anexo ao Decreto -Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro…”
Importa clarificar as diferentes medidas que aqui estão em causa.
Não se trata de uma dispensa expressa de realização do pagamento por conta, mas sim a possibilidade de reduzir ou de não efetuar a primeira e segunda prestação, havendo que efetuar o pagamento em falta (caso se mostre devido) na terceira prestação a realizar até ao dia 15 de dezembro.
A limitação prevista no artigo 107º do Código do IRC poderá ser aplicada à primeira e segunda prestação do pagamento por conta, pelas seguintes entidades:
- os sujeitos passivos cuja atividade se enquadre na classificação de atividade económica de alojamento, restauração e similares (independentemente da sua dimensão);
- as cooperativas e as micro, pequena e média empresa, de acordo com os critérios definidos no artigo 2.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro (independentemente do seu setor de atividade);
- os sujeitos passivos (independentemente do seu setor de atividade e dimensão) cuja média mensal de faturação comunicada através do E-fatura referente aos primeiros seis meses do ano de 2020 evidencie uma quebra de, pelo menos, 40% em relação à média verificada no período homólogo do ano anterior ou, para quem tenha iniciado a atividade em ou após 1 de janeiro de 2019, em relação à média do período de atividade anteriormente decorrido. Quando a quebra de faturação é de 20%, podem reduzir o pagamento por conta a 50% do seu valor.
Ou seja, será uma espécie de adiamento do prazo, isto é, no limite o pagamento por conta, sendo devido, poderá ser realizado integralmente em dezembro se quaisquer ónus e encargos. Importa que neste mês de dezembro, na posse de informação o mais atualizada possível do ano de 2020 sejam efetuados os cálculos de verificação da aplicação do artigo 107º do Código do IRC.
Considera-se que a atividade principal do sujeito passivo se enquadra na classificação de atividade económica de alojamento, restauração e similares quando o volume de negócios referente a essas atividades corresponda a mais de 50% do volume de negócios total obtido no período de tributação anterior.
O enquadramento na classificação de cooperativa, micro, pequena e média empresa, de atividade económica de alojamento, restauração e similares ou de quebra de volume de negócios deve ser certificada por contabilista certificado no Portal das Finanças. Este procedimento de certificação foi recentemente disponibilizado no Portal das Finanças tendo sido emitidas as respetivas instruções a este respeito.
A OCC disponibilizou um simulador para apoio ao cálculo da terceira prestação do pagamento por conta assim como exemplos práticos. Naturalmente que para o cálculo do valor a pagar na terceira prestação do pagamento por conta nos casos em que foi utilizado o mecanismo da limitação previsto no artigo 107º do Código do IRC, terá de se prever os resultados do ano de 2020, para assim conseguir calcular a coleta e o imposto que se estima, venha a ser devido aquando da entrega da modelo 22 desse ano.
Referimos que estes cálculos estando a ser realizados com base em estimativas comportam alguns riscos.
Se a entrega relativa ao PPC não foi integralmente efetuada, não tendo existido a antecipação da obrigação tributária que se impõe há, por esse facto, lugar à aplicação de uma coima pelo valor do imposto em falta, isto é, da antecipação que era obrigatória, ao abrigo do art.º 114.º n.ºs 1 e 2 conjugados com a alínea e) do n.º 5 desse mesmo preceito do Regime Geral das Infrações Tributárias, doravante RGIT.
Ora vejamos, nos termos do art.º 114.º, n.º do RGIT, a não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
E, ao abrigo do n.º 2, se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
Esta norma tem de ser conjugada com o disposto no art.º 26.º, n.º 4 do RGIT, segundo qual os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contraordenação, são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa coletiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada. Ou seja, a coima varia entre 30% e 100%, se se tratar de uma pessoa coletiva.
Nos termos da alínea f) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT, para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária, a falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
Concretamente em relação ao caso exposto, não tendo sido realizadas as primeira e segunda prestação do pagamento por conta o contabilista certificado deve proceder à certificação, de acordo com o motivo em que o sujeito passivo se enquadra, no Portal das Finanças. De acordo com os cálculos realizados no simulador da OCC, a terceira prestação deve ser a correspondente ao valor a pagar de tributação autónoma, uma vez que o sujeito passivo apresenta um prejuízo fiscal no ano de 2020. Na certificação deve ser indicada a opção de "Regularização dos montantes de pagamentos por conta em falta nos termos do n.º 7 do artigo 12º da Lei n.º 27-A/2020, de 24/07”.