IRS - afetação à esfera individual
PT28122 - abril de 2024
Um trabalhador independente, com contabilidade organizada, cessou a atividade em meados de 2023.
Afetos a essa atividade encontravam-se diversos equipamentos já totalmente depreciados/amortizados, especialmente equipamentos informáticos, que irão agora ser afetados à esfera pessoal, sendo que vários deles têm efetivo valor de mercado.
Qual o impacto da afetação desses bens à esfera pessoal, concretamente em termos de IVA e IRS, ou seja, deverá ser liquidado IVA e por que valor (base de cálculo) e/ou calculada mais-valia e por que valor/base de cálculo a declarar no IRS de 2023?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com enquadramento da cessação da atividade de um empresário em nome individual (ENI), em IVA e IRS, cujo ativos fixos tangíveis afetos à atividade empresarial serão transferidos para a esfera pessoal.
Atendendo à situação exposta, estamos perante um ENI com contabilidade organizada, que pretende cessar a atividade com a afetação dos bens para a esfera privada.
Cumpre desde logo notar que não existe uma separação da personalidade jurídica entre a pessoa singular enquanto particular e enquanto empresário.
Neste sentido, ao contrário do que sucede nas sociedades, numa atividade exercida em nome individual (categoria B), a existência de ativos e passivos não impede a cessação de atividade, pois estamos perante a mesma entidade, ou seja, o devedor é sempre o mesmo.
Não existindo possibilidade de venda dos bens, nem se pretendendo abater os mesmos, pode o empresário optar por afetá-los à sua esfera pessoal, desde que sejam suscetíveis de serem usados na esfera privada.
Não queremos deixar de alertar para o facto de que a afetação à esfera pessoal de bens e mercadorias utilizados numa atividade pressupõe a sua possível utilização na esfera privada. Por isso, se o empresário mantém a pretensão de continuar a atividade no futuro, não deve proceder à cessação da atividade.
Em todo o caso, se o ENI pretender cessar a sua atividade, o enquadramento fiscal será o que se segue.
Neste âmbito, se o sujeito passivo pretende afetar à sua esfera pessoal ativos fixos tangíveis significa que não terá de emitir uma fatura a si próprio (a personalidade jurídica é a mesma).
Contudo, para efeitos de tributação, nomeadamente em IVA, tendo em conta que os ativos fixos tangíveis ficarão afetos ao uso próprio do sujeito passivo (isto é, passa para a esfera privada do mesmo), determina a alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA que essa afetação é considerada, uma transmissão de bens, portanto sujeita a IVA, a menos que não tenha ocorrido dedução do IVA suportado na aquisição dos bens.
Existindo sujeição, será liquidado IVA sobre o preço de aquisição desse bem ou de bem similar, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento de realização dessa operação, em conformidade com a alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA.
Neste sentido, o IVA é autoliquidado através do documento interno previsto no n.º 7 do artigo 36.º do CIVA.
O documento interno a emitir poderá, por exemplo, conter os seguintes elementos, com as devidas adaptações (para liquidação de IVA e/ou regularização de IVA):
- Identificação do interveniente;
- Data;
- Natureza da operação;
- Valor base;
- Valor do IVA, no caso de estarmos perante operações que fiquem enquadradas na incidência em sede de IVA (liquidação de IVA ou regularização de IVA);
- Valor total.
Em sede de IRS, a transferência para o património particular do sujeito passivo de bens afetos à sua atividade empresarial e profissional são rendimentos comerciais resultantes da atividade empresarial do sujeito passivo, tal como são definidas no artigo 46.º do Código do IRC, por remissão da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º do Código do IRS.
De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º do CIRS, consideram-se rendimentos da categoria B «[a]s mais-valias apuradas no âmbito das atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artigo 46.º do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens, com exceção dos bens imóveis, afetos ao ativo da empresa e, bem assim, os outros ganhos ou perdas que, não se encontrando nessas condições, decorram das operações referidas no n.º 1 do artigo 10.º, quando imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais.»
No caso em particular, como o ENI é tributado de acordo com o regime da contabilidade organizada, seguirá as regras do CIRC na determinação das mais-valias (conforme remissão do artigo 32.º do CIRS - vide artigos 46.º, 47.º e 48.º do CIRC). Nestas circunstâncias deverá ser preenchido o anexo C à declaração modelo 3.
Relembramos que a mais-valia/menos-valia fiscal é apurada pela seguinte fórmula:
Mais-valia/menos-valia fiscal = Valor de realização - (Custo de aquisição - Depreciações aceites fiscalmente - Perdas por imparidade aceites fiscalmente)
O valor de transação dos bens corresponde ao valor de mercado dos mesmos à data de transferência, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 29.º do CIRS.
Como tal, para o cálculo da mais-valia, desafetação dos bens móveis do ativo fixo tangível, deverá ter sido em consideração o custo de aquisição dos mesmos, as depreciações acumuladas e o valor de realização que irá corresponder ao valor de mercado à data da desafetação.
Em termos contabilísticos, assumindo que o ENI, utiliza a norma para as microentidades, o desreconhecimento de itens do ativo fixo tangível deverá ser efetuado em conformidade com o disposto nos parágrafos 7.15 a 7.18 da norma contabilística para microentidades.
No que respeita aos registos contabilísticos, sugere-se o seguinte:
Pelo reconhecimento do valor a receber pela alienação dos ativos fixos tangíveis:
- Débito da conta 513 - Conta particular, pelo valor da afetação à esfera pessoal; Por contrapartida a:
- Crédito da conta 6871 - Gastos em investimentos não financeiros - Alienações ou da conta 7871 - Rendimentos em investimentos não financeiros - Alienações (consoante exista menos-valia ou mais-valia, respetivamente), pelo valor de venda.
Pelo desreconhecimento dos ativos fixos tangíveis e anulação das depreciações e perdas por imparidade acumuladas:
- Débito da conta 6871 - Gastos em investimentos não financeiros - Alienações, pela quantia escriturada do ativo à data da alienação (caso se determine uma menos-valia), ou da conta 7871 - Rendimentos em investimentos não financeiros – Alienações, pela quantia escriturada do ativo à data da alienação (caso se determine uma mais-valia);
- Débito da conta 438 - Depreciações acumuladas, pelo montante das depreciações acumuladas; Por contrapartida a
- Crédito da conta 43x - Ativos fixos tangíveis, pelo valor bruto do ativo.
Por fim, eventuais créditos concedidos poderão ser recebidos já na esfera particular e, relativamente aos pagamentos a terceiros também poderão já ser efetuados após o encerramento da atividade, pois estamos perante a mesma pessoa jurídica e a afetação desses créditos e dessas dívidas à esfera particular não determina o apuramento de qualquer resultado em IRS.