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Suprimentos: Cobertura de prejuízos
16 February 2021
Parecer técnico do departamento de consultoria da Ordem
PT25959 – Suprimentos: Cobertura de prejuízos
08-02-2021

Em 2020 um profissional assumiu a contabilidade de uma sociedade unipessoal e verificou que o anterior contabilista utilizou a conta 2381 para as operações que o sócio-gerente pagou com os seus próprios meios, existindo um saldo credor considerável. Pode este valor ser convertido a favor da sociedade para cobertura de prejuízos?

Questiona sobre a possibilidade de utilizar suprimentos para regularização dos capitais negativos.
Os empréstimos efetuados pelos sócios à sociedade podem ser considerados como suprimentos, quando cumpram os termos previstos no artigo 243º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
São considerados como suprimentos o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência, conforme o n.º 1 do artigo 243º do CSC.
Constitui índice do carácter de permanência a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer tal estipulação seja contemporânea da constituição do crédito quer seja posterior a esta. No caso de diferimento do vencimento de um crédito, computa-se nesse prazo o tempo decorrido desde a constituição do crédito até ao negócio de diferimento. É igualmente índice do carácter de permanência a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano contado da constituição do crédito, quer não tenha sido estipulado prazo, quer tenha sido convencionado prazo inferior.
O n.º 3 do artigo 244.º do CSC estabelece que a celebração de contratos de suprimentos não depende de prévia deliberação dos sócios, salvo disposição contratual em contrário. A celebração do contrato de suprimentos entre os sócios e a sociedade não está dependente de uma forma especial, podendo ser titulado por um documento escrito ou por qualquer outra forma, conforme o n.º 6 do artigo 243º do CSC.
Cabe aos sócios que irão assumir a realização dos suprimentos para a sociedade estabelecer os formalismos e condições desse empréstimo, conforme previsto no n.º 2 do artigo 244º do CSC, podendo os mesmos serem efetuados a título oneroso ou gratuito, e com ou sem prazo de vencimento definido por remissão para o artigo 209º do CSC.
Estes sócios podem deliberar sobre se os suprimentos devem ser titulados através de um documento escrito, se o mesmo deve ser objeto de autenticação notarial ou mesmo por escritura pública, bem como definir as condições do empréstimo, tal como o prazo de vencimento e o estabelecimento de juros.
Caso não cumpra o conceito de suprimentos, os empréstimos efetuados pelo sócio à sociedade são considerados como mútuos. Assim como os empréstimos efetuados por terceiros à sociedade são designados como mútuos, estando regulados pelo Código Civil, conforme se explica de seguida.
A Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 27 – Instrumentos financeiros, define instrumento financeiro como "… um contrato que dá origem a um ativo financeiro numa entidade e a um passivo financeiro ou instrumento de capital próprio noutra entidade…”.
Os ativos e passivos financeiros pressupõem a existência de um contrato ou posição contratual. Um contrato representa um acordo entre duas ou mais partes com consequências económicas claras para cada uma das partes envolvidas, que não podem ser evitadas por o acordo ter força legal. Os contratos podem ter, ou não, ter forma escrita.
Considera-se um passivo financeiro, qualquer passivo que seja uma obrigação contratual de entregar dinheiro ou outro ativo financeiro a outra entidade. Deste modo, os suprimentos, na ótica da entidade que obtém a quantia emprestada, devem classificar-se como passivo financeiro.
Ao nível do reconhecimento (ou registo contabilístico) a NCRF n.º 27 especifica que apenas se deve reconhecer um passivo financeiro quando a entidade se torne uma parte das disposições contratuais do instrumento financeiro (§ 5 da NCRF n.º 27).
Por sua vez, o passivo financeiro (ou parte dele) deve ser desreconhecido quando este se extinguir, ou seja, quando a obrigação estabelecida no contrato seja liquidada, cancelada ou expire (§ 34 da NCRF n.º 27).
Ao nível da mensuração, importa referir que os suprimentos, tratando-se de um passivo financeiro, devem ser mensurados ao custo ou ao custo amortizado menos qualquer perda por imparidade (§ 11 a 16 da NCRF n.º 27).
A entidade deve divulgar as bases de mensuração, bem como as políticas contabilísticas utilizadas para a contabilização de instrumentos financeiros, que sejam relevantes para a compreensão das demonstrações financeiras.
Pela análise do novo quadro dos códigos de contas, verificamos que este passivo financeiro, os suprimentos, aquando da sua realização e pela quantia realizada, deverão ser registados na subconta 2532 – Financiamentos obtidos – Participantes de capital – Outros participantes – Suprimentos e outros mútuos.
No caso exposto, as quantias entregues pelo sócio ao longo do tempo para pagamento de despesas foram sendo registadas em subconta da 2381 – Pessoal – Outras operações – Com os órgãos sociais.
Verificando-se todas as condições para que tal empréstimo seja enquadrado como suprimentos, o que poderá ser o caso, deverá haver lugar a transferência do valor para subconta da 2532, conforme resulta do quadro de contas e respetivas notas de enquadramento.
Os suprimentos configuram um direito que o sócio tem de receber determinada quantia da sociedade, em virtude de empréstimos que o mesmo terá concedido. Ora, o sócio pode prescindir desse direito, deliberando no sentido de os mesmos serem utilizados para cobertura de prejuízos acumulados ou para aumento de capital.
Optando pelo procedimento de cobertura de prejuízos, deve existir uma deliberação dos sócios em sede de Assembleia-geral no sentido de prescindir de receber essa dívida da sociedade para eles próprios (suprimentos) e destinando esse valor para cobertura de prejuízos. Este procedimento não necessita de qualquer registo na Conservatória do Registo Comercial.
Os movimentos contabilísticos deverão ser suportados pela ata de deliberação dos sócios e, salientamos, que a cobertura de prejuízos deve ser efetuada na proporção das quotas.
Pelo perdão da dívida da sociedade ao sócio, com o objetivo de cobrir prejuízos:
- Débito da conta 2532 - "Financiamentos obtidos - Participantes de capital - Outros participantes - Suprimentos" por contrapartida a crédito da conta 264 - "Sócios - Resultados atribuídos", pelo montante do suprimento prescindido;
Pela cobertura de prejuízos:
- Débito da conta 264 - "Sócios - Resultados atribuídos" por contrapartida a crédito da conta 56 - "Resultados Transitados", pelo montante de cobertura de prejuízos estabelecido na deliberação do sócio.
Por sua vez, se os sócios deliberarem no sentido de tais suprimentos serem utilizados num aumento de capital, então esta deliberação estará sujeita a mais formalismos.
O Decreto-Lei n.º 79/2017 de 30 de junho criou um mecanismo simplificado nas operações de aumento de capital social nas sociedades por conversão de suprimentos.
Assim, por força do artigo 2.º deste diploma legal, os artigos 87.º n.º 4 e 89.º n.ºs 4 e 5 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) sofreram alterações.
De acordo com a nova redação do n.º 4 do artigo 87.º do CSC, "… O sócio de sociedade por quotas que por si ou juntamente com outros reunir a maioria de votos necessária para deliberar a alteração do contrato de sociedade pode comunicar à gerência o aumento do capital social por conversão de suprimentos registados no último balanço aprovado de que seja titular...”.
Neste seguimento estabelece o n.º 4 do artigo 89.º do CSC que para efeitos de verificação das entradas, no caso de conversão de suprimentos, é suficiente declaração do contabilista certificado ou do revisor oficial de contas, sempre que a revisão de contas seja legalmente exigida, mencionando que a quantia consta dos regimes contabilísticos bem como a proveniência e a data.
Refere ainda o n.º 5 desta norma que esta declaração faz parte integrante da documentação sujeita às formalidades de publicidade prescritas no CSC, podendo publicar-se apenas menção do respetivo depósito no registo comercial.
Significa, portanto, que com a entrada em vigor do supra referido Decreto-lei nº 79/2017 de 30 de junho, passou a ser possível que a verificação das entradas sejam atestadas por declaração do contabilista certificado, havendo apenas a necessidade da intervenção do ROC quando a sociedade esteja sujeita à revisão legal de contas.
Este diploma legal veio também simplificar o processo de decisão dos sócios, na medida em que existindo deliberação sobre a alteração do contrato, pela maioria necessária pela lei ou pelo contrato de sociedade, a eficácia do aumento fica apenas dependente da não oposição expressa dos demais sócios.
Referimos que a OCC disponibilizou uma minuta que poderá ser utilizada pelo contabilista certificado: https://www.occ.pt/fotos/editor2/apoiar_proccapitaisnegativosa.pdf.
No que se refere ao registo contabilístico desta operação:
- Débito da conta 2532 - "Financiamentos obtidos - Participantes de capital - Outros participantes - Suprimentos" por contrapartida a crédito da conta 264 - "Sócios - Resultados atribuídos", pelo montante do suprimento prescindido;
Pelo aumento de capital:
- Débito da conta 264 - "Sócios - Resultados atribuídos" por contrapartida a crédito da conta 51 - "Capital", pelo montante do aumento de capital.
Quanto ao enquadramento fiscal destas variações patrimoniais positivas, e não obstante o facto de, em sede de IRC, a regra - estabelecida no corpo do artigo 21º do respetivo Código - é que estas variações patrimoniais concorrem para a formação do lucro tributável do exercício, todavia existem situações em que esta regra é afastada e que se encontram enumeradas nas alíneas a) a c) daquele artigo.
Uma destas situações de exceção - em que, portanto, a variação patrimonial positiva dela decorrente não concorre para a formação do lucro tributável - é a prevista na alínea a) do artigo 21º do Código do IRC, entradas de capital, incluindo a cobertura de prejuízos, conforme Despacho de 2005-01-13 ao Processo n.º 3330/04.