Quando foram divulgadas as contas provisórias do Estado de 2006, todos ficaram a saber que o equilíbrio das contas públicas, uma vez mais, se fez com base no aumento das receitas e não com o efeito equivalente da diminuição das despesas. Em meu entender, e sem qualquer justificação, salvo a da oportunidade política, surgiram algumas pessoas a pedir a baixa dos impostos e outras a reclamar que se esse objectivo havia sido conseguido, tal se deveu a um aumento da carga fiscal na sociedade portuguesa.
Os menos habituados a esta linguagem podem inferir que os cidadãos portugueses pagaram mais impostos do que aquilo que desembolsaram no ano transacto. Sendo verdade no contexto global, isto é, no conjunto dos cidadãos, o mesmo não se aplica numa dimensão individual. Ou seja, no montante de impostos que cada cidadão individualmente pagou no cumprimento dos seus deveres de cidadania.
Sendo a carga fiscal portuguesa, como a de outros povos, avaliada em função do peso que os impostos têm no Produto Interno Bruto (PIB), o mesmo é dizer, na permilagem que o montante dos impostos representam naquele valor, tal facto não implica que ao aumento do volume global dos impostos arrecadados pelo Governo, corresponda a um crescimento efectivo da carga tributária sobre os cidadãos. Com efeito, o aumento das receitas fiscais em 2006, não se deveu a um incremento da carga fiscal sobre os cidadãos, mas antes a uma maior eficiência do sistema de cobrança fiscal.
É preciso também não esquecer que houve um aumento substancial do volume de cumpridores das suas obrigações fiscais. É neste momento que me apetece parafrasear, em jeito de homenagem, o saudoso Professor Sousa Franco:
"Se mais pagarem as suas obrigações, pagaremos todos um pouco menos". Foi exactamente isso que aconteceu.
Continuamos a pagar os impostos de acordo com os mesmos critérios de anos anteriores, mas de facto, porque muitos dos que não cumpriam com as suas obrigações, passaram agora a fazê-lo, o conjunto totaliza um valor superior. Logo, não é de estranhar o aumento da eficácia da cobrança dos impostos em Portugal. E porquê? Antes de mais há que assinalar a imagem de maior eficiência que se tem transmitido dos serviços da Administração Pública no cumprimento das funções que lhes estão conferidas. Mas a «máquina» do Estado não faz tudo sozinha. Por isso, achamos da maior utilidade uma crescente intervenção e responsabilização dos Técnicos Oficiais de Contas na liquidação ou quantificação dos montantes fiscais e a co-responsabilização dos profissionais pelo acto declarativo seria, em nosso entender, de crucial importância. O unir esforços em prol de um mesmo objectivo seria altamente vantajoso. A imagem de eficiência, desmotiva as eventuais tentações de incumprimento e a responsabilização conjunta reparte mais eficazmente a quantidade e a qualidade dos intervenientes no processo.
Posto isto, questiono o seguinte: o maior grau de cumprimento, manifestado depois no aumento das receitas fiscais, justifica ou não uma diminuição da carga fiscal portuguesa? Para começar, é preciso afirmar sem rodeios que enquanto não formos capazes de compreender que não é possível «ter sol na eira e chuva no nabal», jamais tomaremos consciência que uma parcela da nossa comodidade terá que ser sacrificada.
Todos, sem excepção, estão de acordo quando dizem que é urgente reduzir o peso da despesa, mas assim que se fala em encerrar serviços, impor regras de funcionamento para alguns sectores públicos, então, qual mola, surgem de imediato criticas, manifestações ou greves. À boa maneira portuguesa, tudo está bem quando é com os outros, o pior é quando nos toca...
Enquanto não formos muito rigorosos e selectivos na despesa e continuarmos a manter serviços abertos sem qualquer critério, não haverá aumento de receitas capaz de alimentar um sistema que não dá mostras de refrear a sua insaciabilidade.
Estou em crer que logo que consigamos colocar um pouco de ordem na despesa, estaremos a dar passos seguros e consolidados no caminho da criação de condições para se poder baixar a carga fiscal em Portugal. Enquanto isso não acontecer, por muito grande que seja o poder de oratória ou de convencimento dos nossos políticos, estaremos apenas a acumular o sacrifício que os nossos vindouros terão que fazer num futuro não muito próximo.