Trespasse
16-04-2021
Foi efetuado um trespasse que inclui as seguintes cláusulas:
«Cláusula segunda
1. O estabelecimento é transmitido com todos os elementos que o integram e que na presente data se encontram nas suas instalações, entre os quais se encontra o conjunto de equipamentos melhor identificados no anexo 3.
2. Este trespasse compreende a transmissão da posição de arrendatária que a primeira contraente assume no contrato de arrendamento identificado no considerando "C”.
3. Este trespasse compreende, ainda, a transmissão da posição de franchisado que a primeira contraente assume no contrato de franquia identificado no considerando "B”.
Cláusula terceira
1. O preço do trespasse é de xx euros.
2. O preço do trespasse será pago até 31 de dezembro de 2020.»
Quais aos registos contabilísticos a efetuar pelo trespassante e respetivo tratamento fiscal (declaração modelo 22) e IES?
As benfeitorias no estabelecimento que foram efetuadas são do arrendatário, mas estão nos ativos fixos tangíveis da trespassante. Qual o registo a efetuar?
A questão colocada refere-se ao tratamento contabilístico e fiscal do trespasse de um estabelecimento comercial, na ótica do trespassante.
A operação de venda de uma atividade é considerada, para efeitos legais, como um trespasse, pressupondo que esteja também em causa a cedência de posição de arrendatário do espaço comercial, nos termos do artigo 1 112.º do Código Civil. Neste sentido, não se considera trespasse, para efeitos civis, se não incluir a cedência do direito ao arrendamento.
É conveniente que o contrato de trespasse detalhe o património da atividade que irá ser objeto de cedência, nomeadamente os equipamentos e diverso mobiliário, os inventários, ativos tangíveis e intangíveis, bem como os demais ativos e passivos cedidos, se for o caso, como financiamentos a entidades bancárias, dívidas a pagar a fornecedores e a outros credores, dívidas a receber de clientes e de outros devedores.
Ainda que tais bens não sejam incluídos diretamente no contrato (recomenda-se que sejam detalhados no contrato), é conveniente a elaboração de um balanço, inventário ou relação, suportado por informação complementar e reportado à data da transmissão, que deve ser anexado e onde os elementos patrimoniais sejam devidamente discriminados e valorizados.
Este documento permite apurar resultados em sede do trespassante e abrir a contabilidade em sede do trespassário ou do adquirente.
O trespassário apenas irá reconhecer os itens de ativo que efetivamente sejam incluídos no trespasse, devendo ser elaborada uma lista exaustiva de todos os itens transferidos. Os itens de ativo que constem do ativo da entidade trespassante, mas que já não existem fisicamente, não serão incluídos no trespasse, devendo ser desreconhecidos do balanço da entidade trespassante.
Quanto aos direitos dos trabalhadores, férias, subsídios de férias, direitos em função da sua antiguidade e outros, estes podem ser assumidos pela entidade trespassária ou trespassante, dependente do acordo estabelecido entre as partes.
Sujeição a IVA?
Em termos de IVA, o trespasse, em princípio, não está sujeito a esse imposto, pois pode enquadrar-se no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA (CIVA), que refere que as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja suscetível de constituir um ramo de atividade independente, quando, em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de IVA.
Deverá, no entanto, ser tido em atenção os pormenores da operação considerando que esta disposição afasta de tributação em IVA, as cessões de um património, mas apenas no caso em que este constitua uma "universalidade", ou seja, uma certa unidade funcional de modo a proporcionar um ramo de atividade autónomo e independente, e que o adquirente seja, ou venha a ser, pelo ato de aquisição um sujeito passivo de imposto.
Doutra forma, a transmissão de bens (ou direitos –vide n.º 5 do artigo 4.º do CIVA) fica sujeita a tributação nos termos normais do CIVA.
Sobre este tema, recomendamos ainda a consulta da ficha doutrinária ao processo n.º 8 643, por despacho de 2018-07-12, da Diretora de Serviços do IVA, (por subdelegação), disponível em https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/despesa/civa/Documents/INFORMACAO_8643.pdf
Os documentos de suporte para a cedência do património devem conter o previsto no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA.
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA, a sociedade alienante é obrigada a emitir fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3.º e 4.º do mesmo Código, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços (adiantamentos).
Essa fatura, referida no artigo 29.º do CIVA, deve ser emitida o mais tardar até ao quinto dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º do mesmo Código, conforme previsto no n.º 1 do artigo 36.º do CIVA, ou no momento do recebimento de algum valor, se for recebido antes da transmissão de bens ou da prestação de serviços.
Por sua vez, o artigo 7.º do CIVA estabelece que o IVA é devido e torna-se exigível, no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente, no caso de se tratar de transmissão de bens, ou no momento da sua realização, no caso de prestação de serviços.
Como regra, a transmissão de bens corpóreos, que integram o património da atividade a trespassar, é considerada como uma transmissão de bens, pois corresponde à transferência onerosa de propriedade desses bens, conforme previsto no n.º 1 do artigo 3.º do CIVA.
Todavia, se esta operação de venda da atividade for considerada como uma transmissão de estabelecimento comercial, que constitui um ramo de atividade independente, para outro sujeito passivo de IVA, enquadrado no regime normal, não é considerada como uma transmissão de bens para efeitos de IVA, conforme previsto nos termos do n.º 4 do artigo 3.º do Código desse imposto.
Como não é considerada como uma transmissão de bens, para efeitos de IVA, não há qualquer obrigação de emissão de uma fatura para titular essa operação de trespasse, podendo estar documentalmente comprovada através do respetivo contrato, que inclua os elementos previstos no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA. Caso o contrato não inclua todos os elementos do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, poderá ser emitida uma fatura para titular a operação, contendo como motivo para a não liquidação do IVA a menção «Não sujeito a IVA – n.º 4 do art.º 3.º do CIVA.»
Esta operação não é relevada na declaração periódica de IVA do período de imposto, sendo declarada no anexo L da IES em campo próprio que existe para o efeito.
Em sede de imposto do selo, importa desde logo clarificar que se as operações em causa forem sujeitas e não isentas de IVA, as mesmas não ficam sujeitas a imposto do selo (vide n.º 2 do artigo 1.º do CIS).
Por outro lado, se a operação for não sujeita ou isenta de IVA, haverá lugar a sujeição a Imposto do Selo.
Esclarecemos que, para que se configure uma operação de trespasse de estabelecimento comercial não podem ser apenas transmitidos inventários e ativos fixos tangíveis, pois terá de ser cumprido o requisito fundamental de um contrato de trespasse (em termos jurídicos) e que é a transmissão da posição contratual (direito de arrendamento ou direito à chave) numa operação de cedência do estabelecimento.
Imposto do selo
Lembramos que, em termos legais, o trespasse está enquadrado pelo artigo 1112.º do Código Civil, sendo definido como a transmissão da posição de arrendatário de estabelecimento, acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento.
Assim, se a operação se enquadrar como um trespasse oneroso de estabelecimento comercial nos termos da lei civil, neste caso a operação estará sujeita a imposto do selo nos termos da verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo - TGIS (trespasses de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola) da tabela geral de imposto de selo, e à taxa de cinco por cento sobre o valor do trespasse. Para efeitos de aplicação desta verba, deve atender-se ao conceito jurídico de trespasse (artigo 1112.º do Código Civil), o que implica, necessariamente, a transmissão de direito de arrendamento.
O sujeito passivo a quem compete a liquidação e entrega do imposto é o trespassante, ao abrigo da alínea q) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS, o qual deverá repercutir ao adquirente, uma vez que é deste o encargo do imposto (alínea v) do n.º 3 do artigo 3.º do CIS).
Por conseguinte, para efeitos de aplicação da verba 27.1 da TGIS o conceito de trespasse é o previsto no Direito Civil, mais concretamente no Regime de Arrendamento Urbano. Se o transmitente não transmite ao adquirente o direito ao arrendamento não há trespasse, pelo que não se aplica a verba 27.1 da TGIS.
Nas informações vinculativas resultantes dos despachos de 2013.11.15 e 2014.01.02, exarados nos processos n.º 2010003290 IVE n.º 1246 e 2011002704 - IVE n.º 2655, foi considerado que, em face da lei atual, não se afigura aceitável sustentar a tributação, em sede de imposto do selo, de trespasses que não integrem uma situação de transmissão do arrendamento urbano para fins não habitacionais.
Em sede de imposto sobre o rendimento, quem cede o negócio deverá apurar as mais ou menos valias, contabilísticas e fiscais, referentes aos ativos fixos tangíveis. E registar, nos rendimentos operacionais, a alienação dos ativos e dos inventários transmitidos.
O montante recebido deve ser balanceado com os valores dos ativos e passivos cedidos. A diferença eventualmente existente deverá ser reconhecida como gasto ou rendimento.
Ou seja, estando em causa o trespasse de estabelecimento comercial em que, conjuntamente são transmitidos elementos do ativo fixo tangível, inventários e outros bens e serviços, será conveniente que no próprio contrato de trespasse se discrimine o valor de transmissão do ativo em questão.
Assim, a seguir-se o procedimento antes proposto, pela operação de trespasse, o comerciante apurará três tipos de resultados:
- Um correspondente ao resultado do trespasse (ganho) propriamente dito;
- Um relativo à alienação dos ativos fixos tangíveis (máquinas, equipamentos comerciais e industriais...), gerando mais ou menos-valias;
- E outro resultando da venda de eventual stock de inventários, com o correspondente rendimento.
Para além disso, poderá existir a necessidade de quantificar os valores de direitos sobre clientes e outros devedores, bem como de obrigações para com credores, à data da cedência da atividade, se tal estiver previsto no contrato de trespasse ou de venda.
Assim, se for caso disso, a determinação da mais ou menos-valia fiscal pode ser reduzida à seguinte fórmula:
Mais-valia fiscal:
MV/mv = VR - (CA - AAac - PIAac) x coeficientes de desvalorização da moeda
Sendo:
MV - Mais-valia mv - menos-valia
VR - Valor de realização líquido de encargos
CA - Custo de aquisição acrescido de encargos
AAac - Amortizações acumuladas aceites em termos fiscais
Lançamentos contabilísticos
No caso em concreto, do ponto de vista contabilístico, o sujeito passivo trespassante que cede a atividade do estabelecimento comercial deve apurar os referidos resultados pelo desreconhecimento dos ativos e passivos, considerando como valor de realização (ou de alienação) o montante determinado por avaliação efetuada a cada um dos itens.
A título de exemplo, no caso dos ativos fixos tangíveis e dos ativos intangíveis, deve ser considerado o montante atribuído, no âmbito do contrato de trespasse, a cada item desses bens.
Em termos de registos contabilísticos, sugerimos o seguinte:
O desreconhecimento de itens do ativo fixo tangível deverá ser efetuado em conformidade com o disposto nos parágrafos 66 a 71 da NCRF 7 - Ativos fixos tangíveis, no caso em que esteja a ser adotado as NCRF. No caso de ser adotado as NCRF-PE deverá atender aos parágrafos 7.24 a 7.27 e se adotar as NC-ME deverá atender aos parágrafos 7.15 a 7.18.
Pelo desreconhecimento dos ativos fixos tangíveis e anulação das depreciações e perdas por imparidade acumuladas:
- Débito da conta 6871 - «Gastos em investimentos não financeiros – Alienações» (caso se determine uma menos-valia), ou da conta 7871 - «Rendimentos em investimentos não financeiros – Alienações» (caso se determine uma mais-valia), pela quantia escriturada do ativo à data do trespasse;
- Débito da conta 439 - «Perdas por imparidade acumuladas», pelo montante das eventuais perdas por imparidade acumuladas;
- Débito da conta 438 - «Depreciações acumuladas», pelo montante das depreciações acumuladas;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 431 a 437 - Ativos fixos tangíveis, consoante o tipo de ativo fixo tangível, pelo valor bruto do mesmo.
Pelo reconhecimento do valor a receber pela cedência dos ativos fixos tangíveis:
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores, por contrapartida a crédito da conta 6871
- Gastos em investimentos não financeiros - Alienações ou da conta 7871 - Rendimentos em investimentos não financeiros - Alienações (consoante exista menos ou mais-valia, respetivamente), pelo valor a receber.
O desreconhecimento de itens do ativo intangível deverá ser efetuado em conformidade com o disposto nos parágrafos 108 a 113 da NCRF 6 - Ativos intangíveis, no caso em que esteja a ser adotado as NCRF. No caso de ser adotado as NCRF-PE deverá atender ao parágrafo 8.23 e se adotar as NC-ME deverá atender ao parágrafo 8.19.
Pelo desreconhecimento dos ativos intangíveis e anulação das depreciações e perdas por imparidade acumuladas:
- Débito da conta 6871 - Gastos em investimentos não financeiros - Alienações (caso se determine uma menos-valia), ou da conta 7871 - Rendimentos em investimentos não financeiros - Alienações (caso se determine uma mais-valia), pela quantia escriturada do ativo à data do trespasse;
- Débito da conta 449 - Perdas por imparidade acumuladas, pelo montante das eventuais perdas por imparidade acumuladas;
- Débito da conta 448 - Depreciações acumuladas, pelo montante das depreciações acumuladas;
Por contrapartida a:
- Crédito da conta 441 a 447 - Ativos intangíveis, consoante o tipo de ativo intangível, pelo valor bruto do mesmo.
Pelo reconhecimento do valor a receber pela cedência dos ativos intangíveis:
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores, por contrapartida a crédito da conta 6871
- Gastos em investimentos não financeiros - Alienações ou da conta 7871 - Rendimentos em investimentos não financeiros - Alienações (consoante exista menos ou mais-valia, respetivamente), pelo valor a receber.
As depreciações e amortizações dos itens apenas devem ser contabilizadas até ao período anterior a esta alienação, que pode ser o ano anterior, ou o mês anterior, no caso de se estar a utilizar as depreciações e amortizações por duodécimos.
No que respeita à alienação dos inventários (registada a crédito da classe 3), deve ser reconhecida a respetiva venda, a crédito da conta 71x - Vendas, e o correspondente custo das mercadorias vendidas, a débito da conta 61x - Custo dos inventários vendidos e das matérias consumidas, de acordo com o valor que lhes seja atribuído no âmbito do contrato de trespasse e que ficará relevado a débito da conta 278x - Outros devedores e credores.
Relativamente à declaração modelo 22, todos os gastos e perdas apurados com os registos acima efetuados deverão ser incluídos na declaração modelo 22, sem prejuízo do preenchimento dos campos do quadro 07 consoante se apurem mais-valias ou menos-valias contabilísticas (que devem ser expurgadas) e mais-valias ou menos-valias fiscais (que devem ser incluídas).
As mais e menos-valias contabilísticas, por não serem aceites fiscalmente, serão alvo de retificação nos campos 767 e 736, respetivamente, da declaração modelo 22. Ao contrário destas, as mais e menos-valias fiscais serão de relevar no cálculo do lucro tributável, também no quadro 07 da declaração modelo 22.