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IVA – autofaturação em microprodução de energia
25 September 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


IVA – autofaturação em microprodução de energia
PT28141 - abril de 2024

 

Determinada empresa é microprodutora de eletricidade. Uma outra empresa passa uma fatura (autofatura) com o valor que paga à empresa microprodutora de eletricidade.
Esta outra empresa enviou por e-mail o SAF-T relativo ao mês anterior. Este ficheiro nunca foi comunicado à AT.
Tem de ser a empresa microprodutora de eletricidade a comunicar o SAF-T à AT? Depois de mais de um ano sem enviar-se este SAF-T, quais as consequências? É aconselhável enviar a partir deste momento? Se sim, o processo de envio é o mesmo do SAF-T da faturação (normal)?


Parecer técnico


As questões colocadas referem-se ao enquadramento, em sede de IVA, da transmissão do excedente de microprodução de energia gerado por determinado sujeito passivo.
Relativamente à faturação e enquadramento em IVA, somos do seguinte entendimento:
O Decreto-Lei n.º 85/2022, de 21 de dezembro, procedeu à alteração do Código do IVA, consagrando uma derrogação à regra geral de incidência subjetiva do IVA relativamente a certas transmissões do excedente de eletricidade produzida em regime de autoconsumo de energia renovável.
Tal como sucedeu noutros setores, a aplicação do mecanismo da autoliquidação visa a melhoria da eficácia do combate a práticas de fraude e evasão fiscais, bem como assegurar a simplificação da cobrança do IVA, dispensando da obrigação de liquidação de imposto um número significativo de sujeitos passivos de dimensão extremamente reduzida.
A obrigação de faturação das referidas transmissões de eletricidade produzida em unidades de produção para autoconsumo é igualmente transmitida para o adquirente, quando o fornecedor não seja um sujeito passivo ou pratique apenas estas operações tributáveis.
Visando a simplificação do cumprimento das obrigações fiscais, estabelece-se ainda que, nestes casos, a obrigação de comunicação das faturas passa a ser igualmente do adquirente, garantindo-se, no entanto, a validação das operações pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços.
O referido Decreto-Lei n.º 85/2022 vem impor a aplicação da regra de inversão do sujeito passivo nas situações descritas na aditada alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, cuja redação é a seguinte:
«n) As pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea i) do artigo 1.º que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional, quando sejam adquirentes de eletricidade produzida em unidades de produção para autoconsumo, com potência instalada igual ou inferior a 1 MW, nos termos definidos nas alíneas f) e vvv) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, na sua redação atual, a autoconsumidores cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente da prática destas transmissões.»
Assim, quando está em causa a transmissão de eletricidade produzida em unidades de produção para autoconsumo, com potência instalada igual ou inferior a 1 MW, nos termos definidos nas alíneas f) e vvv) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, na sua redação atual, por parte de autoconsumidores cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente da prática destas transmissões, o sujeito passivo do imposto é o adquirente, desde que que seja um sujeito passivo com direito à dedução total ou parcial do imposto.
O referido Decreto-Lei n.º 15/2022 aplica-se às atividades de produção, armazenamento, autoconsumo, transporte, distribuição, agregação e comercialização de eletricidade, bem como à operação logística de mudança de comercializador e agregador, à organização dos respetivos mercados, à atividade de emissão de garantias de origem, à atividade de gestão de garantias do SEN, aos procedimentos aplicáveis ao acesso àquelas atividades e à proteção dos consumidores.
A microprodução de energia encontrava-se regulada pelo Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de outubro, que estabelecia o regime jurídico aplicável à produção de eletricidade, destinada ao autoconsumo, na instalação de utilização associada à respetiva unidade produtora, com ou sem ligação à rede elétrica pública baseada em tecnologias de produção renováveis ou não renováveis, designadas de «Unidades de Produção para Autoconsumo» (UPAC), bem como à produção de eletricidade, vendida na sua totalidade à rede elétrica de serviço público (RESP), por intermédio de instalações de pequena potência, a partir de recursos renováveis (designadas de «Unidades de Pequena Produção» (UPP), nos termos do seu artigo 1.º, n.º 1 e n.º 2, respetivamente.
Este regime jurídico aplicava-se à produção de eletricidade para autoconsumo, sem prejuízo do excedente de energia ser injetado na RESP, e à produção de eletricidade através de unidade de pequena produção a partir de energias renováveis baseada numa só tecnologia de produção, cuja potência de ligação à rede seja igual ou inferior a 250 kW, destinada à venda total de energia à rede (cf. artigo 2.º n.º 1 e n.º 2 do citado diploma legal).
Quanto à emissão das faturas, determinava o n.º 1 do artigo 26.º do citado Decreto-lei n.º 153/2014, de 20/10, que:
- A faturação da eletricidade fornecida pela UPAC ao abrigo do «contrato de venda da eletricidade ao comercializador de último recurso», é processada pelo comercializador de último recurso (CUR), nos termos do n.º 11 do artigo 36.º do CIVA, sem necessidade de acordo escrito do produtor.
- A faturação relativa à energia elétrica proveniente da UPP é, da mesma maneira, processada pelo CUR nos termos do mesmo n.º 11 do artigo 36.º do CIVA, também sem necessidade de acordo escrito do produtor.
Ou seja, em ambas as situações, vigora o regime de autofaturação previsto no n.º 11 do artigo 36.º do CIVA, no entanto, com a especificidade de não se exigir o cumprimento da condição referida na al. a) do n.º 11 do artigo 36.º, isto é, «(a) existência de um acordo prévio, na forma escrita, entre o sujeito passivo transmitente dos bens ou prestador dos serviços e o adquirente ou destinatário dos mesmos.» Todas as restantes condições para processamento de faturas em autofaturação têm de ser cumpridas.
As atividades de produção de energia elétrica acima identificadas pelas UPAC (produção destinada ao autoconsumo na instalação de utilização associada à respetiva unidade produtora, sem prejuízo do excedente produzido ser injetado na RESP), bem como pelas UPP (por intermédio de instalações de pequena potência), reúnem, face ao CIVA, os pressupostos de incidência em IVA, pelo que, tanto os particulares, como os sujeitos passivos que praticam operações isentas de IVA ao abrigo do artigo 9.º do CIVA, tornam-se sujeitos passivos do imposto pelo exercício de operações tributáveis, por aplicação da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, sem prejuízo de beneficiarem do regime especial de isenção previsto no artigo 53.º do CIVA.
Na vigência do Decreto-Lei n.º 153/2014, embora a responsabilidade pela autofaturação incumbisse ao CUR, a liquidação e entrega do IVA ao Estado pela venda de energia incumbia ao produtor de energia. De facto, de acordo com as regras da produção de energia previstas no citado diploma legal, ao comercializador adquirente apenas incumbia o processamento da fatura por conta do produtor - autofaturação.
Ao sujeito passivo produtor cabia apresentar a declaração periódica, indicando o valor das operações e o imposto, proceder ao pagamento do imposto respetivo e efetuar a comunicação das faturas, ainda que sejam processadas pelo comercializador.
Assim, encontrando-se o produtor no regime normal de tributação, ele devia, de acordo com a fatura recebida do comercializador adquirente, relativa à aquisição da energia produzida e vendida pelo sujeito passivo, apresentar a declaração periódica correspondente ao período de imposto relativo à fatura emitida, preenchendo os campos 3 (base tributável) e 4 (IVA liquidado), ambos do quadro 06.
As disposições do Decreto-Lei n.º 153/2014 aplicáveis à produção de eletricidade através de unidades de pequena produção a partir de energias renováveis, baseadas numa só tecnologia de produção, cuja potência de ligação à rede seja igual ou inferior a 250 kW, destinada à venda total de energia à rede, foram, todavia, revogadas pelo Decreto-Lei n.º 76/2019, de 3 de junho, tendo, no entanto, sido mantido em vigor, na parte aplicável às unidades de produção a partir de fontes de energia renovável até 1 MW e no que não contrarie o disposto no Decreto-Lei n.º 76/2019.
O Decreto-Lei n.º 153/2014 veio, no entanto, a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 162/2019, de 25 de outubro, sem prejuízo do disposto nos números 1 e 3 do seu artigo 29.º.
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 162/2019, também ele, veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro.
De conformidade com o artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, que atualmente regula o setor:
«1 - O comercializador ou agregador com quem o autoconsumidor celebre contrato relativo aos excedentes disponibiliza, obrigatoriamente, a todos os autoconsumidores a opção de processamento da faturação da energia elétrica nos termos do n.º 11 do artigo 36.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro, na sua redação atual.
2 - Mediante o processamento da faturação da energia elétrica nos termos do número anterior, o comercializador ou agregador assume a obrigação de proceder à comunicação dos elementos das faturas referentes à transação da energia excedente produzida para autoconsumo, nos termos do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, na sua redação atual.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se à transação da eletricidade produzida em centro electroprodutor ou UPAC com potência instalada até 1 MW.»
Face ao referido, no caso da microprodução, autoconsumo e injeção do excedente de eletricidade na rede ser efetuada por um sujeito passivo que já exerça uma atividade sujeita a IVA e se encontre enquadrado no regime normal, não há lugar à inversão prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, uma vez que a alínea n) apenas se aplica a autoconsumidores (que são os micro produtores) cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente da prática destas transmissões.
Se os microprodutores já se encontram no regime normal do IVA pelo exercício de outra atividade, não há lugar à inversão do sujeito passivo.
Além da introdução da inversão do sujeito passivo prevista na alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, o Decreto-Lei n.º 85/2022, antes mencionado, procedeu à alteração do n.º 15 do artigo 29.º do CIVA, conferindo-lhe a seguinte redação:
«15 - Os sujeitos passivos referidos nas alíneas i), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º são obrigados a emitir uma fatura por cada aquisição de bens ou de serviços aí mencionados quando o respetivo transmitente ou prestador não seja um sujeito passivo, se encontre sujeito a IVA pela prática de uma só operação tributável nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º ou cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente das transmissões referidas na alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º, não se aplicando, nesses casos, os condicionalismos previstos no n.º 11 do artigo 36.º.»
Passou, assim, a constar do CIVA, com efeitos a partir de 01/01/2023, que nas situações previstas nas alíneas i), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, a obrigação de autofaturação pelo adquirente (sem acordo prévio), quando o respetivo transmitente ou prestador:
- Não seja um sujeito passivo;
- Se encontre sujeito a IVA pela prática de uma só operação tributável nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º; ou
- Cujo enquadramento no regime normal do imposto resulte unicamente das transmissões referidas na alínea n) do n.º 1 do artigo 2.º, não se aplicando, nesses casos, os condicionalismos previstos no n.º 11 do artigo 36.º.
Face ao até aqui referido, podemos, relativamente à obrigação de emissão de fatura, concluir que nos casos previstos no n.º 15 do artigo 29.º do CIVA é obrigatória a autofaturação sem acordo prévio.
Nos demais casos e por força do que estabelece no artigo 89.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, o comercializador ou agregador com quem os autoconsumidores celebrem contratos relativos aos excedentes disponibiliza, obrigatoriamente, a todos eles a opção de processamento da faturação da energia elétrica nos termos do n.º 11 do artigo 36.º do CIVA, ou seja, disponibiliza a chamada autofaturação com acordo prévio.
O Decreto-Lei n.º 85/2022 alterou, ainda, o n.º 13 do artigo 36.º do CIVA, cuja redação passou a ser a seguinte:
«13 - Nas situações previstas nas alíneas i), j), l), m) e n) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como nas demais situações em que o destinatário ou adquirente for o devedor do imposto, as faturas emitidas pelo transmitente dos bens ou prestador dos serviços devem conter a expressão ‘IVA - autoliquidação’.»
Tecidas todas estas considerações, passamos a responder às questões colocadas.
Face ao referido, no caso colocado no pedido em apreciação no presente parecer não haverá lugar à autoliquidação do IVA, se o enquadramento no regime normal do imposto não resultar unicamente da prática das referidas transmissões, mas pode haver lugar a autofaturação, desde que exista acordo prévio nesse sentido entre as partes.
A faculdade de recurso à autofacturação encontra-se prevista no n.º 14 do artigo 29.º do CIVA e permite que seja o adquirente a elaborar a fatura a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 29.º, em nome e por conta do fornecedor dos bens ou serviços.
O recurso a este procedimento implica que ambos os intervenientes na operação aceitem que a fatura passe a ser elaborada pelo adquirente e é condicionado à verificação dos seguintes requisitos, previstos no n.º 11 do artigo 36.º do CIVA:
- Existência de um acordo prévio, na forma escrita, entre o sujeito passivo transmitente dos bens ou prestador dos serviços e o adquirente ou destinatário dos mesmos;
- Prova, pelo adquirente, de que o transmitente dos bens ou o prestador dos serviços tomou conhecimento da emissão da fatura e aceitou o seu conteúdo;
- A fatura conter a menção «autofacturação».
De resto, as faturas elaboradas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os elementos referidos no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA. Para efeitos do cumprimento do requisito da emissão sequencial da faturação, o adquirente deve criar uma série própria para as faturas elaboradas ao abrigo do n.º 11 do artigo 36.º do CIVA.
Importa também referir que, para efeitos do cumprimento do n.º 4 do artigo 36.º do CIVA, o adquirente, que elabora a fatura, deve enviar o duplicado da mesma ao fornecedor dos bens ou serviços, para efeitos do registo do documento na contabilidade do sujeito passivo.
A responsabilidade pela sua emissão, veracidade e conteúdo da fatura e pelo pagamento do respetivo imposto permanece na esfera do sujeito passivo fornecedor ou prestador de serviços, sem prejuízo da responsabilidade solidária do adquirente a que se referem os números 1 e 2 do artigo 79.º do CIVA (conforme n.º 3 do artigo 79.º do CIVA).
No que respeita ao requisito mencionado na alínea b) do anterior ponto 32, tem sido entendimento da Direção de Serviços do IVA que o procedimento de aceitação de cada uma das faturas emitidas exige que o fornecedor comunique expressamente ao adquirente a respetiva concordância com o conteúdo da fatura, através de qualquer meio de comunicação escrita.
Face ao questionado, aproveitamos para chamar a atenção de que o procedimento adotado pelos intervenientes relativamente à comunicação dos elementos das autofaturas emitidas com acordo prévio, ou seja, ficar o adquirente responsável por tal comunicação, embora seja, de facto, nos termos do número 10 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, permitido, apenas será possível se tal estiver previsto no acordo de autofaturação.
Em suma, no tocante à responsabilidade pela comunicação das referidas faturas, apenas será possível que o adquirente seja responsável pelo envio do ficheiro SAF-T (PT) da faturação, se tal procedimento estiver previsto no acordo de autofacturação.
Caso contrário, a referida obrigação recai sobre o sujeito passivo fornecedor da energia, pelo que, a entidade que elabora as faturas (emite as autofaturas) produz o ficheiro SAF-T (com os dados do prestador/transmitente) e entrega-o ao emitente para que este o submeta. Neste caso, sendo o transmitente o responsável pela comunicação das «autofaturas», passamos a transcrever a FAQ n.º 7, desenvolvida pela Autoridade Tributária, relativa à autofaturação, disponível nesta ligação:
«07-4970 Quais as vias disponíveis para comunicação de autofaturas, pelo transmitente ou prestador de serviços?
Se, no âmbito do acordo de autofaturação, não conceder esta faculdade ao adquirente, o transmitente dos bens ou prestador de serviços, deve comunicar as autofaturas por:
Envio de ficheiro de comunicação de documentos (Ficheiro normalizado estruturado com base no ficheiro SAF-T), facultado pelo adquirente (Portal das Finanças > e-Fatura > FATURAÇÃO > EMITENTE > Enviar Ficheiro) ou
Inserção direta no Portal das Finanças, assinalando o campo «Autofaturação» (Portal das Finanças > e-Fatura > Faturação > Emitente > Comunicar fatura).»

 

 

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