Explicação para a regra da Inversão do IVA na Construção Civil
8 June 2007
Artigo de João Antunes, consultor da CTOC

                                                                  

Muitos têm sido aqueles que se interrogam sobre a razão de ser das novas regras no imposto sobre o valor acrescentado (IVA), que entraram em vigor em Abril para o sector das prestações de serviços da construção civil, habituados que estavam à regra geral de liquidação do imposto na factura pelo prestador de serviços.
O imposto sobre o valor acrescentado introduzido em Portugal em 1986 é um imposto indirecto, que tributa o consumo e, em consequência, deve ser um imposto neutro para os operadores económicos, não devendo introduzir distorções na actividade económica, nem tão pouco deve ser encarado como uma espécie de fundo de maneio ou como um financiamento das empresas, embora todos o sabemos que, na prática, muitas vezes funciona mesmo como tal.
Sendo o imposto sobre o valor acrescentado um imposto neutro que recai apenas sobre o consumidor final, não devia ser motivo de tanta controvérsia a nova regra de inversão, porque para o prestador de serviços devia ser economicamente e também financeiramente indiferente liquidar ou não imposto na factura, porque se trata de um imposto que é entregue nos cofres do Estado, após a dedução do imposto que onerou as suas aquisições. Se da dedução resultar um valor negativo, o sujeito passivo entra em crédito de imposto perante o Estado e solicita o seu reembolso.
Acontece que frequentemente, o imposto liquidado é objecto de utilização abusiva ou fraudulenta por parte dos operadores económicos e, ao adoptar-se as regras de inversão, acautelam-se situações que possam resultar em prejuízo da receita tributária.
Com efeito, a regra de inversão imposta às prestações de serviços de construção civil resulta de uma faculdade conferida pela Directiva n.º 2006/69/CE, do Conselho, de 24 de Julho, e é objectivo declarado no próprio Decreto-Lei n.º 21/2007, combater a fraude e a evasão fiscais neste sector de actividade.
Com efeito, ao passar a caber aos adquirentes ou destinatários daqueles serviços a auto-liquidação do imposto, situações como a das facturas de prestações de serviços fictícios, sobre-facturação com liquidação de IVA, nomeadamente entre empresas com relações especiais, deixam de fazer sentido.
Senão, vejamos um exemplo: num determinado grupo de sociedades temos uma sociedade com um grande volume de facturação sujeita a IVA que solicita a outra sociedade do grupo em situação de reporte, a prestação de serviços na área da construção civil com sobre-facturação.
Ao empolar a dedução de imposto nesta última empresa, está-se assim a defraudar o erário público. Podem ainda acontecer situações extremas do exercício do direito à dedução sem que o imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado pelo prestador de serviços. Assim, com a regra da inversão compete ao adquirente a liquidação e dedução, mantendo o imposto o seu carácter neutro ao longo do processo produtivo, recaindo o encargo no destinatário final, o qual suporta efectivamente o imposto.
Esta Directiva Europeia, confere aos Estados-membros a possibilidade de designar o destinatário das operações como o responsável do pagamento e contabilização do IVA. É intenção expressa na própria Directiva que esta medida tem como objectivo simplificar as regras e lutar contra a fraude e a evasão fiscais verificadas em determinados sectores ou em certos tipos de operações. Contudo, esta medida não assume na Directiva carácter obrigatório, mas sim facultativo. Os sectores previstos onde se pode aplicar a regra da inversão enumerados na Directiva são os seguintes:

 

Ø        Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens por força do disposto no n.º 5 do artigo 5º;([1])

 

Ø        Colocação à disposição de pessoal que participe nas actividades abrangidas pela subalínea i);

 

Ø        Entrega de um bem imóvel, na acepção das alíneas g) e h) do ponto B do artigo 13.º,([2]) sempre que o fornecedor tenha optado pela tributação da operação nos termos da alínea b) do ponto C desse artigo;

 

Ø        Entrega de materiais usados, materiais usados que não possam ser reutilizados no mesmo estado, desperdícios, resíduos industriais e não industriais, resíduos recicláveis, resíduos parcialmente transformados,

sucata e certos bens e serviços específicos, identificados no anexo M;

 

Ø        Entrega de bens dados em garantia por um sujeito passivo a outro sujeito passivo em execução dessa garantia;

 

Ø        Entrega de bens após a cessão de um direito de reserva de propriedade a um cessionário que exerce esse direito,

 

Ø        Entrega de um bem imóvel vendido pelo devedor no âmbito de um processo de venda coerciva.

Portugal já adoptou esta regra na entrega de materiais usados, desperdícios e resíduos e agora este ano nas prestações de serviços de construção civil, mas outras operações tributáveis em IVA se lhes podem seguir como se vê pela lista acima descrita que consta da Directiva.
Esperamos com este trabalho ter contribuído para tentar esclarecer o motivo destas novas regras da inversão quer nas sucatas e desperdícios, quer nas prestações de serviços da construção civil.



([1]) Artigo 5.º, n.º 5 da Directiva 77/388/CEE alterada pela Directiva 2006/69/CE

([2]) Artigo 13.º  da Directiva 77/388/CEE, alterada pela Directiva 2006/69/CE