Pareceres
IRC - gastos fiscais
9 October 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


IRC - gastos fiscais
PT28173 - maio de 2024

 

Determinada empresa na área da construção civil (trolha, pedreiro, pintor) fatura 240 mil euros por ano. Em março de 2018 iniciou uma obra que terminou em novembro de 2019, tendo faturado um total de 86 100 euros. Esta empresa terá de efetuar reparações (garantia ao cliente) nessa obra no valor de 8 mil euros, não recebendo nenhum dinheiro pelo serviço. Para tal, irá efetuar algumas compras e subcontratar mão-de-obra.
Qual o tratamento a dar em IRC e em IVA a estas despesas? Posso deduzir-se o IVA? Considera-se as despesas na conta 31 e em subcontratos por contrapartida de alguma outra conta? Sendo a empresa a suportar estas despesas, deve haver algum documento interno? Qual a conta para evidenciar que foi uma garantia de cliente para não ter problemas fiscais no futuro?
Não vai haver faturação pois não vai haver pagamento do cliente.


Parecer técnico


A questão colocada relaciona-se com o trabalho contabilístico, relacionados com as despesas de reparações efetuadas em obra, pelo facto de o cliente ter acionado a garantia.
Na situação exposta, não poderão ser analisadas as reparações apenas ao momento em que foram realizadas, uma vez que os contratos de prestação de serviços de construção civil, em termos jurídicos, têm implícitos a prestação de garantia aos seus clientes.
Todavia, essas questões são jurídicas pelo que deverá ser analisado com um jurista ou advogado.
A entidade adota a NCRF para as pequenas empresas, como tal deveremos ter por base o parágrafo 13 da NCRF - PE.
Segundo a norma, são provisões as obrigações presentes e quando é provável que um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos será necessário para liquidar as obrigações.
Por outro lado, quando não cumpre com a definição, poderá ainda verificar-se se se trata de um passivo contingente. Passivo contingentes são obrigações possíveis, uma vez que carecem de confirmação sobre se a entidade tem ou não uma obrigação presente que possa conduzir a um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos; ou, obrigações presentes que não satisfazem os critérios de reconhecimento deste capítulo, seja porque não é provável que será necessário um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos para liquidar a obrigação, seja porque não pode ser feita uma estimativa suficientemente fiável da quantia da obrigação.
As provisões só devem ser reconhecidas quando cumulativamente:
- Uma entidade tenha uma obrigação presente, legal ou construtiva, como resultado de um acontecimento passado;
- Seja provável que um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos será necessário para liquidar a obrigação; e
- Possa ser feita uma estimativa fiável da quantia da obrigação.
Nos raros casos em que não seja claro se existe ou não uma obrigação presente, presume-se que um acontecimento passado dá origem a uma obrigação presente se, tendo em conta toda a evidência disponível, for mais provável que tal obrigação presente existe à data do balanço.
Um acontecimento passado que conduza a uma obrigação presente é chamado um acontecimento que cria obrigações. Para um evento ser assim chamado, é necessário que a entidade não tenha nenhuma alternativa realista senão liquidar a obrigação por ele criada, o que apenas ocorre:
- Quando a liquidação da obrigação possa ser imposta legalmente; ou
- No caso de uma obrigação construtiva, quando o evento (que pode ser uma ação da própria entidade) crie expectativas válidas em terceiros de que ela cumprirá a obrigação.
Segundo o parágrafo 13.7, para que um passivo se qualifique para reconhecimento precisa de haver não somente uma obrigação presente, mas também a probabilidade de um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos para liquidar essa obrigação. Um exfluxo de recursos ou outro acontecimento é considerado como provável se o acontecimento for mais provável do que não de ocorrer, isto é, se a probabilidade de que o acontecimento ocorrerá for maior do que a probabilidade de isso não acontecer. Quando não for provável que exista uma obrigação presente, uma entidade divulga um passivo contingente, a menos que a possibilidade de um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos seja remota.
O uso de estimativas é uma parte essencial da preparação de demonstrações financeiras e não prejudica a sua fiabilidade. Isto é especialmente verdade no caso de provisões, que pela sua natureza são mais incertas do que a maior parte de outros elementos do balanço. Uma entidade pode, normalmente, fazer uma estimativa da obrigação que seja suficientemente fiável para usar ao reconhecer uma provisão. Quando tal não seja possível, existe um passivo que não pode ser reconhecido, sendo divulgado como um passivo contingente.
As provisões são, portanto, passivos incertos, devendo ser reconhecidas apenas quando for mais provável do que não o exfluxo de recursos e possa ser efetuada uma estimativa fiável da quantia da obrigação.
A obrigação presente poderá resultar da própria atividade desenvolvida pela empresa que obriga a que esta execute qualquer reparação nos inventários vendidos ou prestações de serviços efetuadas a clientes, durante um período estabelecido, após venda ou conclusão e entrega. Este período poderá variar em função de qualquer obrigação legal ou construtiva (política adotada pela entidade).
A quantia reconhecida como uma provisão deve ser a melhor estimativa do dispêndio exigido para liquidar a obrigação presente à data do balanço.
As estimativas do desfecho e do efeito financeiro são determinadas por julgamentos, complementados pela experiência de transações semelhantes e, em alguns casos, por relatos de peritos independentes. Assim, a estimativa da provisão para garantias a clientes poderá ser efetuada tendo por base o histórico (se existir) dos encargos normalmente incorridos com as reparações no âmbito da garantia. A evidência considerada inclui qualquer evidência adicional proporcionada por acontecimentos após a data do balanço.
Quando o efeito do valor temporal do dinheiro for material, a quantia de uma provisão deve ser o valor presente dos dispêndios que se espera que sejam necessários para liquidar a obrigação, conforme o parágrafo 13.17.
Os encargos a ter em conta com a garantia prestada ao cliente deverão ser os encargos que efetivamente se irão incorrer com a reparação de algum aspeto relacionado com o inventário vendido ou pela prestação de serviços efetuada, incluindo-se dispêndios com deslocações e estadas, mão-de-obra utilizada, materiais aplicados, subcontratos, entre outros.
Uma provisão deve ser usada somente para os dispêndios relativos aos quais a provisão foi originalmente reconhecida. Somente os dispêndios que se relacionem com a provisão original são contrabalançados com a mesma. Contrabalançar os dispêndios com uma provisão que foi originalmente reconhecida para uma outra finalidade esconderia o impacto de dois acontecimentos diferentes.
Os registos contabilísticos relacionados com as garantias prestadas aos clientes poderão ser seguintes: No início do período de garantia, pelo reconhecimento da provisão para garantias a clientes:
- Débito da conta 672 - Provisões do período - Garantias a clientes, por contrapartida a crédito da conta 292 - Provisões - Garantias a clientes, pela estimativa (eventualmente o valor presente) dos encargos a incorrer no âmbito da garantia;
Durante e até ao final do período da garantia, pelo gasto de juros relacionado com a provisão de garantia a clientes, pela atualização ao valor presente:
- Débito da conta 691 - Gastos de financiamento - Juros suportados, por contrapartida a crédito da conta 292 - Provisões - Garantias a clientes, pela diferença referente ao juro do período decorrido;
Durante e até ao final do período da garantia, pelo uso da provisão:
- Débito da conta 292 - Provisões - Garantias a clientes, por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem ou conta 22 - Fornecedores ou conta 23 - Pessoal, pelos encargos efetivamente incorridos no âmbito da garantia a clientes, incluindo-se dispêndios com deslocações e estadas, mão-de-obra utilizada, materiais aplicados, subcontratos, entre outros, conforme acima referido.
Esses dispêndios e outros encargos poderão ser identificados e determinados numa folha de obra por cada assistência efetuada no âmbito da garantia.
Na situação apresentada, em termos contabilísticos faz sentido a constituição de uma provisão para riscos de garantias a clientes.
De referir que a provisão deverá manter-se reconhecida como passivo até que a obrigação de prestar a garantia ao cliente deixe de existir ou seja reduzida.
No caso em concreto, deverá verificar se no contrato de prestação de serviços estava previsto a prestação de garantia dos clientes, como tal deveria ter sido constituída uma provisão no início do período de garantia, que pressupomos ser em 2019, quando terminou a obra.
Atualmente pelos encargos/dispêndios ocorridos com a reparação das efetuadas, deverá ser debitar da conta 292 - Provisões - Garantias a clientes, por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem ou conta 22 - Fornecedores.
Se os gastos relacionados com a reparação excederem a provisão, será registado na conta de gastos respetiva, ou em matérias-primas conforme refere na questão, que se converterá em gastos, pelo custo das matérias-primas consumidas, no exercício em que ocorrem.
Com base nesta exposição, poderá resultar que estamos perante erros contabilísticos, e como tal deveria ser tratado de acordo com o paragrafo 6 da NCRF - PE.
Em termos fiscais, o artigo 23.º do Código do IRC, mais concretamente a alínea i) do n.º 2, estabelece que são fiscalmente dedutíveis as provisões incorridas ou suportadas para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Em termos fiscais, as provisões são tratadas no artigo 39.º do Código do IRC, que determina que são dedutíveis:
- As que se destinem a fazer face a obrigações e encargos derivados de processos judiciais em curso por factos que determinariam a inclusão daqueles entre os gastos do período de tributação;
- As que se destinem a fazer face a encargos com garantias a clientes previstas em contratos de venda e de prestação de serviços;
- As provisões técnicas constituídas obrigatoriamente, por força de normas emanadas pelo Instituto de Seguros de Portugal, de caráter genérico e abstrato, pelas empresas de seguros sujeitas à sua supervisão e pelas sucursais em Portugal de empresas seguradoras com sede em outro Estado-membro da União Europeia;
- As constituídas com o objetivo de fazer face aos encargos com a reparação dos danos de caráter ambiental dos locais afetos à exploração, sempre que tal seja obrigatório nos termos da legislação aplicável e após a cessação desta.
As provisões para garantias a clientes são, assim, fiscalmente dedutíveis nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 39.º do Código do IRC, definindo o n.º 5 do mesmo artigo que «o montante anual da provisão para garantias a clientes (...) é determinado pela aplicação às vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia efetuadas no período de tributação de uma percentagem que não pode ser superior à que resulta da proporção entre a soma dos encargos derivados de garantias a clientes efetivamente suportados nos últimos três períodos de tributação e a soma das vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia efetuadas nos mesmos períodos.»
A aplicação prática da referida disposição legal foi clarificada através da Circular n.º 10/2011, da Direção de Serviços do IRC, a qual menciona que:
- O montante anual a que se refere o n.º 5 do artigo 39.º do Código do IRC corresponde à dotação anual (dotação da provisão reconhecida como um gasto) determinada pela aplicação da percentagem ao volume de vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia a clientes do ano em causa e não ao montante acumulado da provisão no fim de cada período de tributação.
- Para efeitos do cálculo do limite que pode ser fiscalmente aceite nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do Código do IRC, é necessário conhecer o histórico de encargos com garantias respeitantes a vendas e prestações de serviços, nos últimos três períodos de tributação.
- A referência aos «últimos 3 períodos de tributação» permite considerar os dados do período em que se está a constituir ou a reforçar a provisão (ano “N”) e dos dois períodos anteriores (anos “N-1” e “N-2”), uma vez que no final do período de tributação “N” são já conhecidas as vendas e as prestações de serviços desse período bem como os encargos suportados com garantias a clientes.
- No período de tributação em que se inicia a atividade, a provisão fiscalmente aceite é a que corresponde aos encargos suportados nesse período com as garantias a clientes.
- No período de tributação seguinte, a provisão é calculada pela aplicação às vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia da percentagem que resulta da proporção entre a soma dos encargos com garantias a clientes efetivamente suportados nesse período e no período anterior e a soma das vendas e das prestações de serviços sujeitas a garantia efetuada nos mesmos períodos.
- Idêntico entendimento é de aplicar às situações em que o sujeito passivo, no decurso da sua atividade, comece a efetuar vendas ou a prestar serviços sujeitos a garantia.
Face ao exposto, pressupondo que existiu estimativas fiáveis dos gastos com garantia em 2019, estariam reunidas as condições para que seja reconhecida uma provisão. Contabilisticamente, em 2019, deveria ter sido debitado a conta «672 - Provisões do período - Garantias a clientes» e creditar-se-á a conta «292 - Provisões - Garantias a clientes.»
Se em 2019, não foi efetuado, então em termos fiscais o gasto agora incorridos com as reparações não seria aceite fiscalmente, devendo ser corrigido no quadro 07 da declaração modelo 22 - no campo das correções de exercício anteriores o valor da provisão que era estimada fiavelmente em 2019.
No caso sugerimos efetuar a correção do erro contabilisticamente atendendo às regras contabilísticas. O valor da respetiva provisão que irá ser registada agora, não pela 627, mas pela 6888 - Correções relativas a períodos anteriores ou 56 - Resultados transitados.
- Débito da conta 6888 - Correções relativas a períodos anteriores ou 56 - Resultados transitados, por contrapartida a crédito da conta 292 - Provisões - Garantias a clientes, pela estimativa (eventualmente o valor presente) dos encargos a incorrer no âmbito da garantia;
- Débito da conta 292 - Provisões - Garantias a clientes, por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem ou conta 22 - Fornecedores ou conta 23 - Pessoal, pelos encargos efetivamente incorridos no âmbito da garantia a clientes, incluindo-se dispêndios com deslocações e estadas, mão-de-obra utilizada, materiais aplicados, subcontratos, entre outros, conforme acima referido.

 

 

Notícias & Comunicados