Pareceres
IRC - transparência fiscal
18 October 2024
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


IRC - transparência fiscal
PT28183 - maio de 2024

 

Determinada sociedade unipessoal por quotas foi constituída em novembro de 2021 com o objeto social de compra e venda de bens imobiliários e revenda dos adquiridos para esse fim; gestão, administração, arrendamento e exploração de imóveis; exploração de alojamentos e residências estudantis; exploração de estruturas residenciais (lares) para idosos; atividade turística e de gestão e exploração de estabelecimentos de hotelaria; alojamento mobilado para turistas; outros locais de alojamento de curta duração; atividades imobiliárias por conta de outrem; administração, planeamento e gestão imobiliária; promoção imobiliária; mediação imobiliária; investimentos na atividade industrial e comercial; construção civil e reparação de edifícios; trabalhos de instalações que concorrem para a construção de edifícios; realização de obras de paisagismo e urbanismo; importação, exportação e comércio de materiais para a construção civil e similares; prestação de serviços de limpeza doméstica e empresarial; prestação de serviços nas áreas da formação, qualificação e capacitação profissionais; atividades de consultoria para os negócios e em sistemas de gestão, bem como nas áreas organizacional, de gestão, de produção e de recursos humanos; prestação de serviços de intermediação em operações económicas e para os negócios de empresas, incluindo o fornecimento de bens conexos; atividades de gestão, supervisão, planeamento, estratégico e organizativo, tomada de decisão em nome de outras empresas, incluindo serviços administrativos e técnicos; e gestão de representações e participações. Nesse ano ficou enquadrada em IRC e não teve qualquer volume de negócios.
Nos anos de 2022 e 2023 a sociedade tem tido como atividade a compra de um imóvel em 2022, que se encontra registado na conta de inventários, e a prestação de serviços efetuados pela sociedade à sócia (única). As prestações de serviços efetuadas pela sociedade à sócia única foram:
Serviços prestados na gestão de arrendamentos da fração autónoma "AS" inscrita na matriz predial urbana.
- Serviços prestados na gestão de arrendamentos da fração autónoma "AL" inscrita na matriz predial urbana.
- Serviços prestados na gestão de arrendamentos da fração autónoma "CT" inscrita na matriz predial urbana.
- Serviços prestados na gestão de arrendamentos do prédio inscrito na matriz predial urbana.
Importa salientar que os imóveis acima referidos são todos propriedade da sócia única da empresa.
Da análise ao enquadramento da sociedade, para o ano de 2024, parece resultar que a mesma poderá ficar enquadrada no regime da transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, nos termos da qual, para que uma sociedade possa ser considerada como sociedade de simples administração de bens deve limitar a sua atividade à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou fruição ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios ou, quando exerça conjuntamente outras atividades, os rendimentos relativos a esses bens, valores ou prédios devem atingir, na média dos últimos três anos, mais de 50 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus rendimentos.
Aqui reside a primeira questão. A média dos três anos referida no parágrafo anterior, é considerada com o ano da constituição (2021), apesar de não ter tido vendas ou prestação de serviços, ou a média conta apenas para os anos em que efetivamente teve rendimentos (2022 e 2023)?
Quando é referido que a sociedade poderá ficar enquadrada no regime da transparência fiscal, por força do artigo 6.º, n.º 4, alínea b), tem-se por base, não só a leitura do referido artigo, mas também em articulação com o disposto na informação vinculativa PIV 18353, relativa ao processo n.º 2020 004122.
Da leitura da referida informação vinculativa, parece resultar que os serviços prestados nos termos que nas alíneas a), b), c), e d), tratando-se de serviços prestados relativamente a imóveis que não pertencem à sociedade, levando à interpretação que a sociedade só poderá ser enquadrada no regime da transparência fiscal como sociedade de simples administração de bens se os serviços acima referidos forem prestados relativamente aos imóveis detidos pela própria sociedade.
Surge aqui a segunda questão. Os serviços transcritos nas alíneas a), b), c), e d), sendo prestados relativamente a imóveis não detidos pela própria sociedade, mas imóveis de propriedade da sócia única, poderão enquadrar a sociedade como sendo uma sociedade de simples administração de bens e, por consequência, atingindo estes rendimentos mais de 50 por cento da média dos últimos três anos, ser enquadrada em transparência fiscal?
De outra forma, questiona-se se os serviços prestados forem relativos uma multiplicidade de serviços associados, como sejam a disponibilização de infraestruturas de telecomunicações, serviços de abastecimento de água, luz, de soluções de climatização, serviços de manutenção dos vários equipamentos do edifício, limpeza, segurança e/ou receção, destes imóveis propriedade da sócia única da empresa, estes serviços poderão não ser considerados como provenientes de bens mantidos como reserva ou para fruição (uma vez que não são propriedade da empresa, mas sim do sócio único)? A sociedade pode, mesmo prestando estes serviços, relativamente a imóveis do sócio e não imóveis próprios da sociedade, ser considerada com sociedade de simples administração de bens?

 

Parecer técnico

 

As questões colocadas referem-se com o enquadramento fiscal no regime da transparência fiscal de uma sociedade. No caso em concreto trata-se de uma sociedade unipessoal, cujo objeto social é muito abrangente, de entre outras atividades também constam do CAE a atividade de arrendamento e exploração de imóveis. Atendendo a que a atividade até agora exercida resulta da gestão do arrendamento de imóveis da propriedade da única sócia, questiona se esta entidade está abrangida pela transparência fiscal.
O regime de transparência fiscal, previsto no artigo 6.º do Código do IRC, aplica-se, entre outras entidades, às sociedades de simples administração de bens «(...) cuja maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público (...).»
Por sua vez, o n.º 4 do referido artigo 6.º do Código do IRC vem explicitar alguns conceitos para efeitos de aplicação do regime de transparência fiscal:
«(...) b) Sociedade de simples administração de bens - a sociedade que limita a sua atividade à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios, bem como aquela que conjuntamente exerça outras atividades e cujos rendimentos relativos a esses bens, valores ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus rendimentos;
c) Grupo familiar - o grupo constituído por pessoas unidas por vínculo conjugal ou de adoção e bem assim de parentesco ou afinidade na linha reta ou colateral até ao 4.º grau, inclusive (...).»
Para que determinada entidade seja qualificada como uma sociedade de simples administração de bens, enquadrável na alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, têm de ser observados determinados requisitos, a saber:
Requisito de natureza orgânica:
- A maioria do capital social tem de pertencer, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar;
Ou
- O capital social tem de pertencer, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles pode ser pessoa coletiva de direito público;
Requisito de natureza substantiva:
- A atividade tem de se limitar à administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição ou à compra de prédios para a habitação dos seus sócios.
Podem ainda ser exercidas outras atividades em conjunto com aquelas, desde que os proveitos relativos a esses bens, valores ou prédios atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos proveitos da sociedade.
Relativamente a este último requisito importa dar nota que, apenas no caso de serem exercidas outras atividades (ex.: venda de imóveis) em conjunto com a atividade de arrendamento e desde que os proveitos que resultem do arrendamento relativos a esses bens, valores ou prédios, atinjam, na média dos últimos três anos, mais de 50 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos proveitos da sociedade é que poderia eventualmente afastar ou não a aplicação do regime de transparência fiscal,  pelo que caso esta sociedade apenas tenha obtido rendimentos provenientes de rendas em determinado exercício, então,  nesse exercício estaria abrangida pelo regime da transparência fiscal.
Assim, se num determinado período de tributação os rendimentos provenientes do arrendamento de imóveis, juntamente com os referentes aos dois períodos imediatamente anteriores, ultrapassar em mais de 50 por cento da média, durante o mesmo período, da totalidade dos seus rendimentos, a sociedade encontra-se no regime de transparência fiscal.
Sempre que verificada a situação referida, como por exemplo no período de tributação de 2024, caso a média dos rendimentos em 2022, 2023 e 2024 ultrapassar em 50 por cento a média da totalidade dos rendimentos, durante o mesmo período, a sociedade ficará em 2024 enquadrada no RTF, dado respeitar a alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC, sendo que se a sociedade não obteve rendimentos nos anos anteriores ou não teve atividade o valor é zero.
Consideram-se atos de administração de bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição, aqueles que digam respeito, entre outros, a contratos de locação ou arrendamento desses bens, à sua manutenção, reparação, ou realização de benfeitorias, ou seja, que não impliquem o exercício de uma atividade na natureza empresarial.
Assim, caso a sociedade se limite a desenvolver a atividade de administração de bens imóveis próprios, através da celebração de contratos de arrendamento, é considerada uma sociedade de simples administração de bens e, em consequência, sujeita ao regime da transparência fiscal, previsto no artigo 6.º do Código do IRC.
Refira-se que o que importa para o enquadramento da sociedade no regime de transparência fiscal é a atividade efetivamente exercida, independentemente da que estiver prevista no objeto social.
Importa referir que o enquadramento no regime de transparência fiscal é de aplicação obrigatória caso estejam reunidos os requisitos para tal, não resultando de uma opção do sujeito passivo.
O enquadramento no regime fiscal de transparência fiscal é efetuado em cada período de tributação, por cumprimento das referidas condições, não sendo um regime que se efetue qualquer indicação no cadastro, no momento da submissão da declaração início/alterações de atividade, sendo meramente indicado através da submissão da declaração de rendimentos modelo 22.
Não obstante existirem entendimentos emitidos pela AT, que relativamente ao requisito, «os bens ou valores mantidos como reserva ou para fruição», tem sido entendimento da administração fiscal que que a sociedade administra são os seus bens próprios e não os bens pertencentes a terceiros.
Recentemente foi emitido uma informação vinculativa noutro sentido, ou seja, entende a AT, que caso a empresa faça a gestão dos arrendamentos, ao abrigo de um contrato de comodato, de imóveis cuja propriedade seja dos seus sócios, considera que embora a sua afetação à empresa através desse contrato não transmite a propriedade jurídica desses bens, os rendimentos devem ser considerados como provenientes de bens mantidos como reserva ou para fruição e, nessa medida, sujeita ao regime de transparência fiscal, enquanto sociedade de simples administração de bens, nos termos da alínea b) do n.º 4 e alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC.
Aconselhamos a consulta da informação vinculativa com o processo: 24 870, com despacho de 2023-12-12, do diretor de serviços da DSIRC, por subdelegação.
Não obstante o exposto, e porque no caso em concreto, se bem percebemos, os rendimentos obtidos não derivam do arrendamento propriamente dito, mas da gestão comercial do arrendamento obtido por terceiros (no caso a sócia), l, que se caracteriza pela prestação de serviços e que pressupõe a existência de uma empresa estruturada para o efeito, pelo que a sociedade não se qualifica como uma sociedade de simples administração de bens, ficando assim excluída a aplicação da transparência fiscal.
A este propósito aconselhamos as informações vinculativas:
• Processo 2019 002222, sancionado por despacho de 30 de outubro de 2019, da diretora de Serviços do IRC, PIV n.º 15 756; e
• Processo: 2020 004124, sancionado por despacho de 27 de novembro de 2020, da subdiretora-geral da Área de Gestão Tributária - IR PIV n.º 18 354.

 

 

 

 

 

 

 

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