IVA – Vendas intracomunitárias à distância
PT28189 - maio de 2024
Determinado sujeito passivo independente em regime simplificado, com a atividade de vendas à distância, está inscrito na plataforma online Amazon.
Segundo alguma pesquisa, verifica-se que recorre ao método de dropshipping, pois o sujeito passivo comprou a um fornecedor espanhol (fatura isenta de IVA) e o fornecedor espanhol enviou o produto para cliente particular francês.
A Amazon emitiu uma autofatura com IVA à taxa de 20 por cento, pois o cliente tinha a sua morada na França.
Uma vez que a faturação do sujeito passivo é inferior a 10 mil euros, verifica-se que não é necessária a sua inscrição no Balcão único (OSS), mas, quanto à entrega da declaração de IVA, como deve ser preenchida? Deve considerar-se como vendas intracomunitárias?
Parecer técnico
A 1 de julho de 2021 entraram em vigor as novas regras de comércio eletrónico, resultantes da publicação da Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, que transpôs para o normativo nacional os artigos 2.º e 3.º da Diretiva (UE) 2017/2455 do Conselho, de 5 de dezembro de 2017, e a Diretiva (UE) 2019/1995 do Conselho, de 21 de novembro de 2019, tendo ocorrido várias alterações ao Código do IVA e ao Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, mas também foi estabelecida legislação complementar relativa a este imposto, no âmbito do tratamento do comércio eletrónico (comummente chamado como o «pacote IVA do comércio eletrónico»).
Ora, o anexo I deste diploma prevê novos «Regimes especiais do imposto sobre o valor acrescentado aplicáveis aos sujeitos passivos que prestem serviços a pessoas que não sejam sujeitos passivos, efetuem vendas à distância e determinadas transmissões internas de bens»
Mais concretamente, estão previstos três regimes especiais:
- Regime especial aplicável às vendas à distância intracomunitárias de bens, às transmissões de bens num EM efetuadas por interfaces eletrónicas e aos serviços prestados por sujeitos passivos estabelecidos na UE, mas não no EM de consumo;
- Regime especial aplicável a serviços prestados por sujeitos passivos não estabelecidos na União Europeia; e
- Regime especial aplicável às vendas à distância de bens importados.
Uma vez que a questão se prende com transmissões de bens que, supomos, não irão ser importados pelo sujeito passivo português nem por outro sujeito passivo, iremos apenas abordar o regime destacado a negrito.
Sobre esta temática, salientamos a existência do Ofício-Circulado n.º 30 238/2021, de 25 de junho, cuja leitura recomendamos.
Feitas estas notas introdutórias, refira-se o seguinte:
Como sabemos, estabelece o número 1 do artigo 6.º do CIVA, que, regra geral:
«1 - São tributáveis as transmissões de bens que estejam situados no território nacional quando se inicia o transporte ou expedição para o adquirente ou, no caso de não haver expedição ou transporte, no momento em que são postos à disposição do adquirente.»
Esta norma representa a transposição do artigo 31.º e do primeiro parágrafo do artigo 32.º, ambos da Diretiva IVA, que referem o seguinte:
«Artigo 31.º
Caso os bens não sejam expedidos nem transportados, considera-se lugar da entrega o lugar onde se encontram os bens no momento da entrega.
Artigo 32.º
Caso os bens sejam expedidos ou transportados pelo fornecedor, pelo adquirente ou por um terceiro, considera-se lugar da entrega o lugar onde se encontram os bens quando se inicia a expedição ou o transporte com destino ao adquirente.»
Deste modo, as transmissões de bens que se encontrem em território nacional quando se inicia ou transporte ou expedição, ou, no caso de não haver expedição ou transporte, quando são colocadas à disposição dos seus adquirentes, deverão ser consideradas como operações internas efetuadas em Portugal, sendo, desse modo, localizadas e, consequentemente, tributadas em território nacional.
Todavia, prevê a alínea a) do artigo 10.º do RITI uma derrogação a esta regra geral, sendo estabelecido que:
«Não obstante o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do Código do IVA, não são tributáveis:
a) As vendas à distância intracomunitárias de bens quando o lugar de chegada da expedição ou transporte dos bens com destino ao adquirente se situe fora do território nacional.»
Nesta sequência, e complementando este enquadramento, a alínea a) do artigo 11.º do RITI refere que:
«São tributáveis:
a) As vendas à distância intracomunitárias de bens quando o lugar de chegada da expedição ou transporte dos bens com destino ao adquirente se situe em território nacional.»
Concluímos, neste sentido, que, em circunstâncias normais, as vendas à distância intracomunitárias de bens são tributadas no local onde termina a expedição ou transporte, ou seja, no local de consumo dos bens (princípio de tributação no destino).
Neste âmbito, e em termos conceituais, estabelece a alínea q) do número 2 do artigo 1.º do CIVA que:
«2 - Para efeitos das disposições relativas ao IVA, entende-se por:
(...)
q) 'Vendas à distância intracomunitárias de bens', as transmissões de bens expedidos ou transportados pelo fornecedor ou por conta deste, inclusive quando o fornecedor intervenha indiretamente no transporte ou na expedição dos bens, a partir de um Estado-Membro que não seja o Estado-membro de chegada da expedição ou transporte com destino ao adquirente, quando se verifiquem, simultaneamente, as seguintes condições:
i) O adquirente não se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias no Estado-membro de chegada da expedição ou transporte dos bens, ou seja, um particular;
ii) Os bens não sejam meios de transporte novos nem bens a instalar ou montar.»
Assim, estando em causa transmissões de bens, só poderão as mesmas ser consideradas como «vendas à distância intracomunitárias de bens» caso não sejam objeto de instalação ou montagem, o que, embora não seja referido, iremos pressupor ser o caso.
Deste conceito de «vendas à distância intracomunitárias de bens» ficam, igualmente, excluídas as transmissões de bens cujo transporte não fique a cargo do vendedor, ou de terceiro por conta deste, pelo que, embora não seja fornecida qualquer informação neste âmbito, caso alguns dos bens sejam levantadas nas instalações do sujeito passivo pelos clientes, encontrar-se-ão tais operações sujeitas a IVA à taxa normal em vigor no território nacional (ou em Espanha), devido à regra de localização atrás explanada.
Sem prejuízo do exposto anteriormente, salientamos que a entrada em vigor da Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, procedeu, igualmente, a alterações ao artigo 6.º-A do CIVA, tendo ficado estabelecido que:
«1 - Não obstante o disposto (...) na alínea a) do artigo 10.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, (...) as vendas à distância intracomunitárias de bens aí referidas, são tributáveis, respetivamente, nos termos (...) do n.º 1, ambos do artigo anterior, quando estejam reunidas as seguintes condições:
a) O (...) transmitente tenha sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio em território nacional e não esteja sediado, estabelecido ou domiciliado noutro Estado-membro;
b) (...) os bens sejam expedidos ou transportados para outros Estados-membros; e
c) O valor total, líquido do IVA, das operações referidas na alínea anterior não seja superior, no ano civil anterior ou no ano civil em curso, a 10 000 €.»
Ou seja, quer isto dizer que, pese embora o disposto na alínea a) do artigo 10.º do RITI, as vendas à distância intracomunitárias de bens efetuadas serão tributadas em território nacional se, cumulativamente:
- O transmitente desses bens tiver sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, domicílio em Portugal e em mais nenhum país da União Europeia;
- Os adquirentes desses bens forem particulares domiciliados num outro Estado-Membro;
- O valor desses bens, líquido de IVA, no ano civil em curso ou no anterior, não for superior a 10 mil euros.
Na eventualidade de o montante dos 10 mil euros (limite global para os restantes 26 Estados-membros) ser ultrapassado, terá o sujeito passivo de se registar nos territórios para onde expede ou transporta as mercadorias, de modo a entregar o imposto que seja devido às taxas em vigor nestes territórios, conforme resulta da alínea a) do número 10.º do RITI.
Ora, é neste âmbito que poderá aplicar-se o regime do Balcão Único (OSS), mais concretamente o Regime da União (onde se inclui, como referido, o novo regime das vendas à distância intracomunitárias de bens), que estabelece a possibilidade - cujo objetivo é, entre outros, simplificar o processo de declaração e pagamento do IVA - de, ao invés de o sujeito passivo se inscrever em vários Estados-membros, bastará inscrever-se no OSS e, no país de identificação (neste caso, Portugal), proceder à entrega de uma declaração periódica OSS específica para o efeito, entregando o IVA liquidado à taxa em vigor nos Estados-membros para o qual expediu as suas mercadorias, quer tenham origem em Portugal, quer tenham origem noutro Estado-Membro.
Assim, desde que cumpridos os requisitos mencionados anteriormente, poderá o sujeito passivo em causa, de facto, optar pelo OSS relativamente às vendas à distância intracomunitárias dos bens, desde que estas transmissões cumpram a definição de vendas à distância intracomunitárias - neste caso, tal como referido, deverá o sujeito passivo cobrar IVA aos clientes à taxa em vigor nos seus Estados-membros.
Note-se que o regime de derrogação referido (até 10 000 euros) apenas se aplica às transmissões de bens que se considerem localizadas e, desse modo, tributadas em território nacional (ou seja, quando os bens se encontrem em Portugal no início do transporte), não se aplicando, contudo, por exemplo, às vendas à distância intracomunitárias de bens que se encontrem em Espanha no início do seu transporte, sendo estas, como vimos, sempre tributadas no local de destino dos bens, o que, caso não seja aplicado o OSS, obrigará o sujeito passivo a registar-se nesse Estado-membro para aí liquidar o IVA.
Recomendamos, ainda, a análise do ofício-circulado n.º 30 240/2021, de 25 de junho.
Poderá consultar, ainda, as notas explicativas emitidas pela Comissão Europeia sobre esta matéria, nesta ligação.
Relembramos que a adesão ao OSS em circunstância alguma reveste caráter obrigatório, sendo sempre uma opção que o sujeito passivo poderá, ou não, exercer.
Reconhecemos, inclusive, que, em certos casos, poderá ser, de facto, mais vantajoso para o sujeito passivo a não inscrição no OSS, pelo que deverá tal análise, deste modo, ser feita casuisticamente.
Todavia, chamamos a atenção de que, caso o sujeito passivo ultrapasse o limite dos 10 mil euros de vendas à distância intracomunitárias de bens que estejam em território nacional no início do seu transporte (ou, neste caso, efetue vendas à distância intracomunitárias a partir de outros países) e não opte pelo OSS, terá, como referido anteriormente, de se registar para efeitos de IVA nos países para os quais expedir ou transportar os bens, o que, inevitavelmente, implicará encargos acrescidos para o sujeito passivo.
Por fim e a confirmar-se que o sujeito passivo irá optar pelo OSS, refira-se apenas que, em matéria de faturação, tal como resulta do número 5 do artigo 35.º-A do CIVA:
«5 - Não obstante o disposto no n.º 1, a emissão de fatura pelas operações efetuadas por sujeitos passivos que utilizem Portugal como Estado-membro de identificação para efeitos dos regimes especiais do IVA, aprovados pela Lei n.º 47/2020, de 24 de agosto, está sujeita às regras estabelecidas no presente Código.»
Uma vez que é referido que «a Amazon emitiu uma autofatura», aconselhamos a que se confirme se a mesma cumpre, ou não, com todos os requisitos previstos no CIVA e na demais legislação complementar em matéria de faturação.
Em termos declarativos, deverá o sujeito passivo enviar, até ao final do mês seguinte a cada trimestre, uma «Declaração OSS» no Estado-membro de identificação (que, à partida, será Portugal), na qual deverá indicar as operações abrangidas por este regime e o IVA liquidado correspondente a cada Estado-membro, de modo que a AT consiga, posteriormente, entregar esse imposto ao Estado-membro respetivo.
Aconselhamos, neste sentido, a que se confirme tais pormenores junto dos intervenientes.