Os direitos e as garantias dos contribuintes perante a administração fiscal estão a ser restringidos
Os contribuintes portugueses estão a perder direitos e garantias face à Administração Fiscal. Esta é a grande (e preocupante) conclusão do ciclo de conferências subordinado ao tema «Direitos e garantias dos contribuintes e as prerrogativas da Administração Fiscal», promovido pela CTOC. Após os dois primeiros encontros, realizados no Porto e Castelo Branco, a 4 e 5 de Maio, respectivamente, coube a Lisboa e Faro (13 e 14 de Julho) acolheram também mais esta iniciativa da Câmara.
Na capital, e perante quase cinco centenas de TOC, (Faro registou a presença de cerca de 150 profissionais) Domingues de Azevedo, na sessão de abertura, expressou a sua inquietação por «comportamentos da Administração Fiscal que nos têm deixado preocupados. É necessário que essas atitudes sejam constantemente vigiadas e ver se estão em consonância com o Direito.» Até porque, sustentou o presidente da Direcção da CTOC, «os principais prejudicados são os profissionais.» Esta mensagem de alerta seria reforçada no final do dia: «O nosso papel hoje vai muito para além do debitar e creditar. Não somos subservientes de ninguém, somos apenas parceiros de uma relação tributária, com direitos e deveres.»
Ideias que o primeiro orador do dia, António Carlos Santos, ajudaria a sustentar. Na sua intervenção sobre «Direitos e garantias dos contribuintes», o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais defendeu que o Estado português «não deve nem pode ser um Estado fiscalista» e alertou para o facto de «o sistema jurídico e sistema informático viverem muitas vezes de costas voltadas, não raras vezes com predominância do sistema informático.» A realidade comprova esta ideia.
O membro do Gabinete de Estudos da CTOC (GECTOC) defendeu que o contribuinte «não é, nem pode ser considerado um delator, salvo os casos previstos na lei» e considerou que, face às tentativas de cercear o direito à impugnação do acesso ao sigilo bancário, «o melhor era acabar com ele, como forma de evitar atitudes ínvias.»
António Carlos Santos, que considerou que «a Lei Geral Tributária foi um razoável fracasso», está convencido que muitas das intervenções da administração fiscal «não existiriam se houvesse verdadeira responsabilidade do Estado e dos agentes administrativos.» E como as dúvidas sobre a actuação do fisco são muitas, a intervenção deste professor universitário não terminaria sem deixar várias questões no ar. Apenas dois exemplos: «Será que foi rompido o equilíbrio entre as prerrogativas LGT e os direitos dos contribuintes, sempre em prejuízo destes? Será que a coberto da eficácia não estaremos a assistir a uma verdadeira contra-reforma?»
Violação do direito comunitário
«Cláusulas anti-abuso e direitos e garantias dos contribuintes» foi o tema seguinte, exposto por Clotilde Celorico Palma. «A causa ancestral das medidas anti-abuso é a obtenção da igualdade tributária e a justiça na distribuição dos encargos tributários», lembrou a oradora para quem «as operações de planeamento fiscal são, em princípio, lícitas», desde que dentro de determinados parâmetros. Da análise às regras CFC, à subcapitalização, à cláusula anti-abuso e aos preços de transferência, ressaltaram algumas evidências preocupantes, como a revogação do artigo 129.º do CIRC que levou a que «deixasse de existir um meio específico de defesa dos contribuintes, em caso de correcções efectuadas pela administração fiscal.»
Para esta professora universitária, «o planeamento fiscal é um direito subjectivo cujo núcleo tem que ser respeitado e os limites definidos» e parecem não restar dúvidas de que «em Portugal, na criação de normas anti-abuso, tem-se criado insegurança jurídica, tendo-se legislado de forma desproporcional e, em várias situações, violando o direito comunitário.»
Seguiu-se Manuel Faustino que se debruçou sobre a «Caducidade e prescrição em matéria tributária», um tema sempre na ordem do dia. Este reputado fiscalista lembrou que a caducidade como limite temporal do direito à liquidação do imposto tem um prazo geral de quatro anos, a partir do ano seguinte ao do facto tributário e alertou para os casos de suspensão e interrupção do prazo de caducidade, matéria capaz de suscitar dúvidas, bem como para a notificação do acto de liquidação.
Sobre a prescrição das dívidas tributárias (artigos 48.º e 49.º da LGT), Manuel Faustino lembrou que estas «prescrevem, em regra, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.» Este especialista, que falaria ainda sobre a invocação processual da prescrição e a prescrição em matéria contra-ordenacional e criminal fiscal, lembrou que «a citação, reclamação, recuso hierárquico, impugnação e pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, interrompem a prescrição.»
OE 2007: assalto à garantia dos contribuintes
Tema igualmente caro aos Técnicos Oficiais de Contas é a reversão fiscal. Pedro Vidal Matos debruçou-se sobre a matéria e, a abrir as intervenções da tarde, tentou clarificar um assunto que, em muitos aspectos, é complicado e sinuoso. Este jurista esclareceu que «a responsabilidade tributária abrange a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais» mas há «isenção de pagamento de juros de mora e custas no caso de pagamento no prazo de oposição» e incluiu, como prevê a lei, os TOC entre os principais casos de responsabilidade tributária subsidiária. No entanto, Pedro Vidal Matos, que numa intervenção exaustiva abordou igualmente os pressupostos materiais e formais da reversão e a marcha processual, lembrou que, como estabelece a Constituição portuguesa, «a responsabilidade penal é insusceptível de transmissão, pelo que é «constitucionalmente vedada a responsabilidade subsidiária pelo pagamento de multas e coimas.» O jurista alertou ainda para a eventual inconstitucionalidade do despacho de reversão por violação da reserva de jurisdição dos tribunais e para os casos de dívidas resultantes da avaliação indirecta da matéria colectável e a possibilidade de impugnação pelo revertido.
«Penhoras por meios electrónicos» foi o tema central, e actual, da comunicação de Pedro Amorim. Num rápido enquadramento da situação, antes de analisar pontos como a função da penhora, a ordem dos bens penhoráveis, a citação e notificação, a penhora das contas bancárias e penhora de créditos, este jurista lembrou o contrato de titularização com o Citigroup e a confusão entre combate à fraude e cobrança coerciva, alertando para «a fixação do número de penhoras como objectivos dos funcionários» ao mesmo tempo que lamentava o «fim da prescrição e do prazo das garantias» constantes no OE/2007. Aliás, para este especialista, aquele documento é «um dos orçamentos onde houve maior assalto à garantia dos contribuintes.»
O crescimento exponencial do recurso às penhoras foi ilustrado com as estatísticas oficiais. Apenas um exemplo: total geral de ordens de penhoras em 2005 - 59 166. Em 2006, este número galgou para as 387 722! Esperam-se proezas ainda maiores para este ano.
Tal como acontecera já nas conferências de Maio, coube a Vasco Guimarães encerrar o dia, analisando «A responsabilidade civil da Administração Fiscal». Incentivando os presentes «a não se deixarem subjugar pela realidade», o orador lembrou que «os contribuintes têm razão em quase 70 por cento das vezes que os processos seguem para contencioso.» Um número que impressiona e que levanta interrogações. Quem, «no Estado, assume a responsabilidade civil? Quem paga isto?»
Depois de recordar que a relação tributária assenta em princípios como «consentimento, legalidade, igualdade, boa-fé, proporcionalidade e confiança», Vasco Guimarães aludiu aos direitos e deveres das partes, mas assinalou a diferença entre o resultado da violação dos deveres por parte do contribuinte (coimas, multas, prisão, etc.) ou por parte do Estado (anulação do acto). Por isso, a responsabilidade civil deveria funcionar como ponto de equilíbrio entre a administração fiscal e o contribuinte. «É necessário competência e responsabilidade ética e profissional na actividade administrativa.» Um imperativo que exige ainda que se percorra «um longo caminho.»
Apresentações
A Responsabilidade Civil do Estado
Caducidade e Prescrição
Cláusulas Anti-Abuso e Garantias dos Contribuintes
Execução Fiscal das Penhoras Electrónicas
Reversão Fiscal