IVA e IRC: serviços prestados por sujeito passivo brasileiro
07-02-2022
Uma sociedade no regime de IVA normal trimestral recebeu um documento (em nada vem escrito que é uma fatura) de serviços de design gráfico para redes sociais do Brasil, mais precisamente de uma prefeitura municipal. Identifica o prestador dos serviços, o seu endereço e a inscrição municipal, mas não fala em impostos, apenas indica o valor total dos serviços. Este documento é válido? O IVA é considerado como autoliquidação?
Parecer técnico
Questiona-nos acerca da dedutibilidade em sede de IRC e enquadramento em sede de IVA relativamente aos encargos com prestações de serviços de designer cobradas por um sujeito passivo de IRS com sede no Brasil a uma sociedade portuguesa.
No que respeita à aceitação fiscal dos gastos, a entidade portuguesa deve cumprir com o disposto no n.º 1 art.º 23.º do CIRC, que prevê que apenas são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
Desta forma, se os encargos com estes serviços forem enquadráveis nesta disposição, e não estiveram especificamente excluídos nos termos do art.º 23.º-A do CIRC, não vemos qualquer impedimento para a sua aceitação fiscal na esfera da entidade portuguesa, desde que devidamente suportados documentalmente.
Ora, tal como referido, a norma geral de aceitação dos gastos fiscais, o artigo 23.º do CIRC, estabelece que são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, portanto, tais gastos terão de ser documentalmente comprovados e os sujeitos passivos demonstrarem a sua conexão com rendimentos sujeitos a IRC.
De acordo com o disposto 4 do art.º 23.º do CIRC, no caso de gastos incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com a aquisição de bens ou serviços, o documento comprovativo deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:
- Nome ou denominação social do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário;
- Números de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços e do adquirente ou destinatário, sempre que se tratem de entidades com residência ou estabelecimento estável no território nacional;
- Quantidade e denominação usual dos bens adquiridos ou dos serviços prestados;
- Valor da contraprestação, designadamente o preço;
- Data em que os bens foram adquiridos ou em que os serviços foram realizados.
Por sua vez, nos termos do n.º 6 do artigo 23.º do CIRC, quando o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços deve obrigatoriamente assumir essa forma.
Ora, desta forma, se:
- O documento que suporta estes encargos tem como adquirente a empresa portuguesa e como prestador do serviço um sujeito passivo com sede em Portugal, então o gasto deverá estar suportado por fatura emitida nos termos do Código do IVA, caso contrário não será aceite para efeitos fiscais, ao abrigo do disposto no n.º 6 do art.º 23.º do CIRC; ou,
- O documento que suporta estes encargos tem como adquirente a empresa portuguesa e como prestador do serviço um sujeito passivo não estabelecido em Portugal, então o gasto deverá estar suportado por documento que contenha, pelo menos, os elementos previstos no n.º 4 do art.º 23.º do CIRC, caso contrário não será aceite para efeitos fiscais. Neste caso, não é possível obrigar o prestador do serviço a emitir documento ou fatura nos termos do CIVA em vigor em Portugal, visto que este não está obrigado ao cumprimento dessa disciplina.
Em termos de IVA, as prestações de serviços de designer para website seguem a regra geral de localização das prestações de serviços prevista no art.º 6.º do CIVA, nomeadamente na al. a) do seu n.º 6 quando o adquirente seja sujeito passivo do imposto. De acordo com esta disposição, são sujeitas a IVA em território nacional as prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo de IVA, cuja sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio, para o qual os serviços são prestados, se situe no território nacional, onde quer que se situe a sede, estabelecimento estável ou, na sua falta, o domicílio do prestador.
Consequentemente, cabe à entidade portuguesa efetuar a autoliquidação ao IVA, na qualidade de adquirente dos serviços, nos campos 3 e 4 da declaração periódica de IVA, com indicação "Sim” no início do quadro 06, e inscrição do valor tributável no campo 98 do quadro 06-A.
Em termos de retenção na fonte, as entidades não residentes que não tenham estabelecimento estável em território português serão tributadas em Portugal, apenas pelos rendimentos obtidos em território português, sendo esta tributação designada de base territorial.
Tratando-se de um sujeito passivo, prestador de serviços, com residência fiscal no Brasil que aufere em território nacional rendimentos empresariais e profissionais, haverá lugar a retenção na fonte a efetuar em Portugal, caso não estejam reunidos os requisitos que permitam aplicar a CDT entre Portugal e o Brasil.
A expressão «... rendimentos obtidos em território português...» é esclarecida pelo n.º 1 do artigo 18.º do Código do IRS e n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC, normas que enumeram as diversas situações que se consideram rendimentos obtidos em território nacional.
Os rendimentos «derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com exceção dos relativos a transportes, comunicações e atividades financeiras», auferidos por entidades não residentes e sem estabelecimento estável em território português, consideram-se obtidos em território nacional quando a entidade devedora tenha a sua residência, sede ou direção efetiva em Portugal, ou quando o pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado, conforme previsto na subalínea 7) da alínea c) do n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do mesmo artigo, e na al. f) do n.º 1 do art.º 18.º do CIRS.
Em face do exposto, as prestações de serviços efetuado pelo sujeito passivo do Brasil à empresa portuguesa, consideram-se aqui obtidos, estando sujeitos à taxa de retenção na fonte de 25 por cento, com caráter liberatório, conforme previsto na al. a) do n.º 4 do art.º 71.º do CIRS.
Não obstante a legislação nacional impor a tributação dos rendimentos em causa, note-se que o n.º 2 do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), lei fundamental em território nacional, estabelece que as «normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português», significando que, na prática, tratando-se de uma lei superior, esta se sobrepõe às normas de direito interno, por via da supremacia do Direito internacional sobre o Direito interno ordinário.
Nesse sentido, já prevê o disposto no artigo 101.º-C do CIRS que não existe a obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRS, no todo ou em parte, consoante os casos, relativamente aos rendimentos referidos no artigo 71.º quando, por força de uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada por Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por um residente do outro Estado contratante não seja atribuída ao Estado da fonte ou o seja apenas de forma limitada.
Analisando a CDT assinada entre Portugal e o Brasil, atendendo à característica de prestação de serviços deste rendimento, prestado por um trabalhador independente, parece-nos que o mesmo terá enquadramento no seu art.º 14.º, pelo que, se o prestador (trabalhador independente) não tiver estabelecimento estável em território português ao qual estes sejam imputáveis, a competência de tributação é exclusiva do estado de residência, neste caso o Brasil, não sendo devida qualquer retenção na fonte em território português.
Desta forma, caso o beneficiário dos rendimentos pretenda que a tributação em território nacional seja efetuada nos termos da citada CDT entre Portugal e o Brasil, este deverá efetuar os procedimentos abaixo enumerados para acionar a CDT.
Acionar a respetiva Convenção
Para acionar a respetiva Convenção, o beneficiário dos rendimentos deve entregar à sociedade devedora dos mesmos, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto retido na fonte, o formulário modelo 21-RFI preenchido pelo beneficiário e acompanhado de um documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado.
O formulário modelo 21-RFI preenchido pelo beneficiário acompanhado de um documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado é valido pelo prazo máximo de um ano, conforme definido no n.º 4 do art.º 101.º-C do CIRS, devendo o beneficiário informar imediatamente a entidade que se encontra obrigada a proceder à retenção na fonte das alterações verificadas relativamente aos pressupostos de que depende a dispensa total ou parcial de retenção.
Contudo, quando o beneficiário dos rendimentos não entregar atempadamente os documentos acima referidos para acionar a CDT, deve a entidade pagadora dos rendimentos entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei, conforme decorre do disposto no n.º 5 do art.º 101.º-C do CIRS.
Caso o beneficiário dos rendimentos apenas venha a fazer prova do cumprimento dos requisitos para a aplicação do disposto na CDT após o termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto retido na fonte, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional, é afastada a responsabilidade da entidade pagadora pelo pagamento do imposto que deveria ter sido retido na fonte nos termos do parágrafo anterior, ou seja, do diferencial que resulta entre a aplicação da taxa de retenção na fonte prevista no normativo interno português (25 por cento) e aquela que resulta da CDT.
Modelo 30
Adicionalmente, para que a Autoridade Tributária e Aduaneira possa ter conhecimento dos rendimentos obtidos em território português por entidades não residentes sem estabelecimento estável, bem como para possibilitar algum controlo sobre as retenções efetuadas pelas entidades pagadoras, foi introduzida na legislação interna (n.º 7 do art.º 119.º do CIRS e art.º 128.º do CIRC) a obrigação de comunicação dos rendimentos pagos a sujeitos passivos não residentes em território português, através do preenchimento e envio da declaração modelo 30.
A declaração modelo 30 deverá ser entregue até ao fim do 2.º mês seguinte àquele em que ocorreu o pagamento ou a colocação à disposição dos rendimentos.
Nesta declaração, além de ser necessário evidenciar o tipo e montante dos rendimentos e da retenção na fonte associada, exige-se igualmente a identificação do regime de tributação utilizado, ou seja, exige-se que, sempre que seja indicada uma taxa de retenção na fonte inferior às previstas na ordem interna portuguesa, seja indicado o motivo que a originou, como por exemplo, a aplicação de uma convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento.
De acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro (alínea a) do n.º 2 do artigo 11.º e artigo 12.º), as entidades residentes em território português que se encontrem obrigadas a proceder à retenção na fonte a título definitivo, aquando do pagamento a entidades não residentes, devem proceder à inscrição dessas entidades para efeitos de atribuição de número de identificação fiscal.