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IVA – Regularização de benfeitorias
11 February 2022
IVA – Regularização de benfeitorias
11-02-2022

Uma sociedade comercial por quotas, microempresa, enquadrada no regime NC-ME, presta serviços médicos e de alojamento local, estando enquadrada fiscalmente em IVA como mista em afetação real.
A sociedade iniciou serviços de alojamento local em 2019. Nesse ano arrendou um imóvel (um apartamento particular do gerente) para essa prática, e realizou obras e pintura do apartamento para esse fim. A fatura desse serviço de construção civil foi emitida com IVA em autoliquidação. Este serviço foi contabilizado como ativo não corrente (437) e o IVA foi liquidado e também deduzido porque o serviço tinha afetação total ao serviço de alojamento local.
Em dezembro de 2021, por motivos de força maior, a sociedade teve que encerrar o serviço de alojamento local prestado nesse imóvel. Como tal, parte do IVA que foi deduzido da obra adquirida em 2019, teria de ser agora revertido a favor do Estado, derivado desta situação. Está prevista alguma percentagem para este tipo de reversão? Em caso afirmativo, qual a sua forma de contabilização? Ou faz-se um abate pela venda do ativo ao gerente pelo valor líquido contabilístico atual em que se acresce o IVA à taxa normal?

Parecer técnico

No art.º 216.º do Código Civil consagra-se o conceito de benfeitorias, estabelecendo o seu n.º 1 que «[c]onsideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa», podendo essas benfeitorias ser necessárias, úteis ou voluptuárias. Segundo o n.º 3 desta norma, «[s]ão benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.»
Refere Antunes Varela na Ob. Cit., em anotação ao art.º 1340.º, o seguinte: «A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico (…). As benfeitorias estão sempre dependentes de uma relação jurídica (posse, locação, comodato, usufruto) (…).»
Quanto às benfeitorias (obras e outros itens não amovíveis) realizadas nos imóveis alheios, utilizados mediante contrato de arrendamento, há que proceder ao respetivo desreconhecimento pelas suas quantias escrituradas à data da resolução dos contratos de arrendamento, e reconhecimento da perda nos resultados do período, conforme se explica de seguida.
Ainda que somente durante um lapso de tempo, foi feita num prédio alheio obras de adaptação para a atividade de alojamento local, pelo que aquela construção consistirá numa benfeitoria num imóvel.
Nos termos do art.º 1273.º do Código Civil, aqueles que efetuarem benfeitorias sobre alheio, têm direito a ser indemnizados pelo respetivo proprietário nos termos aplicáveis ao enriquecimento sem causa. Estão, nessa situação, os casos em que o Código Civil prevê expressamente o direito a indemnização, como são as situações do arrendatário de prédio que efetue benfeitorias no prédio locado (art.º 1074.º, n.º 5, do Código Civil), do usufrutuário (art.º 1 450.º do Código Civil), do comodatário (art.º 1 138.º do Código Civil) ou do possuidor (art.º 1 273.º do Código Civil).
Por vezes, os contratos de arrendamento estipulam que os imóveis têm de ser entregues, no final desse contrato, tal como se encontravam no início da sua celebração, o que significa que devem ser retirados ou destruídos todos os bens ou obras, amovíveis, ou não, de adaptação necessários ao funcionamento da entidade. Noutros casos, fica estabelecido que quaisquer benfeitorias ou melhoramentos transitam para o proprietário no momento da resolução do contrato, mediante uma compensação ou a título gratuito.
Nos termos do artigo 1237.º do Código Civil, se essas benfeitorias no edifício alheio forem consideradas como necessárias à conservação ou úteis por permitirem uma valorização do imóvel, o arrendatário tem direito a uma indemnização pela respetiva entrega do imóvel ao proprietário. Se essas benfeitorias forem consideradas como supérfluas, o arrendatário não tem direito a qualquer indemnização.
Seja qual for a situação, no momento de resolução do contrato, a entidade deve proceder ao desreconhecimento do item do ativo fixo tangível referente às obras em edifícios alheios, conforme disposto nos parágrafos 7.15 a 7.18 da norma contabilística para as microentidades (NCM) e nos parágrafos 66 a 71 da NCRF 7 – «Ativos fixos tangíveis».
O abate dessas obras deve implicar o reconhecimento da perda nos resultados do período, correspondente à quantia escriturada do item de ativo fixo tangível, se não existir qualquer contrapartida (valor de realização).
Existindo uma contrapartida, isto é, estando previsto o pagamento de uma contraprestação pelas obras/benfeitorias, esse montante corresponderá a um valor de realização para a determinação da mais ou menos valia associada ao desreconhecimento da quantia escriturada do item de ativo fixo tangível.
As depreciações destas benfeitorias apenas devem ser contabilizadas até ao período anterior à rescisão do contrato de arrendamento, que pode ser o ano anterior, ou o mês anterior no caso de se estar a utilizar as depreciações por duodécimos.
Esse lucro ou prejuízo (mais ou menos-valia) é dado pela diferença entre o valor de realização do imóvel (deduzido de encargos com a venda) (se existir) e a quantia escriturada do imóvel (custo de aquisição deduzido de depreciações e perdas por imparidade acumuladas).
O valor de realização do imóvel pode ser o valor a receber pela indemnização (se este existir).
A quantia escriturada (valor líquido contabilístico) resulta da diferença entre o custo de aquisição das benfeitorias (ou eventualmente da quantia revalorizada) e o montante das respetivas depreciações acumuladas e perdas por imparidade acumuladas.
Existe mais-valia quando resultar um valor positivo deste cálculo extracontabilístico, e menos-valia quando o valor for negativo. A fórmula de apurar essa mais-valia/menos-valia contabilística é:
MVc / mvc = VR - (Vaq.(ou V reav) – DAc/PIac)
Em que:
MVc / mvc - Mais-valia contabilística /menos-valia contabilística
VR - Valor de realização
Vaq - Valor de aquisição
Vreav - Valor de reavaliação
DAc - Depreciações acumuladas contabilizadas
PIac - Perdas por imparidade acumuladas contabilizadas
Os registos contabilísticos devem efetuar-se:
Pela anulação das depreciações acumuladas:
- Débito da conta 438/9 – «Depreciações acumuladas/Perdas por imparidade acumuladas» por contrapartida a crédito 432 – «Ativos fixos tangíveis - Edifícios e outras construções», pelo valor das depreciações acumuladas;
Pelo desreconhecimento do ativo fixo tangível:
- Débito da conta 6871 – «Gastos e perdas em investimentos não financeiros – alienações» ou 7871 – «Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros – alienações» (consoante exista menos ou mais-valia, respetivamente) por contrapartida a crédito da conta 432 - «Ativos fixos tangíveis - Edifícios e outras construções», pela quantia escriturada das benfeitorias do imóvel;
Pelo valor a receber pela indemnização (se existir):
- Débito de uma conta de meios líquidos financeiros (ou de contas a receber e a pagar) por contrapartida a crédito da conta 6871 – «Gastos e perdas em investimentos não financeiros – alienações» ou 7871 – «Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros – alienações» (consoante exista menos ou mais-valia, respetivamente), pelo valor recebido ou a receber;
Em termos de IRC, há que determinar as mais ou menos-valias fiscais, de acordo com os artigos 46.º a 48.º do CIRC.
A mais ou menos-valia fiscal é determinada pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, conforme o n.º 2 do artigo 46.º do CIRC.
O valor de realização é dado pelo valor da contraprestação recebida ou a receber, que deve ser líquido dos encargos diretamente relacionados com a alienação das obras (alínea g) do n.º 3 do artigo 46.º do CIRC).
O valor de aquisição deduzido de perdas por imparidade e depreciações acumuladas aceites fiscalmente será determinado pelo custo de aquisição do ativo fixo tangível, incluindo as despesas diretamente relacionados com a aquisição, deduzido das depreciações e perdas por imparidade aceites fiscalmente determinadas nos termos dos artigos 29.º a 34.º do CIRC e do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.
Este valor de aquisição deduzido das depreciações e perdas por imparidade acumuladas, aceites em termos fiscais, pode ainda ser atualizado pelo coeficiente de desvalorização monetária, desde que à data da realização tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data da aquisição (n.º 1 do artigo 47.º do CIRC).
Apenas as mais ou menos valias fiscais são relevantes para a determinação do lucro tributável, pelo que haverá que proceder à correção fiscal, retirando a mais ou menos-valia contabilística e incluída a mais ou menos-valia fiscal (nos respetivos campos do quadro 07 da declaração modelo 22).
Por outro lado, no caso de não existir um valor de indemnização a pagar pelo proprietário ao locatário, e perdendo-se as benfeitorias a favor desse proprietário, a sociedade deve proceder ao desreconhecimento desse item do ativo fixo tangível de acordo com os mesmos procedimentos contabilísticos previstos nos parágrafos 66 a 71 da NCRF 7.
Nesta situação não existe qualquer valor de realização, pelo que a quantia escriturada do item do ativo fixo tangível (custo menos depreciações e perdas por imparidade acumuladas) deve ser desreconhecida por contrapartida de uma perda nos resultados do período (menos valia).
No caso dos itens do ativo fixo tangível, nomeadamente das obras realizadas em edifícios alheios, estarem totalmente depreciados, sendo nula a sua quantia escriturada à data da cessação de atividade, há que proceder apenas à anulação do custo e das depreciações acumuladas registadas, por débito da conta 438 por contrapartida da respetiva conta 432.
Em termos de IRC, essa perda pelo desreconhecimento das benfeitorias apenas pode ser aceite fiscalmente, desde que se cumpram os procedimentos para os abates físicos previstos no n.º 3 do artigo 31.º-B do CIRC. 
Esse abate físico deve ser comprovado através da elaboração de um auto de abate assinado por duas testemunhas, e identificando os factos que originaram o abate. O auto deve ser acompanhado de relação discriminativa dos elementos em causa, contendo, relativamente a cada ativo, a descrição, o ano e o custo de aquisição, bem como o valor líquido contabilístico e o valor líquido fiscal. Deve ainda existir uma comunicação ao serviço de finanças da área do local onde aqueles bens se encontrem, com a antecedência mínima de 15 dias, o local, a data e a hora do abate físico e o total do valor líquido fiscal dos mesmos.
Em termos de IVA, existindo uma transmissão dessas benfeitorias no edifício alheio para o proprietário do imóvel, há que proceder-se à liquidação do IVA, nos termos gerais do Código do IVA.
A alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA considera que são sujeitas a imposto «(...) as transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal (...).»
Conforme verificamos em cima, pode estar estipulado em contrato o direito a receber uma indemnização por força da transmissão das benfeitorias ao proprietário do imóvel, ou eventualmente ficar acordo entre as partes no momento das transferências das benfeitorias.
Neste caso, o valor tributável deve ser o montante da contraprestação a receber do proprietário pela entrega das benfeitorias, nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, sem prejuízo da aplicação das regras previstas no n.º 10 do mesmo artigo.
O valor tributável e imposto liquidado devem ser inscritos nos campos 3 e 4 do quadro 06 da declaração periódica do IVA.
Se não existir um montante de contraprestação pela transmissão dessas benfeitorias, pressupondo que se terá deduzido total ou parcialmente o IVA suportado no momento da sua aquisição, o sujeito passivo deve proceder à liquidação de IVA por essa transmissão a título gratuito, por tal operação ser considerada assimilada a uma transmissão onerosa de bens, conforme previsto na alínea f) do nº 3 do artigo 3º do CIVA.
Nesse caso, o valor tributável deve ser o valor normal dos bens, determinado de acordo com os procedimentos referidos na alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, «o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou, na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento da realização das operações.»
Entendemos que o valor de custo reportado ao momento da realização das operações, corresponde à quantia escritura das benfeitorias à data das transferências das mesmas para o proprietário do imóvel
A taxa a aplicar deve ser a taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA (23 por cento).
Caso se trate de uma transmissão gratuita, e não se procedendo à imputação do IVA a liquidar ao adquirente (proprietário do imóvel), esse IVA deve ser liquidado através de um documento interno da atividade empresarial, com os elementos mínimos obrigatórios previstos no n.º 7 do artigo 36.º do CIVA.
No caso de se tratar de uma transmissão gratuita, deve-se responder "SIM” à pergunta inicial desse quadro 06 da declaração periódica do IVA, e incluir o valor tributável no campo 103 do quadro 06-A dessa declaração.
Sendo de referir que atualmente se aplica em sede de IVA o conceito das relações especiais existente em sede de IRC, nos termos e condições elencados nos números 10 a 12 do artigo 16.º do Código do IVA.
Perante o exposto, admitimos que as benfeitorias realizadas no imóvel, cujo imposto suportado foi objeto do direito à dedução, que agora revertem gratuitamente para o senhorio, se configurem para efeitos de IVA como uma transmissão de bens, pelo que haverá lugar a liquidação de imposto, sendo a base tributável determinada nos moldes referidos.
Não obstante o enquadramento referido, devemos também ponderar o disposto nos artigos 24.º a 26.º do Código do IVA, que se referem quanto a regularizações do imposto anteriormente deduzido, quando se alteram as condições do direito à dedução face ao momento em que esse direito foi exercido, para determinados elementos que, por norma, terão um período de tempo elevado de afetação à atividade.
Estas normas de regularização têm subjacente a obrigatoriedade de manutenção, de bens móveis e imóveis, a atividades tributáveis, durante um determinado período de tempo. Uma vez que o exercício do direito à dedução do imposto suportado ocorre com a fatura, e estamos perante operações de montantes significativos, este será o procedimento que em sede de IVA é equivalente às depreciações (para efeitos de IRC).
O n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA [de referir que na alínea f) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA é feita a ressalva a esta norma], dispõe:
«(...) A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dá lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efetuada, que deve constar da declaração do último período do ano a que respeita (...).»
Entendemos que estas regularizações se destinam, na sua essência a afetações temporárias. No(s) ano(s) em que se verificar esta afetação a fins alheios àqueles que permitiram o exercício do direito à dedução do imposto suportado, haverá lugar a regularizações correspondentes a 1/20 do imposto deduzido.
Estabelece o n.º 3 da mesma norma que, se a entidade cessar a sua atividade durante este período, a regularização correspondente deve ser feita de uma única vez, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 24.º do CIVA.