Opinião
Ordem nos media
A herança de Paulo Macedo
10 August 2007
Artigo de Domingues de Azevedo, presidente da CTOC

                                                    

Goste-se ou não dos seus métodos, critiquem-se alguns desequilíbrios decorrentes do aumento da eficácia da máquina fiscal, mas a verdade é que Paulo Macedo marcou indiscutivelmente uma época e um estilo na liderança da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), uma das mais importantes entidades da nossa Administração Pública. A DGCI tem demonstrado, nos últimos 3 anos, uma dinâmica e uma motivação que, na minha perspectiva, não existiam desde os tempos do Juiz Conselheiro Rodrigues Pardal.
Todos sabemos que Paulo Macedo beneficiou de uma série de projectos e iniciativas que vinham a ser preparados há muito. A conjuntura favoreceu-o: reuniu-se um naipe de factores que propiciaram a cobrança de receitas fiscais acima da média e, até em algumas situações, superior à nossa capacidade normal de gerir receitas públicas. Por "culpa" da implementação de sistemas automáticos regularizaram-se muitos processos que se vinham arrastando na execução fiscal, concorrendo para o aumento das receitas. Estamos cientes disso.
Mas também é preciso reconhecer que o responsável cessante da DGCI teve a arte e a sensibilidade para compreender o sentimento de desmotivação que se apoderara dos funcionários daquela direcção-geral, devolvendo-lhes, em muitos casos, um orgulho que era tradição naquela instituição.
Por tudo isso, a herança que Paulo Macedo deixa ao seu sucessor é verdadeiramente espinhosa, não só pelos elementos tradicionais da avaliação do desempenho do cargo, mas porque o aumento de receitas, admitindo e aceitando que a regularização de algumas situações ainda a influenciem, sustentar-se-á, a partir de agora, muito mais na evolução da economia e muito menos no alargamento da base tributável.
Ou seja, o crescimento das receitas fiscais que até hoje temos vindo a verificar, não tem a sua origem numa evolução económica positiva, mas sim, fundamentalmente, na integração no sistema de contribuintes que dele andavam arredados.
O panorama é ainda difícil por outro tipo de razões: porque alguns dos desequilíbrios e contradições que a introdução dos automatismos gerou, com especial relevo para o funcionamento do instituto de reclamação e dos direitos dos contribuintes, terão que ser urgentemente repensados. Caso se mantenha o actual estado de coisas, a breve trecho atingiremos uma situação no limiar de um sistema fiscal ingovernável. Um cenário que, só de pensar, criaria horror a qualquer gestor social.
Os problemas avolumam-se e os que derivam do relacionamento entre fisco e cidadãos vêem a luz do dia com inquietante frequência. Alguns acontecimentos recentes têm evidenciado as fragilidades e deficiências de funcionalidade do sistema fiscal, que urge com o máximo de urgência sanar, sob pena de se criar nos sujeitos passivos um estado psicológico de injustiça - clima propício para o desenvolvimento de ideias de resistência ao cumprimento dos deveres de cidadania.
Estou convicto de que as deficiências verificadas não emergem de uma vontade pré-concebida por parte dos responsáveis da DGCI e muito menos do seu responsável máximo até há poucos dias, sendo antes o resultado natural de um crescimento muito rápido em alguns domínios, sem que se tenham acautelado algumas das situações verificadas.
As deficiências atrás mencionadas denunciam outra das contradições extremamente perigosas do funcionamento do nosso sistema fiscal, consubstanciadas no tradicional desleixo que é dado ao funcionamento do instituto de reclamação usado pelos contribuintes. Um mecanismo que não suspende uma dívida litigiosa, aliado ao elevado tempo de resposta que os serviços estão a dar às reclamações dos contribuintes, é um potencial e perigoso foco gerador de injustiças, que importa rever no mais curto espaço de tempo, sob pena de se questionar por completo um Estado de Direito que dizemos querer ser.
A matéria em apreço, pela sua envolvente, não é fácil de lidar. A solução terá que ser encontrada na maior celeridade com que os serviços analisam as reclamações apresentadas pelos contribuintes e na concertação do mecanismo da reclamação com a instauração do processo executivo, de forma a que a resposta à reclamação se antecipe àquela instauração, retirando assim à dívida a dúvida de legalidade primária que sobre ela pode pender. Importa, pois, repensar de modo prioritário determinadas práticas e processos que, pelos seus efeitos, comportam elevadas consequências na vida dos contribuintes. Obrigar determinados cidadãos a prestar garantias de dívidas que não existem, que estão feridas de caducidade ou que têm a sua origem em erros de funcionamento da Administração Fiscal, não faz qualquer sentido e deve constituir preocupação central para qualquer cidadão empenhado em cumprir com os seus deveres de cidadania.
Voltaremos ao assunto na próxima edição.