IRC – lucros de empresa belga
PT28331 - outubro de 2024
Um gerente de uma empresa belga vive em Portugal, ou seja, a decisão da gestão da empresa belga encontra-se em Portugal, considerando-se assim que a empresa belga possui direção efetiva em Portugal, logo um estabelecimento estável, e que aqui deve imputar os ganhos e ser sujeito a tributação em sede IRC.
Como pode ser operacionalizado? Como declarar, em sede de IRC, a imputação dos rendimentos da Bélgica? Através da criação de um estabelecimento estável, de uma sucursal ou de uma filial? O gerente fica sujeito a descontos para a Segurança Social em Portugal, caso seja uma sucursal?
Parecer técnico
O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento fiscal, em sede de IRC, de uma empresa residente na Bélgica, cujo gerente reside em Portugal. É referido que, por este facto, as decisões relacionadas com a gestão da entidade encontram-se centralizadas em território nacional.
Começamos por referir que, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IRC, relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, o IRC incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território (princípio da universalidade).
Por outro lado, e de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos (princípio da territorialidade).
Para efeitos das pessoas coletivas, a residência será determinada em função da sede ou da direção efetiva, podendo assim, o domicílio fiscal assumir um local distinto da sua sede social, situando-se no local de onde a gestão exerce a direção efetiva da entidade.
Assim, uma pessoa coletiva será considerada residente em território nacional, caso aqui possua a sua sede ou local de direção efetiva nos termos do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRC.
A direção efetiva é um conceito pelo qual se pretende designar o local onde a empresa é de facto gerida.
No acórdão do CAAD, processo n.º 229/2021-T, o local de direção efetiva é definido como o «local onde são tomadas, em substância, as decisões chave, tanto a nível de gestão geral como de gestão a nível comercial, necessárias à condução das atividades da sociedade na sua globalidade.»
Alberto Xavier em «Direito Tributário Internacional» (Edições Almedina. Coimbra, 2007) acrescenta que «o local de direção efetiva é o lugar onde os negócios são dirigidos ou fiscalizados, isto é, onde são praticados os atos de gestão global da empresa.»
De acordo com esta última definição, o acórdão referido mais acrescenta que:
«Consequentemente, o local onde os negócios são dirigidos e/ou fiscalizados será o local a ser considerado como o local de direção efetiva da Requerente, o que no presente processo arbitral, face à prova produzida pelas Partes, será possível de concluir que não será no local da sede estatutária (sede de direito), uma vez que a Requerida demonstrou cabalmente que o mesmo não cumpria os requisitos necessários para esse efeito. É, pois, pouco verosímil que a sociedade Requerente tivesse a sua direção efetiva nesse local, uma vez que é patente a inexistência de qualquer estrutura organizativa e de meios, que permitisse ver este local como aquele onde são tomadas, em substância, as decisões-chave, como por exemplo, a gestão a nível comercial.»
Conforme podemos verificar, o conceito de «direção efetiva» não é de fácil aferição, devendo-se averiguar juntos dos órgãos de gestão da entidade belga se, de facto, esta dispõe direção efetiva em Portugal.
De referir que, a utilização da expressão «ou» em «consideram-se residentes as pessoas coletivas e outras entidades que tenham sede ou direção efetiva em território português» (n.º 3 do artigo 2.º do CIRC), pode levar a que problemas relacionados com o concurso de normas, possibilitando que mais que um Estado, caso tenham disposições fiscais idênticas possam pretender tributar a mesma entidade pela totalidade dos rendimentos obtidos, verificando-se a ocorrência de dupla tributação.
Dupla tributação será o fenómeno que ocorre quando um mesmo facto tributário corresponde a uma pluralidade de normas, dando origem a mais de um imposto. Assim haverá dupla tributação quando o mesmo rendimento se integre na hipótese de incidência de duas ou mais normas tributárias materiais distintas, originando a constituição de mais do que uma obrigação de imposto.
A expressão dupla tributação pode significar uma múltipla tributação, não quer dizer que ocorra apenas em dois Estados, pode ocorrer em múltiplos Estados. Por exemplo, uma empresa com sede em Gibraltar, em que Portugal considera que esta é residente em Portugal pelo facto de cá possuir direção efetiva, pois cá se situam todos os seus documentos. Por sua vez a Alemanha também considera que a direção efetiva desta entidade está na Alemanha, pois é lá que estão os sócios, é lá que eles tomam as decisões. Qualquer dos Estados envolvidos tem legitimidade para tributar esta entidade
Assim, é importante, no caso concreto, atender à Convenção para evitar a dupla tributação, celebrada entre Portugal e a Bélgica, em especial ao seu artigo 4.º que refere que «a expressão “residente de um Estado Contratante” significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direção ou a qualquer outro critério de natureza similar. Significa também as sociedades de direito belga, que não sejam sociedades por ações, que tenham optado pela sujeição dos seus lucros ao imposto das pessoas singulares.»
Face à situação em análise, importa ainda atender ao n.º 3 do mesmo artigo que acrescenta que, «quando, por virtude do disposto no n.º 1, uma pessoa, que não seja uma pessoa singular, for residente de ambos os Estados Contratantes, será considerada residente do Estado Contratante em que estiver situada a sua direção efetiva.»
Ou seja, a Convenção atribui competência de tributação ao Estado onde a entidade dispuser de direção efetiva, no caso em que esta seja residente dos dois Estados contratantes.
No entanto, e conforme referido anteriormente, não podemos descartar a possibilidade de tanto Portugal como a Bélgica, considerarem que a empresa dispõe de direção efetiva em cada um dos Estados, o que levaria à ocorrência de dupla tributação.
Se se considerar que a entidade dispõe de direção efetiva em Portugal, ora, de acordo com o n.º 3 do artigo 2.º do CIRC, esta aí considerada residente e será tributada do mesmo modo que uma sociedade comercial de direito português, ou seja, será tributada por todos os seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território nacional.
Para o efeito, entendemos que deve ser entregue uma declaração de início de atividade pela empresa, estando esta sujeita às obrigações fiscais exigíveis pela legislação portuguesa, nomeadamente a obrigação de dispor de contabilidade organizada em Portugal, de acordo com o n.º 2 do artigo 123.º do CIRC.
Por outro lado, considerando que a empresa não dispõe de direção efetiva em Portugal, esta não será aí considerada como residente.
Neste sentido, e conforme referido anteriormente, as entidades não residentes em território nacional, apenas são tributadas pelos rendimentos nele obtidos.
De acordo com o n.º 3 do artigo 4.º do CIRC, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado.
No artigo 5.º do CIRC encontra-se definida a noção de «estabelecimento estável», sendo dado por qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, de acordo com o seu n.º 1.
O n.º 2 do mesmo artigo vem acrescentar que «[i]ncluem-se na noção de estabelecimento estável, desde que satisfeitas as condições estipuladas no número anterior:
a) Um local de direção;
b) Uma sucursal;
c) Um escritório;
d) Uma fábrica;
e) Uma oficina;
f) Uma mina, um poço de petróleo ou de gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais situado em território português.»
No mesmo sentido, a CDT celebrada entre Portugal e a Bélgica vem compreender na definição de estabelecimento estável:
«a) Um local de direção;
b) Uma sucursal;
c) Um escritório;
d) Uma fábrica;
e) Uma oficina;
f) Uma mina, uma pedreira ou outro local de extração de recursos naturais;
g) Um local ou um estaleiro de construção ou de montagem cuja duração exceda doze meses.»
O artigo 7.º da CDT estabelece que:
«1 - Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.
2 - Quando uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e atuando com absoluta independência.
3 - Na determinação do lucro de um estabelecimento estável é permitido deduzir as despesas que tiverem sido feitas para realização dos fins prosseguidos por esse estabelecimento estável, incluindo as despesas de direção e as despesas gerais de administração efetuadas com o fim referido, quer no Estado em que esse estabelecimento estável estiver situado quer fora dele, excluídas as despesas que não seriam dedutíveis se o estabelecimento estável fosse uma empresa desse Estado.»
Face ao exposto, se a entidade belga dispuser de estabelecimento estável, como seja um local de direção ou uma sucursal, em Portugal, então o lucro imputável a este é tributado em território nacional, nos termos do artigo 55.º do CIRC.
Este estabelecimento estável terá de cumprir todas as obrigações estabelecidas na legislação portuguesa, nomeadamente as obrigações fiscais e contabilísticas, devendo-se entregar uma declaração de início de atividade, com a identificação expressa de estabelecimento estável.
Em suma, aconselhamos que sejam averiguados, junto dos órgãos de gestão da entidade belga, os conceitos e pressupostos contidos no presente parecer, no sentido de avaliar se a entidade dispõe, de facto de direção efetiva em Portugal ou, não dispondo, se dispõe de estabelecimento estável em território português, de forma a aferir o devido enquadramento contabilístico e fiscal da situação apresentada.
Sobre este assunto, aconselhamos a consulta do manual de formação «Fiscalidade Internacional» de 2024, desenvolvido pela Ordem dos Contabilistas Certificados, que pode aceder através do site da OCC em Formação > Materiais de apoio à formação.