Comunicados
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas
23 February 2009
600 TOC participaram em seminário sobre o relacionamento entre o fisco e os contribuintes


Cerca de 600 Técnicos Oficiais de Contas participaram no passado dia 20 de Fevereiro no seminário «A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas», realizado no Europarque, em Santa Maria da Feira. Os temas abordados, com enfoque na vertente jurídica, interligaram-se com o dia-a-dia dos profissionais e a sua relação com a administração fiscal e os sujeitos passivos.

 

«Quando os diversos serviços do Estado usam ou abusam indevidamente das normas jurídicas, prejudicando os cidadãos, como é que podem e devem reagir os lesados?» A resposta a esta questão lançada por Domingues de Azevedo, presidente da Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC) na sessão de abertura da conferência subordinada ao tema «A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas», organizada CTOC, no Europarque, em Santa Maria da Feira, no passado dia 20, foi sendo conhecida ao longo do dia, fruto da intervenção de diversos especialistas. Contudo, ficou claro que a Lei n.º 67/207, «não está concentrada nos problemas fiscais», como fez questão de salientar Guilherme Waldemar d Oliveira Martins, visão secundada também por Vasco Branco Guimarães, que acrescentou que «a lei está centrada nos actos ilícitos administrativos típicos» e não foi feita «para a Administração Fiscal.»
Guilherme Waldemar dOliveira Martins, docente universitário e consultor do gabinete do secretário de Estado dos Assuntos fiscais, acrescentou mesmo que «a Lei deveria ter ido mais longe e só não o foi por opção política», alertando também para o seu carácter «inócuo e perigoso» e para a sua eventual «ingovernabilidade».
Esta questão levaria mesmo Domingues de Azevedo a deixar um apelo veemente, frisando que «a questão da ingovernabilidade não pode servir para sacrificar ainda mais os contribuintes quando se têm de defender do uso abusivo das normas.»
Antes, já Suzana Tavares da Silva, docente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, apresentara a sua perspectiva sobre a «A responsabilidade civil do Estado na perspectiva constitucional» lembrando que «só a partir dos anos 50» é que se começou a levantar o problema da responsabilidade civil, uma vez que até aí era entendido que «o Estado, em si, não poderia produzir danos a ninguém.»
«O que é que o Estado deve ou não pagar?», questionou a especialista, que para responder a esta dúvida alertou para o facto de «as preocupações de equilíbrio não terem ficado muito claras nesta lei. Ela não avança muito na responsabilidade do Estado», até porque «é necessário restringir o acto de responsabilidade.» Seja como for, «está aberta a possibilidade do Estado responder por atraso nos processos. Resta saber o que se vai entender por atraso».
António Carlos Santos, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no comentário à intervenção de Suzana Tavares da Silva, chamou a atenção para a necessidade de definir o que é hoje o Estado e garantiu que «o laxismo de cobrança por parte do fisco é considerado pela União Europeia como auxílio às empresas.»
No início da sua intervenção, Vasco Branco Guimarães, professor adjunto do ISCAL e investigador jurista no centro de estudos fiscais da DGCI, defendeu «ser preferível complexidade com justiça, do que simplicidade sem justiça». «As situações anormais e excepcionais entre fisco e contribuinte são cerca de 1,5% dos casos e apenas deve falar-se em responsabilidade civil quando existe dano e diminuição patrimonial.» O especialista avançou com o caso concreto de um cidadão que administrou uma sociedade em 2003, sendo notificado para pagar uma coima em 2007.
Vasco Guimarães diz que estamos perante um «dano ilegítimo» e que os bens não deviam ser penhorados. «O fisco sofre de hiperactividade e encara as situações com comiseração técnica». Ilegitimamente o fisco pode estar a criar um "facto danoso" na esfera jurídica dos contribuintes.» Vasco Guimarães referiu ainda que a massificação da produtividade por parte dos funcionários da máquina fiscal não foi acompanhada pela necessária qualidade: «em 200 notificações, cerca de 80 são inúteis. Da mesma forma que a administração fiscal perde 70 por cento das questões apreciadas juridicamente nos contencioso com os sujeitos passivos.»
Vasco Guimarães diz que a potencialidade de dano infligido pelo fisco aumentou nos últimos anos. «O contribuinte deve pagar os impostos que lhe são estritamente exigidos. Quando se inventam cêntimos, está-se a criar um dano e a desrespeitar-se um contrato social. A actividade de cobrar é nobre e difícil, mas não podem ser excedidos os limites do razoável.»  Vasco Guimarães concluiu a sua intervenção, sublinhando que «a actividade da administração fiscal tem que obedecer à estrita legalidade» e que têm de acabar  as justificações dos lapsos, por mais ligeiros ou grosseiros que sejam, com um simples, «desculpem lá qualquer coisinha.» dirigido aos lesados.
O jurista Rui Duarte Morais, defendeu no comentário que se seguiu à palestra, que se «os tribunais entrarem no facilitismo de condenar o Estado, vamos ter problemas graves» e denunciou a «paranóia, quase obsessiva» de se pretender legislar sobre tudo.
O último painel da conferência do Europarque esteve a cargo de Jorge Lopes de Sousa. O Juiz Conselheiro começou por dizer que «a Administração fiscal situa-se no patamar máximo de agressividade, considerando as instituições da administração pública, nega direitos às pessoas e retira os direitos que ainda restam.»  O magistrado chamou a atenção para o cenário em que se o «funcionário vir que vai ser responsabilizado pelos seus erros na liquidação de um tributo, tenderá a recuar.» No caso particular do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a que preside, o magistrado afirmou que, pese embora o reforço do quadro de pessoal nos tribunais, dos 11 lugares existentes no quadro, apenas 8 vagas para juízes estão preenchidas.
Os comentários derradeiros pertenceram a José Xavier de Basto, mestre de várias gerações de estudantes e uma referência no panorama da fiscalidade em Portugal, também conhecido por ser o «pai» do IVA. O membro do Gabinete de Estudos da CTOC mostrou-se preocupado com a penalização dos trabalhadores do fisco em caso de erro: «funcionários timoratos fazem perigar a segurança do Estado fiscal português». O ex-professor da Faculdade de Direito de Coimbra denunciou ainda o «desequilíbrio» na relação de forças entre o fisco e os cidadãos e alertou que o recurso aos tribunais aumenta na mesma medida em que dispara a «agressividade da administração fiscal.»