Pareceres
Contabilidade - gastos
22 December 2025
Parecer técnico elaborado pelo departamento de consultoria da OCC.


Contabilidade - gastos

 

Até ao final de 2023, durante o ano de 2024 e já parte de 2025, determinado contabilista certificado não teve acesso à informação detalhada das comissões retidas pelas plataformas Uber e Bolt, apenas dispondo dos valores líquidos recebidos.
Por esse motivo, não procedeu ao registo contabilístico dos custos correspondentes às comissões dessas plataformas, nem às eventuais obrigações declarativas associadas (nomeadamente IVA intracomunitário e declaração recapitulativa).
Recentemente, o CC em questão passou a ter acesso às faturas/notas de débito emitidas pelas referidas plataformas e necessita agora de proceder à sua regularização contabilística e fiscal.
Deve agora proceder à reabertura e correção contabilística dos exercícios de 2023 e 2024, com eventual retificação das declarações fiscais já entregues? Em alternativa, será admissível proceder ao reconhecimento desses encargos no exercício corrente (2025), através de conta de «Correções de exercícios anteriores», devidamente documentada e justificada em ata?

 

Parecer técnico

 

O pedido de parecer está relacionado com o enquadramento contabilístico e fiscal de faturas de anos anteriores, emitidas pela Uber/Bolt, que não foram alvo de registo.
Em termos contabilísticos, as demonstrações financeiras devem ser preparadas e apresentadas atendendo ao pressuposto do regime do acréscimo, conforme parágrafo 22 da estrutura conceptual do SNC.
Com base neste pressuposto, devem ser reconhecidos os gastos e rendimentos no período a que digam respeito, independentemente do momento da emissão ou receção das faturas, ou dos pagamentos e recebimentos.
A contabilidade deve basear-se nas operações realizadas no período, com o objetivo de se preparar e apresentar demonstrações financeiras que representem a posição financeira e o desempenho económico verificados nesse período, independentemente de outros formalismos legais.
O momento da emissão de faturas decorre das regras previstas em termos fiscais, não devendo influenciar o momento do reconhecimento dos respetivos factos ou operações nas demonstrações financeiras.
Devido a este procedimento, é bastante comum e normal a realização de reconhecimentos contabilísticos baseados em estimativas de valores (conforme previsto no capítulo 6 – «Políticas contabilísticas, alterações nas estimativas contabilísticas e erros» da NCRF-PE), procedendo-se ao reconhecimento de acréscimos ou diferimentos de gastos e rendimentos, quando os períodos do reconhecimento contabilístico não coincidam com as datas dos documentos emitidos (faturas ou recibos), ou quando não exista a receção em devido tempo desses documentos.
De acordo com o parágrafo 92 da estrutura conceptual do SNC, os gastos são reconhecidos na demonstração dos resultados quando tenha surgido uma diminuição dos benefícios económicos futuros relacionados com uma diminuição num ativo ou com um aumento de um passivo e que possam ser mensurados com fiabilidade.
O reconhecimento das faturas emitidas em anos anteriores, pela Uber/Bolt, no exercício corrente, em 2025, consubstanciar-se-á na correção de um erro contabilístico relativo a períodos anteriores.
A correção de potenciais erros existentes na contabilidade da empresa em causa, deve ser verificada casuisticamente, tendo em consideração o acima descrito e os dados concretos da situação em causa.
Como as demonstrações financeiras de 2023 e 2024 já terão sido aprovadas pelo órgão de gestão e publicadas (na Conservatória), as correções de erros devem ser efetuadas no período corrente em que são detetadas (no caso, em 2025).
A correção de erros materiais de períodos anteriores nunca deve ser reconhecida nos resultados do período corrente em que se esteja a efetuar a correção.
A questão da avaliação, se uma determinada operação (facto ou transação) é material, ou não, deve ser efetuada pela entidade em causa, não dependendo exclusivamente dos montantes em causa, mas também da natureza e dimensão das operações, e da situação económica e financeira da própria entidade, conforme previsto nos parágrafos 29 e 30 da estrutura conceptual do SNC.
O que a entidade deve verificar para efetuar esse juízo de valor na determinação da materialidade é aferir se esse erro influencia a tomada de decisão dos utilizadores das demonstrações financeiras.
Se considerar que esse erro influenciou essa tomada de decisão deve considerar o erro como material, no período corrente (período em que foi detetado o erro), o efeito desse erro material passa a estar refletido nos resultados transitados, pois decorre da correção nos resultados do período anterior.
Se considerar que o erro é imaterial, o erro que afetou resultados de períodos anteriores, deverá ser registado nos resultados do período corrente (por exemplo, conta 6881 ou 7881 – Correções relativas a períodos anteriores).
Em termos fiscais, independentemente do procedimento contabilístico utilizado pela entidade (considerar como material ou não), a correção de um erro relativo a factos que afetem resultados de períodos de tributação anteriores, nunca deve afetar o lucro tributável do período corrente, conforme os n.ºs 1 e 2 do artigo 18.º do CIRC.
Conceptualmente, um erro é uma situação em que, apesar de existirem informações disponíveis para contabilizar de certa forma, por engano, negligência ou outra situação, não se tiveram em conta essas informações, dando origem a um erro na preparação e apresentação das demonstrações financeiras.
De acordo com esta definição de erro, nestes casos nunca se pode verificar o pressuposto de imprevisibilidade ou manifesto desconhecimento das operações, não podendo, portanto, tal situação influenciar a determinação do lucro tributável do exercício em que se efetua a correção.
Haverá nestes casos que averiguar a norma relativa à substituição da declaração modelo 22 (artigo 122.º do CIRC), sem prejuízo de eventuais contraordenações que possam ser emitidas.
Assim, de acordo com o n.º 1 do artigo 122.º do CIRC, quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada a declaração de substituição modelo 22 desses períodos anteriores, corrigindo o respetivo lucro tributável.
Porém, nos termos do n.º 2 do artigo 122.º do CIRC, o que será o caso, a autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal de entrega.
Em sede de IVA, no que respeita às prestações de serviços efetuadas por sujeitos passivos de outros Estados-membros que, por força das regras de localização, neste caso, pelo artigo 6.º, n.º 6, alínea a), do CIVA, sejam consideradas localizadas em território nacional, determina o n.º 3 do artigo 8.º do CIVA, que «[n]as prestações intracomunitárias de serviços, cujo imposto seja devido no território de outro Estado-membro em resultado da aplicação do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º, a exigibilidade ocorre nos termos do artigo 7.º.»
E nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do CIVA, nas prestações de serviços, o imposto é devido e torna-se exigível, no momento da sua realização.
Assim, deverá proceder-se à substituição das declarações periódicas do IVA em que o imposto era devido, de modo a evidenciar o IVA «autoliquidado», pela aquisição dos serviços às plataformas Uber/Bolt.
Os artigos 19.º e 20.º do CIVA estabelecem as regras gerais e formalismos a que deve obedecer o direito à dedução dos diversos bens e serviços adquiridos pelos sujeitos passivos no âmbito das suas operações tributadas, sem prejuízo das limitações resultantes da natureza dos bens e serviços adquiridos cuja exclusão do direito à dedução está definida no artigo 21.º do CIVA, havendo ainda que atender ao disposto nos artigos 22.º a 26.º do mesmo diploma.
De acordo com o n.º 8 do artigo 19.º do CIVA, nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação, tendo obviamente em consideração as limitações previstas nos artigos seguintes.
Adicionalmente, determinam os n.ºs 2 e 3 do artigo 22.º do CIVA conforme segue:
«(…) 2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º, a dedução deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.
3 - Se a receção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respetiva emissão, pode a dedução efetuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar. (…)»

 

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