IVA - faturação em ESNL
PT27325 - dezembro de 2023
Os bancos alimentares contra a fome (normalmente um por distrito) gozam de personalidade jurídica individual, com NIF próprio e têm o seguinte perfil no Portal das Finanças:
Tipo de sujeito passivo: associação
Tipo de contabilidade: organizada por exig. legal informatizada
IVA - enquadramento: isenção, artigo 9.º
IRC - enquadramento: geral
IRC - regime de tributação: isenção definitiva
IPSS: Sim
A DR de 2021 apresenta os seguintes rendimentos:
- Vendas e serviços prestados: 5 880 euros
- Subsídios e doações: 243 228,27 euros
- Outros rendimentos e ganhos: 59 627,82 euros
Não é exercida qualquer atividade «com fins lucrativos».
Até à data, têm emitido faturas e/ou recibos manuais para as quotas dos seus associados, para os donativos em dinheiro recebidos, etc.
Os bancos alimentares têm a particularidade de recolherem os bens alimentares doados, redistribuindo-os por outras IPSS. Por cada redistribuição, é emitida em programa certificado pela AT a respetiva guia de transporte.
Não procede à submissão/comunicação mensal do SAF-T das guias de transporte nem das faturas e/ou recibos manuais.
Os procedimentos descritos (emissão de faturas manuais, não submissão do SAF-T, etc.) estão corretos? Após 1 de janeiro de 2023, as guias de transporte têm de conter o ATCUD?
Parecer técnico
A questão colocada relaciona-se com a obrigatoriedade de comunicação de séries e de possuir código ATCUD, em documento emitidos por entidade do setor não lucrativo (ESNL).
No caso apresentado é informado que a associação apenas emite os recibos de quitação das quotas e donativos.
Atendendo à situação exposta, consideramos importar começar por referir o seguinte:
Com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, ao artigo 29.º, n.º 3, alínea a) do Código IVA, a sua redação passa a prever o seguinte, com efeitos a partir 1 de janeiro de 2020 [n.º 2, alínea b) do artigo 45.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro].
«Artigo 29.º - Obrigações em geral (...)
3 - Não obstante o disposto no n.º 1, estão dispensados do cumprimento:
a) Da obrigação referida na sua alínea b), as pessoas coletivas de direito público, organismos sem finalidade lucrativa e instituições particulares de solidariedade social que pratiquem exclusivamente operações isentas de imposto e que tenham obtido para efeitos de IRC, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a 200 mil euros;
b) Da obrigação referida na sua alínea b), os sujeitos passivos relativamente às operações isentas ao abrigo das alíneas 27) e 28) do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado noutro Estado membro da União Europeia e seja um sujeito passivo do IVA (...).»
Em face do exposto, apenas ficam abrangidas pela exclusão da obrigação de emitir fatura as entidades expressamente referenciadas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 29.º do Código do IVA. Esta alteração produziu efeitos a 1 de janeiro de 2020.
Se a entidade sem finalidade lucrativa fosse um sujeito passivo misto não ficaria dispensado da emissão de faturas. No entanto, prevê o n.º 20 do artigo 29.º do CIVA que «a obrigação referida na alínea b) do n.º 1 pode ser cumprida mediante a emissão de outros documentos pelas pessoas coletivas de direito público, organismos sem finalidade lucrativa e instituições particulares de solidariedade social, relativamente às transmissões de bens e prestações de serviços isentas ao abrigo do artigo 9.º.»
No que se refere à expressão «(...) que tenham obtido para efeitos de IRC, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a 200 mil euros (...)» admitimos que o legislador compreenda apenas os rendimentos sujeitos a IRC, isentos ou não (excluindo os não sujeitos, como as quotas e os subsídios).
O n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, acerca da utilização de programa de faturação certificado, determina que:
«(...) 1 - Para efeitos do artigo anterior, os sujeitos passivos com sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e outros sujeitos passivos cuja obrigação de emissão de fatura se encontre sujeita às regras estabelecidas na legislação interna nos termos do artigo 35.º-A do Código do IVA, estão obrigados a utilizar, exclusivamente, programas informáticos que tenham sido objeto de prévia certificação pela AT, sempre que:
a) Tenham tido, no ano civil anterior, um volume de negócios superior a 50 mil euros ou, quando, no exercício em que se inicia a atividade, o período em referência seja inferior ao ano civil, e o volume de negócios anualizado relativo a esse período seja superior àquele montante;
b) Utilizem programas informáticos de faturação;
c) Sejam obrigados a dispor de contabilidade organizada ou por ela tenham optado (...).»
Face ao exposto, se estivermos perante um sujeito passivo misto quando cumpra algum dos requisitos previstos nesse artigo 4.º são obrigados a utilizar programas de faturação certificados para emitir faturas, recibos e outros documentos fiscalmente relevantes /incluindo recibos de quotas e outros documentos nos termos do n.º 20 do artigo 29.º do CIVA.
No caso em que a entidade pratica exclusivamente operações isentas de IVA, que tenham obtido para efeitos de IRC, no período de tributação imediatamente anterior, um montante anual ilíquido de rendimentos não superior a 200 mil euros, encontram-se abrangidas pela dispensa de emitir fatura, conforme alínea a) do n.º 3 do artigo 29.º do Código do IVA.
Assim, o documento a emitir será o previsto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro. Resulta do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro que:
«(...) 1 - Os sujeitos passivos de IRC que não emitam fatura por se encontrarem dispensados nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 29.º do Código do IVA devem, para titular as transmissões de bens e prestações de serviços, emitir documentos, datados e numerados sequencialmente, que contenham os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social e número de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços;
b) Número de identificação fiscal do adquirente ou destinatário, quando este for sujeito passivo de IVA ou, em qualquer caso, quando o adquirente ou destinatário o solicite;
c) Quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados;
d) Valor da contraprestação, designadamente o preço;
e) Data em que os bens foram transmitidos ou em que os serviços foram prestados (...).»
Caso estas entidades optem por emitir fatura, então, sendo a fatura um documento fiscalmente relevante, o sujeito passivo deverá assegurar que a mesma é processada por uma das seguintes formas (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro):
- Programas informáticos de faturação, incluindo aplicações de faturação disponibilizadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
- Outros meios eletrónicos, nomeadamente máquinas registadoras, terminais eletrónicos ou balanças eletrónicas;
- Documentos pré-impressos em tipografia autorizada.
Caso estas entidades, que emitem faturas (ainda que por opção), reúnam uma das condições previstas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, então, as faturas deverão obrigatoriamente ser processadas por programa informático de faturação certificado.
De igual modo, a utilização de um programa informático de faturação impõe a sua utilização para emissão exclusiva para efeitos de emissão de documentos fiscalmente relevantes.
Face ao exposto, atendendo ao disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 198/2012, de 24 de agosto, se não estiver obrigada a emitir faturas nos termos do CIVA (como parece ser o caso em concreto), não está obrigada a efetuar a comunicação, por outro lado, estando obrigada a emitir faturas por intermédio de programa informático certificado, deve comunicar os elementos das faturas, através do ficheiro SAF-T; do modelo da Portaria 426-A/2012 de 28 de dezembro ou diretamente no Portal das Finanças.
Quanto à obrigatoriedade de comunicação das séries e mencionar o ATCUD nas faturas e demais documentos fiscalmente relevantes:
O Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, procedeu, como sabemos, à regulamentação das obrigações relativas ao processamento de faturas e outros documentos fiscalmente relevantes, bem como das obrigações de conservação de livros, registos e respetivos documentos de suporte que recaem sobre os sujeitos passivos de IVA.
Nos termos do artigo 7.º do mesmo diploma, nas faturas e demais documentos fiscalmente relevantes deve constar um código de barras bidimensional (código QR) e um código único de documento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
Assim, veio a Portaria n.º 195/2020, de 13 agosto, regulamentar os requisitos de criação do código de barras bidimensional (código QR) e do código único do documento (ATCUD), a que se refere o n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro.
O ATCUD, com o formato «ATCUD: Código de Validação-Número Sequencial», deve constar obrigatoriamente em todas as faturas e outros documentos fiscalmente relevantes, emitidos por qualquer dos meios de processamento identificados no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, conforme refere o artigo 4.º da Portaria n.º 195/2020 de 13 agosto.
Ora, em conjugação, apenas as faturas e outros documentos fiscalmente relevantes emitidos nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, são obrigados a possuir o código ATCUD, designadamente, conforme já referido, se forem emitidos em programas informáticos de faturação, incluindo aplicações de faturação disponibilizadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), outros meios eletrónicos, nomeadamente máquinas registadoras, terminais eletrónicos ou balanças eletrónicas e documentos pré-impressos em tipografia autorizada.
Pressupondo que no caso em concreto as ESNL estão dispensadas de emissão de faturas nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 29.º do CIVA, podem emitir outros documentos nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro. Assim, utilizando qualquer outro meio de emissão, diferente do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, estão dispensados de colocar o código ATCUD.
No caso particular dos donativos, recordamos que os donativos recebidos não ficam abrangidos pelo campo de incidência do IVA, pelo que o documento de suporte a emitir não terá de ser emitido nos termos do CIVA, nem de legislação complementar em matéria de faturação.
Este documento de suporte, por não se enquadrar no conceito de documento fiscalmente relevante nos termos da alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 28/2019, de 15 de fevereiro, não deverá, na nossa opinião, conter o ATCUD.