Ordem nos media
O combate à fraude e evasão fiscal (II)
28 November 2003
Portugal não desenvolveu um espírito de cidadania. (Artigo de opinião do Presidente da Direcção da CTOC)
O pagamento de impostos, numa sociedade organizada e evoluída, é a forma como os cidadãos comparticipam na manutenção das despesas da sociedade em que se inserem. Naturalmente que, com o pagamento dos impostos, diminuímos a nossa capacidade financeira para adquirir bens e objectos que ambicionamos e, na falta de uma cultura de cidadania, é natural a existência de alguma resistência ao cumprimento daquele dever. Se concebermos os cidadãos isoladamente também é verdade que estes não teriam a capacidade necessária para construir os bens essenciais de que carecemos, como estradas, hospitais, escolas, etc. Portugal, pelas mais diversas razões mas, em meu entender, sobretudo pelas opções tomadas num determinado período da história, aliado a um certo desleixo das questões da fiscalidade, não criou condições para o desenvolvimento daquele espírito de cidadania. A tentativa da criação desse espírito através de normas impositivas, embora pelo temor do seu incumprimento possa ter alguns efeitos positivos, não reúne, em meu entender, os ingredientes necessários, não só ao cumprimento daquele dever, mas sobretudo, à consciência esclarecida da necessidade de o cumprir. Aquelas normas, pela obsessão característica de resolver num ano ou dois o que durante décadas se consolidou, normalmente, pela concepção nelas incluída, acabam, não raras vezes, por constituir uma excelente sementeira e justificação para o seu incumprimento. Daí que desde há muitos anos, e ainda hoje, o debate sobre o combate à fraude e evasão fiscal, continua na ordem do dia. Este combate que é de todos e não apenas deste ou daquele governo, só poderá ser vencido na conjugação e concertação de diversos factores. Em primeiro lugar, julgo que é necessário uma forte e bem estruturada campanha de sensibilização junto dos cidadãos, quanto ao cumprimento das suas obrigações. Quando temos a oportunidade de contactar com empresários de outros países, a primeira coisa que nos dizem é que não querem problemas com o fisco e porquanto querem as «declarações» todas «direitinhas». Em contrapartida no mundo empresarial português, ressalvando algumas felizes excepções, a primeira coisa que nos dizem é que não querem pagar muitos impostos. Esta diferença comportamental perante a mesma realidade, como muitas outras, deverá constituir motivo para nos interrogarmos do porquê de posturas tão diferenciadas. Em segundo lugar, as leis e o comportamento dos agentes da Administração Fiscal, deve sustentar-se em preocupações, não de exclusiva rendibilidade económica do sistema, mas sobretudo na justiça do próprio sistema. No que respeita à legislação com pequenas alterações aqui e ali, temos excelentes leis fiscais. Agora é necessário que todos as cumpram e respeitem o sentido e a filosofia que as sustentam. Em muitos domínios, infelizmente, a acção da Administração Fiscal, pela pressão que não raras vezes o poder político sobre ela exerce, tem uma visão da sua acção muito influenciada por preocupações de economicidade do sistema, menosprezando-se a pedagogia da sua acção que, essa sim, é um verdadeiro investimento no futuro... Na próxima semana, voltaremos a abordar este tema.