Ordem nos media
Finanças ameaçam penhorar bens
19 December 2003
Carta enviada a faltosos
A partir da próxima segunda-feira, algumas centenas de milhares de contribuintes com dívidas ao Fisco vão receber um «postal de Natal» indesejado. Na passada quarta-feira, a ministra do Estado e das Finanças, Manuela Ferreira Leite, deu ordens à Administração Fiscal para que enviasse uma carta a todos os contribuintes com processos de execução fiscal em que as dívidas ultrapassem os 250 euros, ameaçando-os implicitamente de que, caso não regularizem a sua situação fiscal, verão os seus bens penhorados. As cartas vão começar a ser enviadas ainda hoje, ou, o mais tardar, no início da próxima semana, e a mensagem para os contribuintes é simples: a Administração Fiscal tem vindo a desenvolver processos de trabalho que permitem avançar com penhoras electrónicas, ou seja, através do cruzamento de dados informáticos. Como tal, está em condições de, a partir de 4 de Janeiro do próximo ano, penhorar rapidamente os bens dos contribuintes devedores. E são mesmo dados alguns exemplos dos bens que o Fisco se dispõe a penhorar: automóveis, casas, barcos, o próprio ordenado ou saldos bancários, quotas em empresas ou qualquer bem mobiliário sujeito a registo. Confrontado com esta informação, fonte oficial do Ministério das Finanças confirmou ao «Semanário Económico» as intenções de Manuela Ferreira Leite. «Confirmo a intenção de enviar essa carta e o propósito de acelerar os processos de execução fiscal por via da penhora de bens, com o objectivo primeiro de intensificar um combate sem tréguas à fraude e evasão fiscais», sublinha. Na prática, no caso dos automóveis, por exemplo, as Finanças, depois de identificado um determinado contribuinte devedor, vão - através de um protocolo com a Conservatória do Registo Automóvel que está a ser ultimado (ver caixa) - verificar se esse contribuinte possui em seu nome alguma viatura. Caso tal aconteça, procederão, junto da Conservatória, a um registo de penhora oficiosa e, a partir desse momento, o proprietário desse veículo fica, desde logo, impossibilitado de o vender. No entanto, este procedimento será feito cumprindo as regras legais em vigor e, como tal, o contribuinte terá sempre várias opções ao seu dispor: ou paga a dívida no seu serviço de finanças, ou poderá contestar a penhora, tendo para tal que entregar uma garantia da dívida, ou poderá entregar outro bem à penhora. Caso prefira ignorar as movimentações da Administração Fiscal, passados trinta dias, esta poderá vender o bem penhorado. Riscos de prescrição Esta iniciativa do Ministério das Finanças surge duas semanas depois de a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) ter apresentado um relatório de auditoria em que alertava para o risco de prescrição, em 2003 e 2004, de 1,6 mil milhões de euros de dívidas em processos de execução fiscal, tal como o «Semanário Económico» noticiou na edição do passado dia 5 de Dezembro. Números que fonte oficial do Ministério das Finanças acabaria por desmentir na semana passada em declarações ao Jornal de Negócios, sublinhando que apenas se encontravam em risco de prescrição 172 milhões de euros. No entanto, no relatório da IGF pode ler-se que, destes 1,6 mil milhões de euros, «211.055.055 euros provavelmente já se encontrava prescrito»; «714.504.935 euros é potencialmente irrecuperável/incobrável»; «65.569.137 euros provavelmente prescreverá em 2003»; «106.055.132 euros provavelmente prescreverá em 2004» e «só 459.194.742 euros poderá eventualmente ainda ser cobrável em anos posteriores a 2004», alertando assim para o facto de que o montante global de 1.556.379.001 euros, pudesse prescrever. Dificuldades orçamentais de titularização Mas esta iniciativa surge também numa altura em que as Finanças se deparam com grandes dificuldades para cumprir o défice orçamental de 2,944% do PIB a que se comprometeu e em que está a ser ultimado o processo de venda das dívidas em processo de execução fiscal ao Citigroup. Fonte oficial do Ministério das Finanças sublinha, no entanto, que esta medida «não tem nada a ver com arrecadação de receita - cujo impacto não é possível antecipar - mas com o combate à fraude e evasão ficais. Naturalmente, se permitir arrecadar receita, tanto melhor». Quando confrontado com a possibilidade de esta acção das Finanças estar relacionada com o processo de titularização das dívidas fiscais, ou se estava a ser feita de forma a dar mais garantias de que as mesmas possam vir a ser cobradas, a mesma fonte oficial sublinha que «a medida não tem nada a ver com a cessão de créditos, mas com o combate à fraude e evasão fiscais». Admite, no entanto, que as dívidas subjacentes às cartas que vão ser enviadas poderão ser objecto de titularização: «tratando-se de créditos em execução fiscal que cumpram os requisitos legais da operação de cessão, naturalmente. Um dos requisitos, aliás, define expressamente que a cessão em nada afecta a relação entre a administração fiscal e o contribuinte e o normal decurso dos processos de execução fiscal».