A redução da poupança privada, que constitui um «dos problemas mais sérios da economia portuguesa» deverá continuar em 2004. A convicção do economista Ernâni Lopes foi expressa no seminário sobre «Perspectivas económicas e empresariais para 2004», organizado na terça-feira pela Câmara do Técnicos Oficiais de Contas.
Segundo o antigo ministro das Finanças, estamos perante «uma geração sem almofadas para o futuro». A mudança de padrão cultural começou a acontecer a partir de meados dos anos 80, em dois grandes ciclos políticos, o cavaquismo e o guterrismo, explica, «altura em que os portugueses se convenceram de que tinham deixado de ser pobres». Foi aqui que «descobrimos o consumismo e a sistematização do recurso ao endividamento, sob a pressão da irresponsabilidade conjunta dos governos e do sistema bancário». E «criamos este problema do endividamento das famílias, das empresas e do sistema bancário», acrescenta.
Tradicionalmente, os portugueses sempre foram muito poupados. Na década de 60, refere o economista, a poupança na economia portuguesa, em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) era muito próxima da do Japão e era a primeira em termos europeus. «O mecanismo central de almofada da economia portuguesa está a perder terreno: a poupança». «Nós tínhamos almofadas, mas estamos a consumi-las». Segundo Ernâni Lopes, Portugal aproximou-se da média da União Europeia no que diz respeito aos níveis de endividamento, e há um outro perigo, que é o da União Europeia se aproximar dos níveis registados na economia norte-americana. «É que os Estados Unidos conseguem esta coisa espantosa em economia que é as famílias terem poupança negativa».
Para este ano, Ernâni Lopes estima um ligeiro aumento do PIB português, na ordem de 0,5 por cento. Uma «pequena melhoria» económica que só se deverá consolidar em 2005. Segundo o economista, 2004 constitui o encerramento de uma quadra de tempos difíceis de ajustamento. Só no próximo ano, «porventura, abrirá um período em que o Governo procurará distender e aliviar a política económica», devido à proximidade das eleições.
O ex-ministro referiu ainda o facto de as empresas se encontrarem enfraquecidas e terem dificuldade em compreender o impacto do enquadramento com que têm que conviver, sobretudo o externo. E a principal repercussão vai ser sobre o desemprego, que deverá subir este ano. Apesar de considerar que as empresas estão obrigadas a um processo permanente de reestruturação, diz que o pior é que não se prevê que isso aconteça. Porventura, sublinha, «limitar-se-ão aos despedimentos e a atrasos nos pagamentos».