O Ministério das Finanças deu o seu assentimento, no início deste mês, ao projecto que vai permitir à Polícia Judiciária (PJ) aceder aos dados da administração fiscal e da Segurança Social para acções de investigação sem inquérito aberto. Este aval verifica-se apesar de o Ministério das Finanças ter levantado obstáculos ao projecto nas reuniões interministeriais e de não se ter efectuado algum balanço à eficácia do decreto-lei 93/2003, que já previa esse acesso embora no âmbito de um inquérito.
O aval foi dado em despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais sobre um parecer fundamentado, no final de Março passado, assinado pelo subdirector-geral da Justiça Tributária, Alberto Pedroso. Nessa fundamentação, a administração fiscal é clara em não inviabilizar o acesso da Polícia Judiciária aos dados detidos pela Direcção Geral dos Impostos (DGCI), sejam dados informatizados ou não informatizados (relatórios, etc). Esse acesso pode ser efectuar-se mesmo sem controlo do Ministério Público, posterior ou anteriormente, e sem autorização do juiz de instrução ou com abertura de inquérito.
Esta validação vai ao encontro das pretensões da PJ que esteve na origem do projecto inicial e que acabou por ser apadrinhado pelos responsáveis do Ministério da Segurança Social e do Trabalho que elaboraram mesmo um projecto próprio, estando a coordenar os trabalhos de preparação do diploma. O despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi remetido inclusivamente para a Secretaria de Estado da Segurança Social.
Mas a aprovação do Ministério das Finanças colide com a opinião que tinha sido manifestada pelo próprio Ministério das Finanças, nas reuniões interministeriais, em que foram levantados diversosobstáculos. Designadamente, à questão-base deste diploma, ou seja, a de permitir o acesso sem abertura de um inquérito em curso.
Esta posição foi fortemente criticada pelo Ministério da Segurança Social, tendo-se mesmo recorrido ao argumento de que a Comissão Nacional de protecção de Dados (CNPD), a entidade administrativa independente com poderes de autoridade nas matérias de processamento de dados pessoais a funcionar junto do Parlamento, já teria dado informalmente o seu parecer ao diploma, o que foi posteriormente negado pela CNPD.
Esta pretensão da PJ surge um ano depois de o Governo ter aprovado um outro diploma, o decreto-lei 93/2003 de 30 de Abril, o qual regula a forma, extensão e limites da cooperação entre a Polícia Judiciária e os órgãos da administração tributária. Nesse diploma prevê-se que, «com vista à realização das finalidades dos inquéritos relativos aos crimes tributários cuja competência para a respectiva investigação esteja reservada ou seja deferida à Polícia Judiciária, bem como dos crimes de branqueamento de capitais, a Polícia Judiciária pode solicitar a consulta em tempo real das bases de dados da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo». Esse acesso passaria inclusivamente com instalação de terminais na PJ.
Mas essa possibilidade, em exercício durante cerca de um ano, teve, contudo, segundo indicações não confirmadas oficialmente, um reduzido uso. A PJ ter-se-á apercebido de que o que foi consagrado legalmente não lhe concedia margem de manobra de investigação. Foi pedida autorização ao Parlamento no Orçamento de Estado de 2004, mas a forma como se encontra previsto o acesso aos dados não é pacífica, havendo dúvidas de constitucionalidade. O projecto ainda não foi aprovado pelo Governo, nem sequer solicitado o parecer prévio da CNPD.