Numa sociedade evoluída ou em permanente evolução como é o caso da portuguesa, no domínio profissional existem muitas situações em que a definição da fronteira de actuação deste ou daquele profissional é cada vez mais ténue.
Os esforços empreendidos, normalmente pelas instituições de regulação profissional têm tido muito mais a preocupação de encontrar respostas para os problemas de falta de ocupação dos seus membros, do que encontrar soluções de interacção entre as diversas profissões.
Nada tenho a objectar aos esforços despendidos para a clarificação dos actos próprios de cada profissão, mas a sua definição deve emergir de uma participação efectiva das profissões com similitudes entre si e não da decisão de esta ou daquela profissão, sob pena de se preterir a realidade objectiva das coisas em benefício das benesses desta ou daquela profissão.
A indefinição em nada ajuda a clarificar a actuação das profissões e, na falta de uma acção consertada entre todos os interessados, deve imperar o bom senso, de forma a que uns não invadam o que é competência de outros.
Esta reflexão vem a propósito da iniciativa por parte do Governo de enviar à Assembleia da República uma proposta de autorização legislativa para a definição dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores.
É conhecida a posição que a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas tomou quanto ao projecto inicial daquela iniciativa, em que não se salvaguardava minimamente as funções das restantes profissões publicitadas, o que veio a ocorrer no projecto definitivo.
Nada tendo a obstar quanto ao objectivo fundamental daquela iniciativa. No entanto devemos questionarmo-nos do porquê da sua restrição, isto é, porque que se definem apenas os actos próprios dos Advogados e Solicitadores, reconhecendo implicitamente que os respectivos estatutos não se encontram adequados àquela definição e se esquecem todas as restantes profissões reconhecidas de interesse público?
É justo que nos equacionemos do porquê da orientação daquela iniciativa no sentido de alargamento ou definição pela positiva, isto é, pela consagração de direitos extra estatutários daquelas profissões e nada se diga pela negativa, isto é, o que não podem fazer.
Fica-se com a sensação de que aos Advogados e Solicitadores tudo é permitido, não lhes estabelecendo quaisquer limites, parecendo que se pretendeu beneficiar uma profissão em preterição de tantas outras, com méritos nada inferiores aos que são reconhecidos aos Advogados e Solicitadores.
Esta posição analisada na esfera das respectivas instituições de regulação profissional é perfeitamente compreensível, pois ela é concebida e desenvolvida numa óptica de defesa dos seus membros, o mesmo não se pode dizer quando a iniciativa é acolhida no seio do Governo e, no caso disso acontecer, aprovada tal qual se encontra pela Assembleia da República.
Estas instituições têm preocupações que vão muito mais além dos interesses profissionais, porque representativas do todo Nacional, deveriam fazer um esforço de concertação com as restantes profissões e clarificar os limites daqueles profissionais.
Em meu entender não faz qualquer sentido que, nos termos das respectivas instruções, determinado profissional assuma pela sua intervenção, através da respectiva assinatura, a responsabilidade inerente aos documentos assinados e que para os entregar nas respectivas repartições públicas, tenha que para o efeito contratar um Advogado ou Solicitador.
Têm-me chegado informações de que, com base na proposta de autorização legislativa, haveriam conservadores do Registo Comercial que estariam a recusar o depósito de contas das empresas, quando este fosse entregue por Técnicos Oficiais de Contas.
Em meu entender não faz qualquer sentido esta alegada actuação, pois conforme dispõe a autorização legislativa - e esperamos o decreto que dela emane -, a definição dos actos próprios dos Advogados e Solicitadores não pode interferir com os direitos consagrados às profissões publicitadas.
O depósito de contas é constituído por peças que só têm valor jurídico e probatório, quando assinadas por um Técnico Oficial de Contas, conforme é o caso do Balanço, Demonstração de Resultados, Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados, conforme dispõe o artigo 6º do Estatuto da CTOC, aprovado pelo DL 452/99, de 5 de Novembro.
Ora, tendo o profissional intervenção obrigatória, não se compreende porque é que ele não pode fazer a entrega daqueles documentos nas respectivas conservatórias, obrigando as empresas a pagar a um Advogado ou Solicitador, fazendo destes meros transportadores daqueles documentos.
Tem que haver bom senso em todo este e outros processos, pois a indefinição de actuação dos profissionais pode gerar situações de excessos que nem a própria lei salvaguarda, nem mesmo são prestigiantes para os profissionais intervenientes.
Deixamos aqui o nosso alerta para toda esta problemática, com a consciência de que é necessário estarmos em permanente alerta para que sejam evitados os excessos naturais das indefinições que neste domínio muitas vezes se geram.
Aos Técnicos Oficiais de Contas deixamos um apelo para que não pratiquem actos que sejam da competência de outras profissões, pois só temos o direito de exigir o respeito pelas competências da nossa profissão, na exacta medida em que respeitarmos os direitos dos outros.
Neste, como em muitas outras situações, se houver bom senso tudo se poderá resolver com equilíbrio e respeito pelos direitos de todos os profissionais.