PT27096 - julho de 2022
No adiantamento por conta de lucros a ser efetuado por uma sociedade unipessoal por quotas, nomeadamente quanto ao enquadramento contabilístico e legal, a sociedade está obrigada ao cumprimento dos requisitos previstos no Código das Sociedades Comerciais para as sociedades anónimas? Estes adiantamentos deverão de estar contemplados no contrato da sociedade?
Existe algum tipo de limite quanto à realização de adiantamentos ou podem efetuar-se diversos ao longo de um ano? É possível um contrato de mútuo entre a sociedade e o seu sócio, nomeadamente quanto ao enquadramento contabilístico e legal?
Parecer técnico
Pretende-se um parecer sobre o enquadramento contabilístico de adiantamento por conta de lucros numa sociedade por quotas e um contrato de mútuo entre sociedade e sócio.
Relativamente ao adiantamento por conta de lucros numa sociedade por quotas, o artigo 297.º - «Adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício» do Código das Sociedades Comerciais (CSC), especifica as condições em que os mesmos se podem verificar.
Abrimos aqui um parêntese para referir que embora este artigo conste do título IV, relativo às sociedades anónimas, entendemos que, salvo melhor opinião, as suas disposições são também aplicáveis às sociedades por quotas, atendendo ao que se encontra estabelecido no artigo 2.º - «Direito subsidiário», deste mesmo CSC: «Os casos que a presente lei não preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade no que não seja contrário nem aos princípios gerais da presente lei nem aos princípios informadores do tipo adotado.»
O Professor Raúl Ventura, na obra «Comentário ao Código das Sociedades Comerciais» - Volume I - 2.ª edição - da editora Almedina, a páginas 339, refere o seguinte:
«Como o artigo 297.º se aplica diretamente apenas às sociedades anónimas, a sua aplicação às sociedades por quotas só pode ser feita por analogia. Poderá parecer que a justificação acima referida (relativa aos adiantamentos sobre dividendos) é exclusiva das sociedades anónimas, mas a verdade é que o problema resolvido por aquele artigo coloca-se igualmente para as sociedades por quotas.
São idênticas nas duas espécies de sociedades as regras de atribuição anual dos lucros de exercício anterior e, por outro lado, também nas sociedades por quotas pode haver interesse em efetuar distribuições de lucros no decurso do exercício.
Será talvez menor o interesse prático do preceito nas sociedades por quotas, quanto propriamente a essas distribuições de lucros, mas em contrapartida será nestas sociedades maior o interesse quanto a distribuições de reservas, às quais o condicionamento estabelecido por aquele artigo é parcialmente extensivo. Concluo, portanto, pela aplicação analógica do artigo 297.º às sociedades por quotas.»
O n.º 1 do artigo 297.º estabelece que o contrato de sociedade pode autorizar que, no decurso de um exercício, sejam feitos aos acionistas adiantamentos sobre lucros, desde que o órgão de gestão resolva o adiantamento, e esta resolução seja precedida de um balanço intercalar, elaborado com a antecedência máxima de 30 dias (e certificado pelo revisor oficial de contas, no caso de sociedade anónima) que demonstre a existência nessa ocasião de importâncias disponíveis para os aludidos adiantamentos, que devem observar, no que seja aplicável, as regras dos artigos 32.º e 33.º, tendo em conta os resultados verificados durante a parte já decorrida do exercício em que o adiantamento é efetuado.
Refira-se, ainda, que de acordo com este articulado, pode ser efetuado um só adiantamento no decurso de cada exercício e sempre na segunda metade deste.
O artigo 537.º - Distribuição antecipada de lucros, do CSC, determina que na aplicação do artigo 297.º, às sociedades constituídas antes da entrada em vigor deste diploma, que ocorreu em 1 de novembro de 1986, é dispensada a autorização pelo contrato de sociedade.
Refira-se, no entanto, que esta matéria é de interpretação jurídica do direito societário, pelo que, subsistindo dúvidas, deve ser consultado um advogado que seja especialista no direito das sociedades.
Os lucros das entidades sujeitas a IRC, no momento em que são pagos ou colocados à disposição dos respetivos titulares, pessoas singulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, são tributados, por retenção na fonte, à taxa liberatória de 28 por cento, como dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, com opção de englobamento sempre que os titulares do rendimento sejam residentes em território nacional, como dispõe o n.º 6 do mesmo artigo.
Assim sendo, um adiantamento por conta de lucros numa sociedade por quotas é uma operação perfeitamente legal com enquadramento no CSC, sendo que, quando o lucro for apurado e aprovado, é efetuado o encontro de contas por cada sócio que recebeu o adiantamento.
O direito aos lucros encontra-se consignado no artigo 217.º do CSC, pelo que a renuncia a favor da sociedade após a deliberação de distribuição em assembleia-geral é uma operação atípica, devendo ser juridicamente validada por um advogado.
Em termos contabilísticos:
Crédito da conta 263 - Sócios - Adiantamento por conta de lucros, pelo montante adiantado
a
12 - Depósitos
Na data da disponibilização dos lucros:
Por essa disponibilização e regularização dos adiantamentos por conta de lucros:
- Débito da conta 264 - Sócios - Resultados atribuídos, pelo montante atribuído na distribuição;
Por contrapartida a:
- (se for o caso);
- Crédito da conta 265 - Sócios - Lucros disponíveis, pelo montante disponível a entregar aos sócios (já líquido de retenção na fonte);
Na data do pagamento dos lucros aos sócios:
- Débito da conta 265 - Sócios - Lucros disponíveis por contrapartida a crédito da conta 12 - Depósitos à ordem, pelo montante pago.
No que toca aos empréstimos da sociedade aos sócios, o artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS estabelece que os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Assim sendo, não existe qualquer impedimento legal e fiscal a uma sociedade efetuar empréstimos aos seus sócios desde que exista um contrato de mútuo devidamente validado por advogado ou outro profissional da área jurídica. Se não existir esse contrato, nem se aplicar as outras condições da norma acima descrita, existe a presunção fiscal do adiantamento por conta de lucros com a tributação por retenção na fonte à taxa liberatória de 28 por cento (artigo 71.º, n.º 1 do CIRS).
O artigo 1 143.º do Código Civil relativo ao mútuo estabelece que, sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a 25 mil euros só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado de valor superior a 2 500 euros se o for por documento assinado pelo mutuário.