PT27090 - julho de 2022
A Lei n.º 10-A/2022, de 28 de abril, prevê a isenção de IVA sobre fertilizantes e alimentos para animais, quando destinados à alimentação humana e quando utilizados na produção agrícola.
Determinada empresa tem como atividade principal a CAE 01500 - Agricultura e produção animal combinadas, e adquire rações para alimentação de animais bovinos (de carne). Essas aquisições estavam sujeitas a IVA de seis por cento (lista 1, 3.3 - «farinhas, (...), para alimentação de gado (...)». Com a Lei n.º 10-A/2022 passaram a estar isentas as transmissões no território nacional. No entanto, alguns fornecedores não assumiram isso e liquidaram IVA.
Pode a empresa deduzir esse IVA, tal como se não houvesse a Lei referida? Subentende-se que o fornecedor entregará esse IVA incorretamente liquidado ao Estado.
A empresa também adquire rações no mercado comunitário, sendo que tem sido norma a «inversão do sujeito passivo» neste caso, liquidando e deduzindo o IVA. Mas, com a nova Lei, estas aquisições em território nacional estão agora isentas de IVA. Deve a empresa considerar as aquisições ao abrigo do artigo 15.º, n.º 1, alínea a), do RITI, como isentas? Se afirmativo, devem ser consideradas no campo 14 do quadro 06 da declaração periódica de IVA?
Parecer técnico
As questões colocadas referem-se ao enquadramento, em sede de IVA, da aplicação da isenção prevista no artigo 4.º da Lei n.º 10-A/2022, de 28 de abril.
Refere o artigo 4.º da Lei n.º 10-A/2022, de 28 de abril, que:
«1 - Estão isentas de IVA as transmissões dos seguintes bens, quando normalmente utilizados no âmbito das atividades de produção agrícola:
a) Adubos, fertilizantes e corretivos de solos; e
b) Farinhas, cereais e sementes, incluindo misturas, resíduos e desperdícios das indústrias alimentares, e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado, aves e outros animais, referenciados no Codex Alimentarius, independentemente da raça e funcionalidade em vida, incluindo os peixes de viveiro, destinados à alimentação humana.
2 - As operações referidas no número anterior conferem o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a sua realização.»
Na sequência da entrada em vigor desta Lei e de modo a mitigar eventuais dúvidas que pudessem surgir da sua interpretação, foi publicado o Ofício-Circulado n.º 30 246/2022, de 29 de abril.
Salientamos que a redação das verbas 3.1 e 3.3 da lista I anexa ao CIVA foi utilizada, ipsis verbis, na formulação do texto da isenção prevista na Lei n.º 10-A/2022, pelo que fará sentido, tal como, aliás, esclarecido pelo Ofício-Circulado que, na análise de uma eventual aplicação desta isenção, sejam considerados os mesmos critérios e entendimentos em vigor relativamente à aplicação da taxa reduzida por enquadramento naquelas verbas.
Ou seja, caso determinado bem, antes da entrada em vigor da Lei n.º 10-A/2022, cumprisse as condições para a aplicação da taxa reduzida por enquadramento nas verbas 3.1 ou 3.3, poderá, agora, beneficiar da isenção em análise.
Contudo, chamamos a atenção de que, tratando-se de uma norma de isenção, a sua abrangência, face aos princípios basilares do IVA, deverá ser analisada de forma estrita. Quer isto dizer que apenas poderão beneficiar desta isenção os bens expressamente previstos no corpo da isenção, não havendo margem para interpretações mais amplas que extravasem tal âmbito.
Isto porque, qualquer outra interpretação, pode pôr em causa a neutralidade do próprio IVA no circuito económico de fornecimento e causar distorções de concorrência entre agentes económicos.
Ainda sobre esta matéria, destacamos um entendimento prestado à Ordem pela Autoridade Tributária, no qual é referido que:
«Tendo por referência o questionado, afigura-se ser de esclarecer que a Lei n.º 10-A/2022 não estabelece qualquer limitação subjetiva, seja em função do fornecedor/transmitente dos bens, seja em função do destinatário/adquirente dos mesmos, embora condicione a sua aplicação aos bens do tipo normalmente utilizado na produção agrícola.
Deste modo, estando em causa os bens referidos no ofício-circulado (ressalvados, naturalmente, os elencados nos pontos 4. e 7.), os mesmos beneficiam da aplicação da isenção independentemente da qualificação do operador que os transmite".
Poderá encontrar a notícia oficial sobre este entendimento
aqui.
Face ao exposto, concluímos que a aplicação da isenção em causa não se encontra subordinada a quaisquer restrições subjetivas, quer quanto ao transmitente, quer quanto ao adquirente, estando a mesma apenas dependente de os bens transmitidos serem, ou não, enquadráveis nas alíneas a) ou b) do número 1 do artigo 4.º da Lei n.º 10-A/2022.
Salientamos, ainda, que também não se verifica obrigatório que esses mesmos bens sejam consumidos na atividade agrícola, mas apenas que sejam normalmente utilizáveis nessas atividades.
Feitas estas notas introdutórias, iremos, agora, responder às questões concretas.
Quanto à primeira questão, refere-se que alguns fornecedores do sujeito passivo em causa não se encontram a aplicar a isenção prevista no artigo 4.º da Lei n.º 10-A/2022, pretendendo-se saber se esse IVA, mesmo que indevidamente liquidado, poderá, ou não, ser dedutível.
Ora, respondendo desde já à questão, tendo o adquirente conhecimento que o seu fornecedor se encontra, por iniciativa própria, a liquidar IVA indevidamente pela não aplicação da referida isenção, na nossa opinião, tal IVA não poderá ser dedutível.
Relativamente à segunda questão, tenha-se em conta o seguinte:
Uma vez que, de acordo com o descrito, o mesmo sujeito passivo «também adquire rações no mercado comunitário, sendo que tem sido norma a "inversão do sujeito passivo” neste caso, liquidando e deduzindo o IVA», pretende-se saber se, com a entrada em vigor da Lei n.º 10-A/2022, poderão tais aquisições intracomunitárias beneficiar, igualmente, da referida isenção.
Ora, de modo a respondermos à questão, socorrer-nos-emos da alínea a) do número 1 do artigo 15.º do RITI, que refere que:
«1 - Estão isentas do imposto:
a) As aquisições intracomunitárias de bens cuja transmissão no território nacional seja isenta do imposto.»
Assim, as aquisições intracomunitárias de bens abrangidos pela isenção prevista no artigo 4.º da Lei n.º 10-A/2022 poderão, de facto, beneficiar da isenção prevista na alínea a) do número 1 do artigo 15.º do RITI, devendo ser inscritas, para esse efeito no campo 14 do quadro 06 da declaração periódica.