PT27183 - setembro de 2022
Determinada microempresa pretende desreconhecer do seu ativo um imóvel que tinha sido adquirido em regime de leasing. Pretende agora, antes do contrato terminar, fazer a rescisão contratual.
O imóvel foi registado na conta 43 por 244 mil euros e tem de amortizações 18 mil euros. A dívida à locadora é de 162 mil euros.
Daqui, resulta a anulação das contas 43.22, 43.82 e 25.13, e a obtenção duma perda de 64 mil euros a registar na conta 68.73. Este procedimento está correto? O valor registado na conta 68.73 pode ser considerado como custo fiscal?
Parecer técnico
A questão colocada refere-se ao desreconhecimento de um imóvel adquirido no âmbito de um contrato de locação.
É referido que a entidade se encontra classificada como "micro", não sendo, no entanto, referido qual o normativo contabilístico adotado.
Começamos por referir que, tratando-se de um contrato de locação de um imóvel, haverá que avaliar a NCRF 9 - Locações, sendo fundamental distinguir se, neste caso, se está perante uma locação financeira ou locação operacional. Caso a entidade adote a norma contabilística para microentidades (NC-ME) deve ser observado o capítulo 9.
O parágrafo 8 da NCRF 9 estabelece que uma locação é classificada como locação financeira se transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade, sendo classificada como locação operacional se ela não transferir substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à propriedade.
Dado que na maioria das vezes não é fácil estabelecer esta distinção na classificação das locações, a norma estabelece também nos parágrafos 10 e 11 alguns exemplos e indicadores que estarão presentes quando se esteja perante uma locação financeira, dos quais destacamos as alíneas b) e c) do parágrafo 10, face ao descrito na exposição:
«10 - A classificação de uma locação como financeira ou operacional depende da substância da transação e não da forma do contrato. Exemplos de situações que podem normalmente conduzir a que uma locação seja classificada como uma locação financeira são:
a) A locação transfere a propriedade do ativo para o locatário no fim do prazo da locação;
b) O locatário tem a opção de comprar o ativo por um preço que se espera que seja suficientemente mais baixo do que o justo valor à data em que a opção se torne exercível tal que, no início da locação, seja razoavelmente certo que a opção será exercida;
c) O prazo da locação abrange a maior parte da vida económica do ativo mesmo que o título de propriedade não seja transferido;
d) No início da locação o valor presente dos pagamentos mínimos da locação ascende a pelo menos, substancialmente, todo o justo valor do ativo locado; e,
e) Os ativos locados são de uma tal natureza especializada que apenas o locatário os pode usar sem que sejam feitas grandes modificações (...).»
No parágrafo 11 são enumerados outros indicadores de situações que individualmente ou em combinação podem também conduzir a que uma locação seja classificada como financeira.
Atendendo a estas regras, deverá ser feito um juízo de valor, através da análise do contrato em questão, que permita estabelecer se este cumpre, ou não, alguns dos requisitos para se classificar como locação financeira.
Estando cumpridos os requisitos de locação financeira, a forma de tratamento preconizada para estes casos determina que, no início do prazo de locação, os locatários devem reconhecer as locações financeiras como ativos e passivos nos seus balanços por quantias iguais ao justo valor da propriedade locada ou, se inferior, ao valor presente dos pagamentos mínimos da locação, cada um determinado no início da locação, conforme previsto no parágrafo 19 da NCRF 9 (incluindo a primeira e a última - opção de compra).
Em termos de reconhecimento e mensuração nas demonstrações financeiras do locatário, dever-se-á atender ao disposto no parágrafo 20 da NCRF n.º 9.
Assim, no começo do prazo da locação (data a partir da qual o locatário passa a poder exercer o seu direito de usar o ativo locado), as entidades locatárias devem reconhecer as locações financeiras como ativos e passivos pela menor das seguintes quantias, determinadas no início da locação: justo valor da propriedade locada ou valor presente dos pagamentos mínimos da locação.
O justo valor do bem locado coincidirá, por regra, com o valor de compra subjacente ao contrato de locação (incluindo todos os custos diretos iniciais incorridas. Já o valor presente dos pagamentos mínimos da locação corresponde, simplificadamente, ao valor atual dos pagamentos (rendas) a efetuar durante o prazo da locação por parte do locatário, juntamente com quaisquer quantias garantidas pelo locatário ou por uma parte relacionada com este (conforme parágrafo 4 da NCRF 9). Além disso, se o locatário tiver a opção de comprar o ativo por um preço que se espera que seja suficientemente mais baixo do que o seu expectável justo valor na data de exercício daquela opção de compra - de tal modo que razoavelmente se espere que a opção possa vir a ser efetivamente exercida - então os pagamentos mínimos da locação compreendem, quer os pagamentos durante o prazo da locação anteriormente descritos, quer o valor da opção de compra.
Assim, podiam ter sido adotados os seguintes registos contabilísticos:
Pela celebração do contrato, o registo contabilístico como locação financeira poderá ser:
Débito: 43x - Ativos fixos tangíveis
Crédito: 2513 - Financiamentos obtidos - Instituições de crédito e sociedades financeiras - Locações financeiras
Os imóveis utilizados através de locação financeira estão classificados como itens do ativo fixo tangível nos termos da norma contabilística e de relato financeiro (NCRF) n.º 7 - Ativos fixos tangíveis, por remissão do parágrafo 23 da NCRF 9 - Locações.
O desreconhecimento de um item do ativo fixo tangível deve ser efetuado no momento da alienação ou quando deixarem de existir expectativas de fluírem benefícios económicos para entidade pelo uso ou venda do ativo, conforme previsto no parágrafo 66 da NCRF 7.
O desreconhecimento do item do ativo fixo tangível determina a obtenção dum ganho ou perda (mais ou menos valia) nos resultados do período, conforme o parágrafo 67 da NCRF 7.
A mais ou menos-valia pelo desreconhecimento do imóvel, classificada como item do ativo fixo tangível, é determinada pela diferença entre o valor de realização do bem e a quantia escriturada (valor líquido contabilístico) do mesmo bem, conforme previsto no parágrafo 70 da NCRF 7.
Os proveitos líquidos da alienação correspondem ao valor do rédito pela alienação do imóvel, líquido dos respetivos encargos diretamente relacionados para efetuar essa venda.
A quantia escriturada (valor líquido contabilístico) resulta da diferença entre o custo de aquisição do imóvel (valor inicial do contrato) e o montante das respetivas depreciações acumuladas e perdas por imparidade acumuladas.
No caso em concreto, tratando-se da venda de um imóvel, classificado como ativo fixo tangível, os cálculos podem ser:
Mais-valia ou menos-valia contabilística (MVc/mvc) = Valor de realização - (custo de aquisição - depreciações acumuladas - perdas por imparidade acumuladas)
Este cálculo extracontabilístico permite determinar desde logo se a alienação irá determinar uma mais ou menos-valia (lucro ou prejuízo).
Os registos contabilísticos da alienação do imóvel podem ser:
Pela anulação das depreciações acumuladas e/ou perdas por imparidade acumuladas:
- Débito da conta 438/9 - Depreciações acumuladas/perdas por imparidade acumuladas por contrapartida a crédito da conta 432
- Edifícios e outras construções, pelo montante das depreciações acumuladas e perdas por imparidade acumuladas.
Pelo desreconhecimento do imóvel:
- Débito da conta 278x - Outros devedores e credores, pelo valor a receber de contraprestação pela alienação;
Por contrapartida a:
- Débito da conta 6871 - Gastos e perdas em investimentos não financeiros - Alienações, pela diferença negativa (menos-valia) entre o valor de realização e a quantia escriturada do imóvel (se for o caso);
- Crédito da conta 431 - Terrenos e recursos naturais, pela quantia escriturada do terreno;
- Crédito da conta 432 - Edifícios e outras construções, pela quantia escriturada do imóvel (incluindo as obras);
- Crédito da conta 7871 - Rendimentos e ganhos em investimentos não financeiros - Alienações, pela diferença positiva (mais-valia) entre o valor de realização e a quantia escriturada do imóvel (se for o caso).
Em termos de IRC, há que determinar a mais ou menos-valia fiscal nos termos do artigo 46.º e seguintes do CIRC.
Apenas as mais ou menos-valias fiscais são relevantes para a determinação do lucro tributável, pelo que há que proceder à correção fiscal, retirando a mais ou menos-valia contabilística e incluindo a mais ou menos-valia fiscal (no quadro 07 da declaração modelo 22).
A mais ou menos-valia fiscal é determinada pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes, e o valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, conforme o n.º 2 do artigo 46.º do CIRC.
O valor de realização é dado pelo valor total a receber previsto no contrato de compra e venda do imóvel.
O valor de aquisição deduzido de perdas por imparidade e depreciações acumuladas aceites fiscalmente é determinado pelo custo de aquisição do ativo fixo tangível, incluindo as despesas diretamente relacionados com a aquisição (por exemplo, despesas de conservatória), deduzido das depreciações aceites fiscalmente determinadas nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009 e perdas por imparidade aceites fiscalmente nos termos do artigo 31.º-B do CIRC.
O valor de aquisição deduzido das perdas por imparidade, bem como das depreciações ou amortizações aceites fiscalmente, para determinação da mais ou menos-valia fiscal, deve ser atualizado pelo coeficiente de desvalorização monetária, se tiverem decorrido pelo menos dois anos da data de aquisição até à data da alienação, conforme previsto no artigo 47.º do CIRC.
Assim, a determinação da mais ou menos-valia fiscal pode ser reduzida à seguinte fórmula: Mais-valia fiscal:
MV/mv = VR - (CA - DAac - PIAac) x coeficientes de desvalorização da moeda
Sendo:
MV - Mais-valia
mv - menos-valia
VR - Valor de realização líquido de encargos (indemnização)
CA - Custo de aquisição acrescido de encargos
DAac - Depreciações acumuladas aceites em termos fiscais
PIac - Perdas por imparidade acumuladas aceites em termos fiscais
Mais-valia Fiscal (MVf) = Valor de realização - (Custo de aquisição - Depreciações aceites fiscalmente - Perdas por imparidade aceites fiscalmente) x Coeficiente desvalorização monetária
Correções fiscais no quadro 07 da declaração modelo 22:
- Deduzir mais-valia contabilística no campo 767; ou acrescer menos-valia contabilística no campo 736;
- Acrescer mais-valia fiscal no campo 739 (se não existir intenção de reinvestimento); (ou campo 740 se existir intenção de reinvestimento – 50 por cento do valor de realização); ou deduzir menos-valia fiscal no campo 769.
Como esta mais-valia se refere a um imóvel, há ainda que ter em atenção o disposto no artigo 64.º do CIRC.
De acordo com este artigo, se o valor patrimonial tributário (VPT) definitivo determinado à data da venda for superior ao valor de realização (do contrato de venda), deve ser esse VPT a ser considerado na determinação do resultado fiscal.
Se o VPT for efetivamente superior ao valor de realização pela venda do imóvel, essa diferença positiva deve ser acrescida no campo 745 do quadro 07 da declaração modelo 22.
O valor patrimonial tributário definitivo a considerar para efeitos de aplicação do artigo 64.º do CIRC é aquele determinado à data da alienação do imóvel.
Considerando que o imóvel foi adquirido após 1 de janeiro de 2004, deve ser considerado o VPT definitivo determinado à data da aquisição, quando este seja superior ao custo de aquisição do imóvel, determinado nos termos da NCRF 7.
Se o custo de aquisição for superior ao VPT determinado à data de aquisição do imóvel, não há que efetuar qualquer correção no quadro 07 da declaração modelo 22 referente a esse custo de aquisição.
Face a este enquadramento, a determinação do resultado tributável para venda do imóvel pode ser: resultado tributável (RT) (artigo 64.º do CIRC):
Valor de realização ou VPT se superior: se o VPT for superior - acrescer a respetiva diferença positiva entre o valor de realização e o VPT da data de venda no campo 745 (se inferior não há nada a corrigir).
Valor de aquisição ou VPT se superior (apenas para imóveis adquiridos após 1 de janeiro de 2004): se o VPT for superior ao custo de aquisição - deduzir a respetiva diferença positiva entre o VPT da data da compra e o custo de aquisição no campo 772 (se inferior não há nada a corrigir).