Ordem nos media
Seguros suportam dois milhões de impostos surpresa
28 June 2004
Regime simplificado ou contabilidade organizada? Domingues de Azevedo fala de comportamento ilegal
Milhares de empresas portuguesas e profissionais liberais foram surpreendidas pela administração fiscal, que desconsiderando a opção efectuada por uma contabilidade organizada os enquadrou no regime simplificado de IRS e IRC. Esta situação originou uma cobrança de impostos inesperada, porque contempla um espécie de colecta mínima. Em alguns casos, foram os gabinetes de contabilidade que tiveram de assumir este encargo dos seus clientes. Resultado: mais de dois milhões de euros de impostos foram comunicados aos seguros de responsabilidade civil dos técnicos de contas. 

Este número é avançado por Domingues Azevedo, presidente da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, entidade que gere os seguros de responsabilidade civil. E são centenas os gabinetes de contabilidade afectados por uma situação que remonta aos anos finais de 2001 (ano em que entrou em vigor o novo regime) e 2002, mas que só agora está a revelar a sua dimensão. Mas que continua a afectar novos contribuintes (empresas e profissionais liberais) que iniciam agora a sua actividade. Na contabilidade organizada, a tributação é feita sobre os lucros (e em caso de despesa igual à receita, não há pagamento de impostos), mas no simplificado há uma espécie de colecta mínima ¿ no valor de 20% da matéria colectável, que é 20% das vendas. 

Para a Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, «este é um comportamento ilegal da administração fiscal». Garantindo que a legislação não é explícita nesta matéria, Domingues Azevedo recorda uma disposição da lei tributária geral, segundo a qual os contribuintes têm direito a ser notificados de alterações. E nenhum dos contribuintes em causa foi notificado de que tinha sido enquadrado no regime geral, quando a sua opção foi a de contabilidade organizada. De acordo com a Associação Portuguesa de Empresas de Contabilidade, Auditoria e Administração (APECA), o número de empresas afectadas por este problema ascende a «alguns milhares». E, «em relação à sua dispersão, o facto é sentido em todo o território nacional». A Câmara procedeu já à auscultação de juristas e fiscalistas sobre a matéria, que se têm pronunciado pela «não normalidade» da actuação do fisco. Outra grande questão que levantam os responsáveis do sector é que os agentes agiram sempre na presunção de que estavam enquadrados no regime de contabilidade organizada, já que, em 2001 e 2002, os serviços das Finanças aceitaram e liquidaram as declarações entregues. Só a partir de 2003, com o registo informático das declarações via Internet, é que as empresas de contabilidade foram confrontadas com a nova situação fiscal dos seus clientes ¿ empresas ou profissionais liberais. Em 2001, data da entrada em vigor da nova legislação, as empresas passaram a ser enquadradas em função das estimativas de volume de negócios. A opção pelo regime de contabilidade organizada obriga a vendas superiores a 150 mil euros. O problema é que, chegado ao final do ano e se o valor não for atingido, as Finanças enquadram automaticamente no regime regra ¿ ou seja, no simplificado. Domingues Azevedo defende que, em relação aos anos transactos, a administração fiscal deverá manter os contribuintes no regime por eles escolhido e, a partir de agora, notificar o sujeito passivo quando o fisco entender alterar a sua situação. Este caso já mereceu duas cartas da APECA ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. 

A Associação detectou algumas «irregularidades» e pede, nomeadamente, um «regime de excepção, em relação ao enquadramento, em 2001 e 2002, dos sujeitos passivos de IRS». Figueiredo Pratas mostra-se «crente que a administração Fiscal irá rever as situações criadas e ultrapassar os problemas gerados». Mas aconselha «os sujeitos passivos a dirigirem exposições ao Secretário de Estado ou aos serviços competentes da administração fiscal, para que mais rapidamente o assunto se resolva». O DN contactou o Ministério das Finanças, mas não obteve qualquer comentário sobre a situação. «Uma autêntica caça ao imposto» O regime simplificado é «a negação absoluta do próprio mecanismo de tributação». A contestação a este enquadramento é feita por Domingues Azevedo, presidente da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC), que considera a lei que o institui «injusta e contranatura». Em primeiro lugar, assinala, existe uma contradição na própria legislação que encaminha para o regime simplificado contribuintes que não estejam obrigados a contabilidade organizada. Contudo, denuncia Domingues Azevedo, a administração fiscal está a enquadrar automaticamente empresas que, por força da lei e do Plano Oficial de Contabilidade, são obrigadas a contabilidade organizada. Este novo regime é, assim, «uma verdadeira caça ao imposto», acusa, e não há preocupação das Finanças em avaliar se houve ou não enriquecimento do sujeito passivo, que é o pressuposto constitucional consagrado por efeitos de tributação. 

O presidente da CTOC exemplifica com o caso de uma empresa imobiliária criada em 2002 com a expectativa de um volume de vendas de 1,5 milhões de euros e, portanto, enquadrada pelo regime de contabilidade organizada. Mas essa é uma estimativa baseada na venda de um terreno que só se concretiza no ano seguinte. Entretanto, esta empresa passou para o regime simplificado, sem o saber. Se as suas expectativas seriam de ter um lucro de dez mil euros nesse negócio, pagando um imposto de três mil euros, a colecta mínima é bem superior. No regime simplificado em que foi enquadrado contra a sua vontade, terá de pagar 60 mil euros. Para quem foi apanhado em situações semelhantes, «foi uma violência», acusa Domingues Azevedo. Por outro lado, explica ainda, o regime simplificado não obriga ao registo de despesas. O que constitui um incentivo à desorganização. «A mensagem que transmite é: meus amigos, abandalhem-se», critica o presidente da CTOC. E não deixa de ser também uma promoção da fuga ao imposto de outros contribuintes, já que as facturas de serviços ou mercadorias, adquiridas deixam de ser necessárias. Também a Associação Portuguesa de Empresas de Contabilidade, auditoria e Administração contesta a actual situação e considerou, na exposição enviada ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que da aplicação do regime simplificado «jamais deveria resultar que o mesmo passasse de regime supletivo a regime regra. Pelo que apenas nos casos em que os sujeitos passivos assim o manifestassem é que deveriam ficar enquadrados» nesse regime.