Ordem nos media
Cruzamento de dados entre PJ e Fisco ainda por cumprir
18 August 2004
Governo tem quatro meses para avançar com projecto
O Governo reafirma, ao fim de ano e meio de tentativas diversas, «a intenção de prosseguir» com os esforços para criar uma interconexão de dados entre a Polícia Judiciária (PJ) e a administração fiscal e a Segurança Social, iniciada ainda no Governo anterior, reiterou ao PÚBLICO o gabinete do ministro das Finanças e da Administração Pública. Esta declaração de intenções está limitado, todavia, aos quatro meses de que o Governo dispõe para aproveitar a respectiva autorização legislativa, aprovada pelo Parlamento no Orçamento de Estado (OE) de 2004. A saída do ex-primeiro-ministro Durão Barroso e a nomeação de um novo Governo interrompeu o conturbado processo legislativo referente à possibilidade de cruzamento de dados entre a Polícia Judiciária, por um lado, e a administração fiscal e a Segurança Social, pelo outro. Desde a posse do Governo da maioria PSD/PP, em 2002, que se pretendeu demonstrar a preocupação oficial em combater o crime de fraude fiscal e de encontrar uma maior eficácia no combate à fraude e evasão fiscais. Foi nesse âmbito que se retirou à administração fiscal a competência sobre os crimes fiscais de valor superior a 500 mil euros que assumam especial complexidade, forma organizada ou carácter transnacional (decretos-lei 304/2002 e 305/2002, de 13 de Dezembro). Essa iniciativa não foi, porém. considerada suficiente pelas autoridades. O OE de 2003, publicado a 30 de Dezembro, autorizou o Governo a legislar em matéria de cooperação entre a Polícia Judiciária, a Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC) relativamente ao tratamento da informação de natureza tributária e criminal. CNPD desfavorável Essa intenção viria a ter corpo, a 17 de Fevereiro de 2003, num projecto de diploma entregue à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), autoridade junto do Parlamento com atribuição de controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais, segundo a Constituição. O diploma concedia o acesso da PJ às bases de dados da administração tributária. Em Março de 2003, a Comissão deu o seu parecer desfavorável, por considerar que não era «clara a indicação das entidades que acedem aos dados nem a especificação dos dados tratados», além de ter sido excedida a autorização legislativa concedida, ter sido violado o artigo 5º da Lei Protecção de Dados (ser excessivo o acesso indiscriminado a dados pessoais sem pertinência para a finalidade prosseguida) e, ainda, por se ter considerado necessário definir quem acedia a que tipo de dados e em que condições, além do dever de sigilo. A 30 de Abril de 2003, o Governo publicou o decreto-lei 93/2003, consagrando esse acesso. Mas o balanço da sua eficácia nunca foi feito pelas autoridades. Segundo a comissão, o ministro da Segurança Social e do Trabalho, António Bagão Félix, actualmente ministro das Finanças, solicitou à CNPD, a 10 de Fevereiro passado, parecer sobre um novo projecto de decreto-lei que, face ao anterior, apenas incluía a DGAIEC e a Inspecção-Geral das Finanças (IGF) na lista de entidades com acesso às bases de dados. A comissão - como refere o seu parecer 23/2004 - voltou «a reproduzir as conclusões extraídas do parecer» anterior, considerando ainda que o preâmbulo «deveria explicitar as razões daquela inclusão». E clarificava-se que o decreto-lei não poderia operar "como fonte de legitimidade de tratamentos posteriores ao acesso por parte destas entidades ora acrescentadas". PJ quer acesso livre No início de 2004, a intenção do Governo era já outra. Com base num projecto nascido na própria Polícia Judiciária, mais tarde apadrinhado pelo Ministério da Segurança Social, a PJ poderia aceder aos dados fiscais e da Segurança Social, em tempo real, sem a abertura de inquérito e sem coordenação do Ministério Público. O Ministério das Finanças colocou obstáculos àquela pretensão, mas o director-geral dos impostos acabou por dar o seu aval aos responsáveis da PJ, a 4 de Abril, sobre um parecer fundamentado do subdirector-geral da Justiça Tributária, Alberto Pedroso. Mas condicionou-se o aval ao facto de a CNPD não levantar objecções. Os responsáveis do Ministério da Segurança Social garantiam, todavia, que a CNPD dera, informalmente, a sua concordância, já que elementos seus tinham participado num encontro em que se analisara o projecto, o que veio a ser negado pela comissão. Nessa altura, a Comissão ainda não tinha adoptado uma posição sobre o diploma. Em meados de Março passado, numa entrevista concedida ao PÚBLICO, o presidente da Comissão e um dos vogais comentaram que lhes parecia difícil, face à Constituição, o acesso a dados sem abertura prévia de inquérito. Em Maio, a Comissão voltou a apreciar o referido projecto e levantou bastantes reticências, até ao momento ainda por solver. Designadamente, e a par de outros avisos, a Comissão alertou para que fosse «acertada a indicação concreta e precisa dos dados a que a PJ pode disponibilizar» e adiantou que o acesso permitido pela PJ «desvia-se do sentido e extravasa os limites fixados pela autorização legislativa», ferindo o projecto de «ilegalidade e de inconstitucionalidade». Por outro lado, como não foi fixada a duração da autorização, o projecto estava ferido, mais uma vez, de inconstitucionalidade e nulidade. A comissão chamava a atenção de que continuava à espera do texto do protocolo que concretizava a coordenação dos procedimentos. Com a queda do Governo, em meados de Julho, o assunto ficou adiado. Sobram quatro meses, até ao fim do prazo de vigência da autorização do Parlamento para regulamentar o cruzamento de dados.